Os
observadores da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) consideram
que as eleições presidenciais na Guiné Equatorial, este domingo, decorreram “de
forma ordeira e pacífica” e registaram uma predominância de elementos do
partido no poder. Teodoro Obiang ganhou com 98% dos votos. Que melhor prova de
democracia poderia querer a CPLP…
Orlando
Castro* - Folha 8
“A
votação decorreu de forma ordeira e pacífica, não havendo registo de
incidentes. O acto eleitoral foi acompanhado de um visível dispositivo de
segurança”, considera a equipa de acompanhamento da CPLP, numa nota enviada à
agência Lusa.
De
acordo com dados provisórios divulgados pela Junta Eleitoral Nacional na
madrugada de segunda-feira, o Presidente, Teodoro Obiang Nguema, no poder desde
1979, foi reeleito com mais de 98% dos votos.
Os
observadores da organização lusófona, a que a Guiné Equatorial aderiu em 2014,
constataram, nas deslocações realizadas, “a predominância de elementos de
campanha eleitoral do PDGE [Partido Democrático da Guiné Equatorial, no poder]
face às demais candidaturas”.
Por
outro lado, a equipa observou a presença de delegados do PDGE “em todas as
mesas visitadas, e a presença, em menor número de mesas, de delegados de outras
candidaturas”.
Os
elementos da CPLP estiveram na Guiné Equatorial desde sexta-feira passada e
regressam hoje a Portugal, tendo visitado um total de 55 mesas de voto nos
distritos de Malabo, Baney e Luba.
“O
dia eleitoral decorreu conforme os procedimentos operacionais previstos para o
efeito, designadamente no Manual de Instrução para os Membros das Mesas” e,
“nos locais visitados, os membros das mesas de voto demonstraram o necessário
conhecimento sobre os procedimentos a seguir, o mesmo acontecendo com a
generalidade dos eleitores”, descreve a missão de acompanhamento.
Os
observadores verificaram ainda que as mesas visitadas “dispunham do material
necessário ao seu bom funcionamento e ao exercício do voto por parte dos
eleitores”, acrescenta.
Segundo
a CPLP, a acção da equipa “foi condicionada pela chegada tardia ao país, o que
não permitiu o acompanhamento do ciclo eleitoral, designadamente do período de
campanha, nem assegurar a cobertura da parte continental do território
nacional”. O secretário executivo da comunidade, Murade Murargy, disse que tal
se deveu a constrangimentos financeiros.
Por
outro lado, acrescenta a nota da missão de acompanhamento, não foram
disponibilizadas listas das mesas de voto em tempo útil, o que “não permitiu a
identificação atempada dos locais de acompanhamento do ato eleitoral”.
A
missão decorreu a convite das autoridades da Guiné Equatorial e a equipa é foi
chefiada pelo representante permanente de Timor-Leste junto da CPLP, embaixador
Antonito de Araújo, integrando ainda diplomatas das representações de Cabo
Verde e São Tomé e Príncipe e elementos do secretariado-executivo.
As
autoridades equato-guineenses também relataram que a votação de domingo
decorreu sem incidentes e em total normalidade.
Os
resultados eleitorais finais são aguardados na quinta-feira. Nas anteriores eleições
de 2009, Obiang Nguema obteve 95,37% dos votos.
…
…
Recorde-se
que, segundo Domingos Simões Pereira, então Secretário Executivo da CPLP, o
processo de adesão da Guiné Equatorial à CPLP consistia em:
“Por
um lado, a Guiné-Equatorial já está cumprindo com a aprovação da língua
portuguesa, como língua oficial. Mas também há princípios que têm a ver com o
exercício democrático no país, com uma maior abertura, com os direitos humanos.
Há todo um conjunto de princípios no país que nós achamos que têm que ser
respeitados”.
Era,
na altura, uma tentativa, vã e coxa, de querer dar credibilidade à CPLP.
Com
a bênção do democrata (apesar de não eleito nominalmente e no poder desde 1979)
presidente de Angola, e com o agachamento dos restantes países, a ditadura de
Teodoro Obiang entrou na CPLP com armas e bagagens.
É
evidente que a entrada da Guiné-Equatorial na CPLP “não vai mudar nada o regime
de Teodoro Obiang” (onde está a novidade?), afirmou já em Julho de 2010 à
Agência Lusa um dos líderes da oposição em Malabo.
“Obiang
está no poder desde 1979 e vai continuar a violar os direitos humanos, a
torturar e a prender”, declarou Celestino Bacalle, vice-secretário geral da
Convergência para a Democracia Social (CPDS).
“Nada
mudou na ditadura nestes anos todos nem vai mudar com a entrada na CPLP. Quem
muda são os que antes criticavam a situação na Guiné Equatorial e agora são
convencidos pelo dinheiro, pelo petróleo e pelos negócios”, acusou o número
dois da maior plataforma da oposição equato-guineense.
“Hoje,
os que tinham uma posição crítica sobre a ditadura de Obiang mudam de posição
depois de visitarem Malabo”, ironizou o dirigente da oposição, responsável
pelas relações políticas internacionais da CPDS.
“A
adesão à CPLP não nos surpreende. A candidatura era previsível, na linha do que
Obiang tem feito com outras organizações internacionais. Ele quer mostrar ao
povo guineense que o dinheiro pode comprar tudo o que ele quiser. O pior é que
tem razão”, denuncia o dirigente da CPDS.
“Obiang
está a conseguir que as portas se abram em todo o lado para o regime. Apoiam-no
agora para ter o nosso petróleo mais tarde”, sublinhou.
“O
que constatamos é que África avança a três velocidades, não a duas. Há uma
África dos países que já atingiram a democracia, há outra dos países que estão
a caminho de atingir esse objectivo e depois há o grupo da Guiné Equatorial,
onde assistimos a um retrocesso”, afirmou Celestino Bacalle.
“A
Guiné Equatorial faz parte do pior de África, mas isso não interessa a quem
fica convencido pelas promessas de negócios”, acrescentou o líder da oposição.
“É
uma vergonha para muitos governos africanos que fecham os olhos ao que se passa
na Guiné Equatorial”, uma crítica que, diz Celestino Bacalle, “serve também
para o Governo português”.
“Obiang
não admite influência de ninguém porque não tem essa humildade. Quanto à
promessa que ele fez de declarar o português como língua oficial da
Guiné-Equatorial, vai acontecer o mesmo que aconteceu ao francês: é língua
oficial há muitos anos e quase ninguém fala entre a população”, conclui o
dirigente da oposição.
Para
além de ter decretado que o seu país passa a ter a língua portuguesa como
oficial, Obiang já terá convidado aos altos dignitários da CPLP para a
inauguração, na capital do país (Malabo), duas avenidas que deverão chamar-se:
José Eduardo dos Santos e… José Eduardo dos Santos. Em agenda está uma outra
que deverá ter o nome de… José Eduardo dos Santos.
Obiang,
como aliás os angolanos, sabe que o que hoje é verdade para os governos da CPLP
amanhã pode ser mentira. Também sabe, tal como José Eduardo dos Santos, que
hoje é bestial mas que um dia destes – como todos os ditadores – passa a besta.
Reconheça-se,
contudo, que tomando como exemplo Angola, a Guiné Equatorial preenche todas as
regras para estar em pleno na CPLP. Não sabe o que é democracia mas, por outro
lado, tem fartura de petróleo, o que é condição “sine qua non” para comprar o
que bem entender.
Obiang,
que a revista norte-americana “Forbes” já apresentou como o oitavo governante
mais rico do mundo, e que depositou centenas de milhões de dólares no Riggs
Bank, dos EUA, tem sido acusado (tal como o seu homólogo angolano, por exemplo)
de manipular as eleições e de ser altamente corrupto, tal como o que se passa
em Angola.
Obiang,
que chegou ao poder em 1979, derrubando o tio, Francisco Macias, foi agora
reeleito (isso é que é democracia) com 98 por cento dos votos oficialmente
expressos (também contou, como em Angola, com os votos dos mortos), mantendo-se
no poder graças a um forte aparelho repressivo, do qual fazem parte os seus
guarda-costas marroquinos.
Os
vastos proventos que a Guiné-Equatorial recebe da exploração do petróleo e do
gás natural poderiam dar uma vida melhor aos 600 mil habitantes dessa antiga
colónia espanhola, mas a verdade é que a maior parte deles vive abaixo da linha
de pobreza. Em Angola são 70% os pobres…
A
Amnistia Internaciona (AI) diz que no país do Presidente Teodoro Obiang ainda
se registam “vários casos de detenções e reclusões arbitrárias por motivos
políticos”, que normalmente ocorrem “sem que a culpa dos detidos seja formada e
formalizada”, e sem que haja “um julgamento justo”.
Estas
alusões a Teodoro Obiang e ao seu país encaixam que nem uma luva ao caso de
Angola, até mesmo quanto aos anos que os dois presidentes estão no poder.
“Tais
práticas não constituem apenas violação dos padrões internacionais de Direitos
Humanos aplicáveis às regras processuais policiais, penais e jurisdicionais,
mas constituem também forma grave de restrição à liberdade de expressão”,
afirma a AI.
As
“fortes restrições à liberdade de expressão, associação e manifestação”, os
“desaparecimentos forçados de opositores ao Governo”, os “desalojamentos
forçados” e a existência de “tortura e outros maus tratos perpetrados pelas
forças policiais” são outras das preocupações expressas pela AI referentes a
Angola… perdão, referentes à Guiné Equatorial.
Não
se tivesse a certeza que a AI estava a falar da Guiné-Equatorial (formalmente é
uma democracia constitucional) e, com extrema facilidade, todos pensariam que
estaria a fazer o retrato do reino de sua majestade o rei de Angola,José
Eduardo dos Santos.
Por
outro lado, a AI destaca que “60 por cento” da população da Guiné Equatorial
vive “abaixo do limiar da pobreza”, ou seja, com “menos de um dólar americano
por dia”, apesar dos “elevados níveis de crescimento económico do país, da
elevada produção de petróleo e de ser um dos países com o rendimento per capita
mais elevado do mundo”.
Atente-se,
contudo, no que dizia o moçambicano Tomaz Salomão, então secretário executivo
da SADC (Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral): “São ditadores,
mas pronto, paciência… são as pessoas que estão lá. E os critérios da liderança
da organização não obrigam à realização de eleições democráticas”.
*Orlando
Castro é subdiretor do Folha 8
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