terça-feira, 12 de abril de 2016

Portugal. 15 MINUTOS



Mariana Mortágua – Jornal de Notícias, opinião

Tive há dias uma conversa com um desconhecido a pretexto dos Panamá Papers. O homem, cujo nome não cheguei a saber, contou-me como tinha criado um, nos anos 90, para esconder menos de um milhão de contos de um negócio que não percebi. A recomendação veio de um amigo, e do gestor de conta do seu banco, que entretanto o encaminharam para um advogado, que cobrou uns bons milhares pela operação. Não havia grande moral nisto, apenas a noção de que o recurso a offshore para esconder dinheiro, ou pagar menos impostos, é bem mais generalizado e antigo do que se pensa.

O mais útil, acho eu, veio a seguir.

A história começa com um negócio de importação e venda de têxteis, iniciado no final dos anos 80. A entrada na CEE animara a economia, e as coisas iam bem. As vendas subiam, e o número de lojas também. Os imóveis eram arrendados e, sem grande capital, todo o negócio era sustentado em crédito. O problema é que isso não era um problema. O crédito era a forma de expansão dos bancos, e havia-o com fartura nos anos 90, período de privatização e liberalização da Banca. Os gestores de conta competiam para ver quem fazia as melhores condições. A concorrência era feroz, e um empréstimo de dezenas de milhares de contos, acrescido de uma conta a descoberto de outros tantos, era brutalmente fácil de conseguir. Os camiões carregavam cada vez mais caixas, importadas de França, sendo que só uma parte era declarada, só uma parte pagava impostos. O negócio era honesto, mas era assim que as coisas se faziam.

Dizia-me ele, à luz do que sabe hoje, que tinha olho para o negócio. Sabia comprar bem e vender melhor mas, com o antigo 7.º ano, nunca soube parar para perceber que a fortuna que lhe passava pelas mãos entrava e saía com a mesma facilidade. "Achava que estava a enriquecer mas era tudo um balão, que quando furado, esvaziaria". E foi o que aconteceu.

Com a entrada no euro o negócio mudou. A importação e venda de têxteis deixou de se fazer da mesma forma, e as grandes multinacionais entraram por aí sem dó nem piedade. Com aquele nível de endividamento, e de juros, uma pequena baixa nas vendas foi suficiente para quebrar todo o periclitante equilíbrio em que o negócio assentava. A falência foi só uma questão de tempo, e depois não havia nada que os bancos quisessem para reestruturar os créditos. Não havia património, só dívida.

Pode parecer banal, mas é a história do boom dos anos 90, e do que veio depois. Espero que este homem não se importe que a tenha contado. Achei 15 minutos muito bem gastos.

*Deputada do BE

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