Um
ano depois, familiares e advogados falam sobre as dificuldades pelas quais têm
passado. Ninguém sabe onde foi parar o “habeas corpus”.
No
bairro Calemba 2 encontramos Esperança Gonga, mulher do activista Domingos da
Cruz. Simpática, recebeu-nos em sua casa onde presenciou um dos piores
momentos da sua vida. O dia que mudou por completo toda a sua rotina, a forma
de ver e viver a vida. Considerou.
“Eram
6h da manhã quando fui surpreendida pela polícia a bater brutalmente à minha
porta. Obrigaram-me a abri-la e revistaram toda a minha casa sem nenhuma
satisfação. Só mais tarde afirmaram que o Domingos havia sido detido na
província do Cunene”, explica.
Esperança
lembra que os cinco polícias “corpulentos e arrogantes” encontraram-na
semi-nua. Um deles, mais sensível, ainda confessou que gostava do
trabalho que o seu marido fazia, mas que infelizmente “o país tem dono” e só
estavam ali a cumprir ordens.
“Pensei
que já haviam morto o meu marido. Estava bloqueada e a tremer muito. Felizmente
naquele dia as crianças não estavam em casa. Seria um trauma para elas”,
afirma.
Durante
dois dias Esperança não soube do paradeiro do seu marido, até receber o
telefonema desse mesmo polícia a avisá-la que Domingos já se encontrava em
Luanda, e pedindo-lhe que levasse agasalho e comida ao seu marido.
Enfrentar
as perguntas das filhas sobre o pai tem sido das suas piores experiências. Além
das saudades, as meninas queixam-se dos projectos que tinham com o pai.
“Tinham
muitos planos e actividades relativas aos seus estudos, artes, e tantas
outras coisas que ficaram para trás. Eu posso fazer a minha parte. Mas têm as
suas motivações e eu tenho as minhas. Fica-me difícil fazer o papel dele”,
queixa-se.
O
seu balanço destes últimos 12 meses “é dos piores”. Os planos foram todos
adiados e queixa-se do rumo que todo o processo tomou. O único conforto para
Esperança Gonga é o facto de ficar a conhecer melhor “a coragem e firmeza” do
seu marido.
“Estou
triste com o atraso civilizacional que Angola apresenta. Já sabemos que isso é
uma detenção política. Podíamos ser mais tolerantes. Refiro-me mesmo ao regime
que devia aprender a viver com as diferenças, porque a diferença fazem o
universo. Ideias diferentes não significam inimizade”, lamenta Esperança.
A
sustentabilidade financeira é um dos maiores desafios para a família. Com o
“pouco” que ganha, a esposa esforça-se para manter o sustento da casa.
“Sou
professora. Graças a Deus ainda temos tido arroz à mesa. Mas tem sido difícil
pôr o peixe ou a carne. O que ganho não chega para quase nada e tenho ainda que
pagar a propina das miúdas no colégio. Moramos numa casa de renda”, explica
Esperança Gonga.
“O
único conforto é saber que ele está a lutar pelo bem estar de todos os
angolanos”
No Golfo
1 encontramos Henriqueta, mulher de Benedito Jeremias que lamenta o facto dos
filhos presenciaram o momento em que a polícia revistava a sua casa. Uma das
crianças encontrava-se febril mas ainda assim os agentes policiais não
aceitaram que o activista telefonasse aos familiares.
“Os
miúdos estavam sozinhos em casa. Os polícias estavam à procura de armas ou objectos
que pudessem comprometê-lo. Foi uma bagunça. Desarrumaram a casa toda.
Levantaram os colchões, procuraram fotografias e levaram as máquinas
fotográficas e os computadores. Tudo na presença das crianças”.
“Quando
cheguei a casa encontrei as crianças a chorarem. Diziam que o pai estava preso.
Tentei negar mas é impossível, a forma como eles entraram na nossa casa
traumatizou os meus filhos”, explica.
Henriqueta
condena ainda o facto dos policias bloquearem todo o bairro, deixando os
vizinhos em pânico.
“Parecia
que se tratava de um terrorista, de alguém muito perigoso. Tudo isso até hoje
vem repercutindo na vizinhança, que comenta como se ele fosse mesmo uma pessoas
perigosa. Isso faz-nos muito mal. As pessoas cochicham e outras até dão
gargalhadas”, lamenta.
Licenciada
em Administração Pública, Henriqueta está desempregada e afirma que os últimos
12 meses têm sido muito difíceis para a sua família. A detenção de Jeremias
impossibilitou que os dois filhos continuassem a estudar.
“Tem
sido um atraso constante nas nossas vidas. Mas ainda assim acredito num final
feliz. O encontro que tivemos com o Juiz do Tribunal Supremo não foi muito
convincente porque ele atirava a bola aos advogados dizendo que a defesa foi
para lá e retirou o documento do Supremo para o Constitucional. Os advogados
negam isso. Parece ser um jogo com os familiares dos activistas” afirma.
Das
piores lembranças dos últimos 12 meses consta a agressão à sua sogra durante
uma das manifestações na Praça da Independência, e ainda o espancamento do
esposo dentro da cela a mando do director-adjunto da cadeia.
“Os
últimos meses têm sido de tormento. É uma tristeza ir para a cadeia e ver o meu
marido com os olhos amarelados, com a pele infectada, a reclamar da qualidade
da água. O único conforto é saber que ele está a lutar pelo bem estar de todos
os angolanos”.
“Infelizmente
a sociedade esqueceu-se que os activistas estão detidos por lutarem por uma
causa comum. São sempre as mesmas pessoas a darem a cara. A sociedade ainda
está morta”, acrescenta.
“Era
ele quem ajudava a minha mãe com as despesas de casa”
Encontramo-nos
com Marcelina António de Brito, Irmã de Inocêncio de Brito, em casa do
seu pai, em Viana, onde se encontra acamado por conta de um infecção pulmonar.
Para a irmã do activista, a pior das suas lembranças foi ter visto o seu irmão
algemado e encapuzado na carrinha da polícia.
“Eram
17h quando a polícia apareceu com o Inocêncio já algemado e encapuzado em casa
dos meus pais. Bloquearam as ruas e calados limitavam-se a revistar toda a
casa”.
“No
dia seguinte, procuramo-lo por várias esquadras. Os polícias não sabiam dizer
em que esquadra ele se encontrava. Regressamos a casa sem nenhuma resposta.
Foi, e ainda é, um verdadeiro tormento”, acrescenta a irmã.
À
semelhança de Esperança Gonga, a família de Inocêncio também chegou a pensar
que o activista estivesse morto. Passados dois dias, e após várias
insistências, foi-lhes dito que o activista encontrava-se detido na esquadra do
KM9, mas logo a seguir foi transferido para Calomboloca.
Os
últimos 12 meses têm sido de muita “correria e tormento” para os seus
familiares. A irmã, que à semelhança do activista também apoiava no sustendo da
casa, actualmente, encontra-se desempregada.
“Era
ele quem ajudava a minha mãe com as despesas de casa. O meu pai está acamado e
a minha mãe só chora. Pergunta qual o pecado que cometeu. Ela é hipertensa,
volta e meia a tensão sobe”, explica Marcelina.
“Vivemos
uma democracia que não se faz sentir”
Por
seu lado, Fernando Baptista, pai de Nito Alves, lembra que naquele dia
aguardava que o seu filho chegasse da escola quando se deparou com um aparato
policial à sua porta.
“Nunca
vimos tantos polícias, armados até aos dentes, como naquele dia. Juntou-se uma
multidão na rua e todos queriam saber do que se tratava”, afirma Fernando
Baptista.
Quando
os pais de Nito se aproximaram da sua casa, encontraram o filho algemado. Os polícias
revistavam a sua residência alegando tratar-se de um problema de Segurança de
Estado. Fernando lamentava ainda o facto de não se fazerem acompanhar de nenhum
mandato de captura.
“Foi
um dia horrível. Até hoje o meu filho encontra-se condenado por uma acusação
falsa. Foi uma calúnia para silenciar as pessoas e criar o medo no seio dos
jovens revolucionários”, explica.
A
detenção de Nito mudou drasticamente a rotina da sua família. Para Fernando, um
dos maiores problemas é o facto do seu filho ter sido obrigado a interromper os
estudos.
“Temos
ido visita-lo frequentemente. Mas damos conta que a cada dia que passa a
situação dele na cadeia tende a piorar. É submetido a maus tratos e castigado
permanentemente. No domingo, ele foi espancado simplesmente porque se dirigiu
ao local onde têm cortado o cabelo, mesmo tendo solicitado ao guarda”.
“Acredito
num final feliz, mas não para breve. Vivemos uma democracia que não se faz
sentir, onde quem pensa diferente é tido como inimigo da pátria. Num país justo
eles não seriam condenados”, lamenta Fernando Baptista.
Habeas
corpus desaparecido entre tribunais
Actualmente
o processo dos activistas encontra-se na fase de recursos, conforme afirma Luís
Nascimento, advogado de defesa de dez dos 17 activistas condenados a penas de
prisão efectiva de dois a oito anos e meio. Foram apresentados dois recursos. O
primeiro, logo a seguir à sentença condenatória, para o Tribunal Supremos; e a
1 de Abril o seu escritório apresentou um outro recurso ordinário de
inconstitucionalidade para o Tribunal Constitucional. Na mesma data, o
escritório do advogado Miguel Francisco “Michel”, que defende quatro dos
activistas, também apresentou uma providência de habeas corpus ao
tribunal da causa, dirigida ao Supremo.
“O
recurso para o Tribunal Constitucional foi entregue no dia 7 de Abril,
por não ter havido da parte do juiz do tribunal recorrido alguma acção.
Reclamamos deste facto ao Tribunal Constitucional (TC) que depois de
esclarecido pelo tribunal da causa admitiu o nosso recurso com os fundamentos
apresentados”, explica Luís Nascimento.
Ainda
segundo Nascimento, a defesa foi notificada, pelo TC, no dia 26 de Abril, com o
fim de apresentar as alegações de recursos em 20 dias, fizeram-no a 10 de Maio.
“É
evidente que o recurso para o Tribunal Supremo ficou suspenso. Mas a providência
de habeas corpus foi apresentada, primeiramente, no tribunal da causa, e
como não teve andamento – porque houve uma nítida retenção deste recurso por
parte do juiz da causa -, o meu colega Michel teve de apresentar uma reclamação
no dia 14 de Abril directamente ao Tribunal Supremo”, afirma.
Luís
Nascimento afirma que se surpreendeu quando o juiz do Tribunal
Supremo que falou com os familiares, lhes disse que não tinha a
providência de habeas corpus consigo.
“Desde
1 de Abril que a providência foi apresentada e não sofreu nenhum tratamento.
Isso é grave porque a reclamação foi feita directamente ao Tribunal Supremo.
Não é grave, é dramático. Há uma nítida retenção da proveniência. Não se pode
brincar com a liberdade das pessoas. Neste momento estamos a tentar localiza o habeas
corpus”, lamenta Luís Nascimento.
Desde
20 de Junho que Henrique Luaty Beirão, Manuel Nito Alves, Afonso Matias
“Mbanza-Hamza”, José Gomes Hata, Hitler Jessy, Inocêncio António de Brito,
Sedrick Domingos de Carvalho, Albano Evaristo Bingo, Fernando António Tomás
“Nicola”, Nélson Dibango Mendes dos Santos, Arante Kivuvu Lopes, Nuno Álvaro
Dala, Benedito Jeremias, Domingos José da Cruz e Osvaldo Caholo estão detidos.
As activistas Rosa Conde e Laurinda Gouveia foram presas no dia da leitura da
sentença do processo, 28 de Março de 2016, no qual os 17 activistas foram
condenados pelos crimes de “actos preparatórios de rebelião e associação de
malfeitores”, com penas distintas entre eles que variam de 2 a 8 anos de
prisão.
Em
Rede Angola, por Waldney Oliveira (texto) e Ampe Rogério (fotografias).
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