O
director dos Serviços Penitenciários do regime de Angola, António Fortunato,
disse hoje desconhecer a carta em que 12 activistas angolanos solicitam
transporte para o Tribunal Supremo, caso o ‘habeas corpus’ para a libertação
não seja entretanto decidido, não se comprometendo com essa pretensão.
António
Fortunato falava à agência Lusa depois de conhecido publicamente o teor desta
carta, na qual 12 dos 17 activistas, detidos no Hospital-Prisão de São Paulo
(HPSP), anunciam a intenção de ir ao Tribunal Supremo, em Luanda, a 5 de Julho,
questionar sobre o ‘habeas corpus’ que pede a libertação, por decidir há mais
de 2 meses e meio.
“Não
tenho conhecimento dessa carta. O que nós fazemos é encaminhar as cartas,
atendendo aos pedidos que são feitos e aos serviços. Há pedidos que eu não
posso aceitar, nem encaminhar”, disse apenas, reservando uma posição para mais
tarde.
A
carta é assinada por 12 activistas, do grupo de 17 condenados em Março por
suposta e nunca provada (como é timbre do regime) rebelião e associação de
malfeitores.
A
carta é dirigida ao director dos Serviços Penitenciários, António Fortunato,
solicitando que seja “acautelado” o transporte dos reclusos ao Tribunal
Supremo, no dia 5 de Julho, pelas 09:00, “caso não haja pronunciamento
favorável” ao pedido de ‘habeas corpus’ interposto pelos advogados, até à tarde
do dia anterior.
António
Fortunato recebeu a carta mas, pelos vistos, esqueceu-se de perguntar a sua
majestade o rei, José Eduardo dos Santos, qual a resposta a dar caso os
jornalistas o interrogasse sobre o assunto. Embora sobejamente treinado em
pensar pela cabeça do rei, desta vez o director dos Serviços Penitenciários não
conseguiu deixar de meter os pés pelas mãos.
“Servimo-nos
desta para comunicar ao senhor director nacional a nossa pretensão de nos
deslocarmos nós próprios ao Tribunal Supremo, para exigir que reponham a
legalidade e que seja observado, sem mais delongas e bazófias legalistas, o
efeito suspensivo [da aplicação das penas]“, lê-se na carta.
Admite-se,
entretanto, que por a carta ter sido escrito em… português ainda esteja à
espera da respectiva tradução para mplês, a língua oficial nos órgãos
policiais, de segurança e jurídicos do regime.
O
‘habeas corpus’, interposto a 1 de Abril pela Defesa dos 17 activistas
angolanos, pedindo a libertação até decisão sobre os recursos à condenação,
ainda não chegou ao Tribunal Supremo para ser analisado, apesar da urgência que
os advogados recordam que este tipo de pedido deverá ter.
Consta
que o pedido terá ido de bicicleta, depois de cinte e tal dias à espera da
requisição respectiva para… circular. Acontece que, para cúmulo, a bicicleta
avariou no caminho. Furou, dizem uns. A corrente quebrou, alegam outros.
Acontece que, dada a situação de crise que o país vive, está difícil arranjar
peças sobressalentes. Uma chatice!
“Se
pretendemos que Angola se torne brevemente num Estado verdadeiramente
democrático e de direito, não podemos, de maneira nenhuma, tolerar que os
direitos e liberdades fundamentais se subordinem aos caprichos arbitrários de
quem se coloca acima da lei. Por esse motivo nós, os 12 activistas do processo
dos 17, internados no HPSP, decidimos que o benefício da dúvida concedido à
Justiça angolana não tem mais razão de ser”, afirmam na carta.
Reconheça-se
que é um texto demasiado complicado para ser entendido pelos serviços
prisionais. Falar de Estado democrático e de direito ultrapassa, em muito, a
capacidade de entendimento de quem cumpre ordens num regime monárquico,
despótico e corrupto.
Críticos
do regime angolano, os activistas dizem ainda estar “perante um inqualificável
abuso de poder”, protagonizado pelo juiz da causa, “agindo por encomenda do
poder político”.
A
situação sobre este pedido de ‘habeas corpus’ foi confirmada a 16 de Junho pelo
advogado Luís Nascimento, dando conta que as equipas de defesa concluíram agora
que, dois meses e meio depois da entrega do recurso, este ficou “retido” na
14.ª Secção do Tribunal Provincial de Luanda (primeira instância), durante
cerca de 20 dias.
“O
juiz da causa não entregou o documento, reteve-o, sem ter competência para isso
e nem o passou a quem era dirigido [juiz-presidente do Supremo]“, apontou Luís
Nascimento.
Só
depois dessa data, explicou o mesmo advogado, o processo foi enviado, mas para
o Tribunal Constitucional (TC), juntamente com um recurso de
inconstitucionalidade do acórdão do mesmo caso, e não para o Tribunal Supremo,
a quem compete decidir sobre o ‘habeas corpus’, cujo juiz-presidente chegou a
ordenar à primeira instância o seu envio.
Este
recurso de ‘habeas corpus’, por “prisão ilegal”, visa usar a “jurisprudência
existente” sobre o efeito suspensivo dos recursos – neste caso interpostos para
as instâncias superiores – à condenação, para que entretanto seja mantida a
situação carcerária de todos, particularmente as duas jovens que estavam em
liberdade e os restantes que estavam em prisão domiciliária, a 28 de Março,
quando foi conhecida a sentença.
António
Fortunato está com medo
Odirector
nacional dos Serviços Prisionais foi aconselhado a ter muito cuidado com o que
diz, isto porque se atreveu – o que é passível de ser crime – a afirmar que as
cadeias coloniais existentes em Angola oferecem melhores condições de segurança
em relação aos novos estabelecimentos penitenciários.
António
Fortunato, que falava – ainda por cima – à rádio estatal angolana, disse (Março
de 2015) que as cadeias novas não têm o conjunto de condições de segurança,
nomeadamente os três grandes níveis de muros de segurança, segundo as normas
das cadeias.
“Temos
as cadeias mais antigas, as chamadas comarcas, e elas representam índices de
segurança objectivos, os muros, as vedações, mais impeditivas da sua
transposição, ou seja, as cadeias antigas são de difícil transposição”,
explicou.
Face
à falta de condições físicas de segurança, os serviços prisionais têm optado
pela “segurança subjectiva, em que o homem é um elemento fundamental”,
sublinhou.
Neste
sentido, o responsável defendeu melhores condições de trabalho e sociais para
os guardas prisionais, com vista a permitir que seja feito “de modo motivado o
seu trabalho, para que a segurança seja mais aperfeiçoada”.
O
director dos Serviços Prisionais de Angola admitiu o envolvimento de guardas
prisionais em situações de evasão de reclusos, salientando que têm sido punidos
os infractores e também desenvolvido um conjunto de normas para desmotivar a
prática.
A
sobrelotação das cadeias é um problema que tem sido minimizado com a
transferência de reclusos para estabelecimentos penitenciários do país, com
condições para actividade agrícola, agro-pecuária e indústria.
Em
finais de Janeiro do ano passado, mais de 150 reclusos evadiram-se de um
estabelecimento prisional na província de Cabinda, tendo ao fim de alguns dias
sido recapturados.
O
inquérito à fuga desses os 151 reclusos da cadeia do Yabi concluiu que a
“grave” falta de observância das regras e procedimentos de segurança naquele
estabelecimento foi a causa da evasão.
Folha
8 com Lusa
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