O
Expresso disponibiliza na íntegra um artigo de opinião de George Soros
publicado pelo Project Syndicate. “As consequências para a economia real só
serão comparáveis às da crise financeira de 2007-2008 (...) Além disso, o
próprio Reino Unido poderá não sobreviver (...) O tempo não está do lado da
Europa, já que as pressões externas de países como a Turquia e a Rússia (que
estão ambos explorar a discórdia para seu benefício) aumentam o conflito
político interno (...) Mas não devemos desistir”
O
BREXIT E O FUTURO DA EUROPA
A
Grã-Bretanha, na minha opinião, tinha o melhor dos acordos possíveis com a
União Europeia, fazendo parte do mercado comum sem pertencer ao euro, e tendo
assegurado uma série de outras exclusões às regras da UE. E, mesmo assim, isso
não foi suficiente para impedir a decisão do eleitorado do Reino Unido de sair
da união. Porquê?
Podemos
encontrar a resposta nas sondagens de opinião dos meses que levaram ao
referendo do “Brexit”. A crise migratória Europeia e o debate do Brexit
alimentaram-se mutuamente. A campanha do “Sair” explorou a deterioração da
situação dos refugiados (simbolizada por imagens assustadoras de milhares de
requerentes de asilo concentrados em Calais, desesperados por entrar na
Grã-Bretanha por todos os meios necessários) para instigar o medo de imigração
“descontrolada” proveniente de outros Estados-membros da UE. E as autoridades
europeias atrasaram decisões importantes sobre a política a aplicar aos
refugiados, para evitar um efeito negativo sobre o voto no referendo Britânico,
perpetuando assim cenas de caos como a de Calais.
A
decisão da chanceler Alemã Angela Merkel de abrir as portas do seu país aos
refugiados foi um gesto inspirador, mas não foi devidamente pensado, porque
ignorou o fator de atração. Um influxo súbito de requerentes de asilo perturbou
as vidas quotidianas de pessoas em toda a UE.
Além
disso, a falta de controlos adequados criou pânico, afetando todas as pessoas:
a população local, as autoridades encarregues da segurança do público e os
próprios refugiados. Também abriu caminho ao rápido crescimento de partidos
xenófobos e antieuropeus (como o Partido da Independência do Reino Unido, que
liderou a campanha pelo Sair), já que os governos nacionais e as instituições
Europeias parecem incapazes de gerir a crise.
Agora,
materializou-se o cenário catastrófico que muitos temiam, tornando praticamente
irreversível a desintegração da UE. A Grã-Bretanha poderá ou não ficar numa
melhor situação relativamente a outros países por ter saído da UE, mas a sua
economia e o seu povo irão sofrer significativamente no curto e médio prazo. A
libra mergulhou para o seu nível mais baixo em mais de três décadas
imediatamente a seguir à votação e a instabilidade nos mercados financeiros em
todo o mundo deverá permanecer durante as negociações com a UE relativas ao
longo e complicado processo de divórcio político e económico. As consequências
para a economia real só serão comparáveis às da crise financeira de 2007-2008.
Esse
processo será seguramente repleto de incerteza e de riscos políticos
adicionais, porque o que está em jogo nunca foi somente uma vantagem real ou
imaginária para a Grã-Bretanha, mas a própria sobrevivência do projecto
Europeu. O Brexit abrirá as comportas para outras forças antieuropeias na
União. Na verdade, assim que o resultado do referendo foi anunciado, a Frente
Nacional de França lançou um apelo ao “Frexit”, enquanto o populista Holandês
Geert Wilders promoveu o “Nexit”.
Além
disso, o próprio Reino Unido poderá não sobreviver. A Escócia, que votou
esmagadoramente para permanecer na UE, deverá tentar novamente conseguir a sua
independência, e alguns responsáveis da Irlanda do Norte, onde os eleitores
também apoiaram o Permanecer, já apelaram à unificação com a República da
Irlanda.
A
resposta da UE ao Brexit também poderá constituir outra armadilha. Os líderes
Europeus, ansiosos por impedirem que outros Estados-membros sigam o exemplo,
podem não estar dispostos a oferecer as condições ao Reino Unido (especialmente
as relativas ao acesso ao mercado único Europeu) que minimizariam a dor da
saída. Com a UE responsável por metade do rendimento comercial da Grã-Bretanha,
o impacto sobre os exportadores poderá ser devastador (apesar de uma taxa de
câmbio mais competitiva). E, com as instituições financeiras a deslocalizar nos
próximos anos as suas operações e pessoal para centros na zona euro, a City de
Londres (e o mercado imobiliário de Londres) não serão poupados.
Mas
as implicações para a Europa poderão ser muito piores. As tensões entre os
Estados-membros atingiram um ponto de ruptura, não só sobre os refugiados, mas
também devido às pressões excepcionais entre países credores e devedores na
zona euro. Ao mesmo tempo, os enfraquecidos líderes da França e da Alemanha
estão agora concentrados nos seus problemas internos. Em Itália, uma queda de
10% no mercado bolsista logo a seguir à votação do Brexit assinala claramente a
vulnerabilidade do país a uma crise bancária generalizada, que poderia mesmo
conduzir ao poder, ainda este ano, o populista Movimento Cinco Estrelas, que
acabou de ser eleito para o município de Roma.
Nada
disto é um bom augúrio para um programa sério de reforma da zona euro, que
deveria incluir uma verdadeira união bancária, uma união fiscal limitada, e
mecanismos de responsabilização democrática muito mais fortes. E o tempo não
está do lado da Europa, já que as pressões externas de países como a Turquia e
a Rússia (que estão ambos explorar a discórdia para seu benefício) aumentam o
conflito político interno.
É
aqui que nos encontramos hoje. Toda a Europa, incluindo a Grã-Bretanha, sofreria
com a perda do mercado comum e a perda dos valores comuns que a UE foi
concebida para proteger. Porém, a UE deixou de cumprir a sua função e de
satisfazer as necessidades e aspirações dos seus cidadãos. Caminha para uma
desintegração desordenada que deixará a Europa em pior situação do que se a UE
nunca tivesse conhecido a existência.
Mas
não devemos desistir. Reconhecidamente, a UE é uma construção com falhas.
Depois do Brexit, todos aqueles que acreditam nos valores e princípios que a UE
foi concebida para defender devem unir-se para salvá-la, reconstruindo-a
laboriosamente. Estou convicto de que, à medida que as consequências do Brexit
se desenrolarem nas semanas e meses que se seguem, mais e mais pessoas se
juntarão a nós.
Expresso - Traduzido
do inglês por António Chagas
George Soros é presidente do Soros Fund Management e das Open Society Foundations
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