Poucas
semanas depois de o representante da ONU em Bissau deixar de ser um lusófono e
passar a ser um nacional de um país da CEDEAO, o mal-estar causado no maior
partido guineense por declarações do secretário-executivo da CPLP veio colocar
a comunidade lusófona numa trajetória de ainda maior afastamento em relação ao
seu mais frágil país-membro.
O
secretário-executivo da CPLP, Murade Murargy, admitiu no passado dia 13 de maio
que Bissau pudesse ter um novo governo sem o PAIGC, partido mais votado nas
últimas eleições, invocando mesmo que a CPLP não tem dinheiro para patrocinar
novas eleições.
"Aparentemente,
há duas saídas: ou (PR) convida o PAIGC a formar novo Governo, e aí terá
dificuldades, ou então forma um Governo com uma nova maioria a constituir no
Parlamento, com base nos 15 deputados (do PAIGC) que foram reintegrados (após
terem sido expulsos do partido) e o PRS. Assim o Presidente teria base para
formar novo Governo”, disse Murargy, citado pela Lusa.
As
declarações vieram em sentido contrário às de Miguel Trovoada, ex-representante
da ONU em Bissau, que no culminar do seu mandato deixou críticas públicas ao
intervencionismo do presidente na esfera da governação. O PAIGC, liderado por
Domingos Simões Pereira, antecessor de Murargy, não poupou o atual líder da
organização.
A
hipótese admitida é "inconstitucional", afirmou o PAIGC em
comunicado. "Como é que (Murargy) ousa fazer esta afirmação, nem que fosse
simplesmente por respeito ao povo guineense". À Presidência de Timor Leste
da CPLP, adiantava o PAIGC, compete “corrigir esta deriva de princípios e
valores que só conseguimos atribuir ao cansaço e à alguma desatenção e
fadiga" de Murargy, em final de mandato.
Dois
dias depois, o líder da CPLP emitiu um “esclarecimento”, dizendo ter “apelado
ao diálogo como a única forma de se chegar ao entendimento. “Reitero que
qualquer reflexão externada por mim contextualiza, somente, a busca da paz e da
estabilidade das instituições necessárias para a construção democrática em
absoluto respeito da vontade expressa pelo povo guineense".
As
declarações surgiram após a demissão de mais um governo do PAIGC pelo
presidente, e numa altura em que decorriam já em Bissau negociações para
formação de um novo executivo.
Segundo
o Briefing Diário Africa Monitor, o “inusitado apoio/validação pelo Secretário
Executivo da CPLP, num momento de elevado risco político e de segurança, de uma
solução governativa de constitucionalidade duvidosa, que viria a constituir-se
na prática como um governo de iniciativa presidencial”, vem "degradar a
relação do PAIGC, com a organização lusófona”, que vê agora como ainda mais
remoto “um possível papel numa solução” para a crise guineense.
O
sinal de afastamento da CPLP do dossier guineense dado pela substituição de
Trovoada pelo maliano Modibo Touré já tinha sido apontado pelo analista Paulo
Gorjão, do Instituto Português de Relações Internacionais e de Segurança
(IPRIS). O mesmo analista tinha feito críticas ao legado de Murargy na CPLP,
que considerou de "feridas e divisões" entre os Estados membros para
as quais o diplomata moçambicano "muito contribuiu, por ação ou
inação". O secretário executivo, respondeu com dureza em declarações à Lusa.
“Não
conheço pessoalmente (Gorjão), nunca o vi, nem nunca conversámos para que possa
tirar as ilações que tirou no artigo que escreveu sobre a CPLP. Achei o artigo
de um oportunismo descarado. Não sei se ele conhece a futura secretária
executiva - pelas declarações que faz, parece que a conhece -, traça um perfil
que ela própria deve ficar surpreendida com o que ele escreve", afirmou
Murargy.
"Não
sei em que se baseia para considerar desastroso o meu legado, a que chama
consulado, ou que informações tem ou se este artigo que escreveu será uma
encomenda. Uma coisa é certa: quando cheguei à CPLP, fui guiado por uma firme
determinação, de fazer com que a CPLP não seja instrumento de qualquer dos
países membros", disse à Lusa.
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