Francisco
Sena Santos*
O
primeiro campeonato europeu de futebol de seleções, realizado em 1960, foi um
quase fiasco, por escassa mobilização. A ideia de juntar os países europeus e
apurar os melhores foi de um francês, Henri Delaunay. Nessa década já tinha
sido criada, impulsionada por políticos da França, Alemanha Ocidental, Itália e
os três países Benelux, a CECA, embrião da CEE que gerou a atual União
Europeia. Foi um quebra-cabeças juntar seleções para aquele primeiro Euro com a
bola: os ingleses, que se tomam por pátria do futebol, ficaram ciumentos com a
iniciativa francesa e não quiseram entrar. Alemães (ao tempo a RFA) e
italianos, entre outros, também não. Inscreveram-se 17 países para a fase de
qualificação, mas a Espanha renunciou, por ordem política do ditador Franco, que
recusou o passaporte para a seleção jogar o apuramento em Moscovo com a
comunista União Soviética. Nesse 1960, concorreram ao Euro as seleções de 17
países. Agora, foram 53. A Europa da CEE começou por ter seis países-membros e
agora a União Europeia tem 28. A Europa do futebol cresceu, tornou-se pujante e
gera paixões, a Europa política também cresceu mas definha como ideal e crescem
os desapegos.
Se
perguntarmos por aí, em inquérito de resposta instantânea, o nome de suecos
famosos, o mais provável é que o futebolista Ibrahimovic seja o mais nomeado,
muito mais que Ingmar Bergman, August Strindberg ou até Alfred Nobel. Talvez
alguns se lembrem de Henning Mankell, mestre do policial e amante de
Moçambique. Vão aparecer mais nomes suecos do futebol, como o do treinador
Eriksson, mas ninguém saberá que um tal Stefan Lofven é o primeiro-ministro em
Estocolmo. Há uns tempos, nas décadas de 70 e 80, toda a gente responderia logo
Olof Palme, o político paradigma da social-democracia progressista, solidária e
tolerante. Palme assumia-se utópico: "Não podemos viver sem utopias",
disse numa visita a Portugal pouco tempo antes de ter sido assassinado. Nessa
viagem a Lisboa, Palme explicou numa entrevista à então RDP que "a
política tem de ser feita num diálogo contínuo entre realidade e sonho, porque
sem sonho a nossa ética e ideologia desaparecem". Esse último quarto
do século XX foi um tempo de expansão e até de sonho com o ideal de uma Europa
luminosa, atraente para todos. Entrámos no século XXI e a coisa começou a
correr mal. Houve a infâmia do 11 de setembro que desencadeou guerras e
terrorismos que nunca mais pararam, houve os golpes financeiros de 2007, a
Europa cresceu e arranjou uma moeda sem estar consistentemente preparada para
estas duas coisas, veio a atual geração de dirigentes europeus, veio a
austeridade e os cortes sociais, e estamos nisto, sem faísca, sem entusiasmo
político, uma Europa frustrante – embora com potencial de ideias e energia para
ser radiosa, assim a saibam estimular.
Chegámos
a um momento em que as eleições e referendos em cada país são um confronto
entre sistema e anti-sistema ou partidos tradicionais e forças anti-política. Neste
último domingo, em Itália, candidatas de um movimento, o Cinco Estrelas (M5E),
que se assume contra o sistema político, conquistaram a presidência de cidades
como Roma ou Turim. É facto que Virginia Raggi, eleita em Roma com 67% dos
votos, não pode ser etiquetada de populista (rótulo habitualmente atribuído ao
M5E do comediante Beppe Grillo, com tendência para propor soluções primárias),
é uma política que fez uma campanha afável a prometer "a legalidade, a
honestidade e a transparência", e a propor "uma revolução
gentil" que faça "mudar a velha política dos partidos". Tem na
agenda desmontar as redes mafiosas que controlam os serviços, recuperar o
civismo, fazer a revolução da normalidade. Ela não apelou ao extremismo da
plebe, tratou de juntar uma equipa plural de gente reconhecida como competente
em diferentes domínios da gestão de uma cidade, e assim triunfou. Pode ser um
bom exemplo de regresso da política com boa chama. Fica para se ver.
Estamos
numa semana que toda a gente vê determinante para o futuro da Europa. Já
depois de amanhã é o referendo britânico sobre o isolacionismo ou a
permanência europeia, três dias depois, no domingo, é a repetição de
eleições em Espanha. Num caso como noutro, há tendência para o
desempate entre os blocos que se confrontam ser feito nos penaltis, ou seja, o
resultado só com o apuramento dos últimos votos.
A
campanha para a escolha britânica foi deprimente e atingiu níveis impensáveis
de divisão, radicalização e até de loucura. O desafio naval entre Neil Farage e
Bob Geldof no rio Tamisa pareceu uma cena de Monty Python num filme em que,
como em toda a campanha, as duas partes (brexit e pro-UE) exploraram o medo dos
cidadãos. Foram usados panfletos xenófobos alertando para a possível invasão do
Reino Unido por milhões de turcos e acrescentados mapas sobre alta
criminalidade na Turquia. Foi evocada a resistência britânica a Napoleão e a
Hitler por entre proclamações de combate aos refugiados como os invasores de
agora. Na campanha "remain" também não faltaram ameaças, desde o
colapso da libra ao risco de os reformados perderem os passes e as pensões.
Todos abusaram, todos foram demasiado longe na exploração do medo dos votantes.
A
campanha cada vez mais agressiva foi estancada na passada quinta-feira com o
chocante terrível assassinato da inspiradora deputada Jo Cox cujo apaixonante
serviço público em trabalho solidário ficámos a conhecer. Não é ainda legítimo
declarar o crime com motivação política, mas vários indícios sugerem essa
probabilidade, com execução nas mãos de um perturbado seduzido por ideias de
extrema-direita. Mas a campanha de violência verbal terá inflamado ódios que
podem levar uma criatura mentalmente distorcida a um crime assim. Esta tragédia
terá servido para despertar a Inglaterra – como antes era conhecida – e fazê-la
parar e repensar. O eleitorado líquido, como diria Bauman, flutuando na
fronteira entre a abstenção e o voto de protesto, estará a juntar o coração à
cabeça, e a emoção a puxá-lo para o lado da permanência britânica na Europa. Isso
explicará a neutralização dos seis pontos percentuais de avanço que o
"Brexit" tinha há uma semana. O mais provável é que tudo fique
resolvido nos penaltis.
Em
Espanha, no domingo, a mesma tendência para que seja preciso esperar pela
decisiva contagem dos últimos votos. O que se joga nesta eleição é a
modificação profunda do sistema de representação política: será que um
movimento nascido na rua com o protesto dos "indignados" vai
tornar-se chave para a formação do próximo governo de Espanha? Os partidos
tradicionais estão a ficar obsoletos e a deixar de carburar para os eleitores?
Há que esperar pela noite de domingo. Vivemos dias que podem ativar um
dominó com consequências inimagináveis.
Na
noite do próximo domingo já estarão apuradas seis das oito seleções que jogarão
os quartos de final do Euro 2016. Há 56 anos, no primeiro campeonato, a final
foi jogada pelas seleções de dois países que já não existem: a União Soviética
que se impôs (2-1) no prolongamento à Jugoslávia. Agora, seria bonito ver na
final, num país, a França, que quando foi preciso recebeu tantos emigrantes
portugueses, a seleção de outro país, Portugal, que está a ser um raro bom
exemplo europeu no dever de acolhimento dos refugiados. A Inglaterra (tal como
Gales e a Irlanda do Norte) começou este Euro dentro da União Europeia, mas não
é certo que no final continue a fazer parte da Europa política. Culturalmente,
não há separação possível, ainda que a história europeia tenha como pilares a
velha Grécia, o Império Romano, o Renascimento e o Iluminismo. Também a matriz
cristã.
*Sapo
24
A
TER EM CONTA
As
cidades governadas por mulheres: Madrid, Barcelona, Paris, Turim, Roma,
Colónia, Varsóvia e Estocolmo são algumas das cidades europeias com poder
feminino.
O "pactómetro" proposto
por La Vanguardia: como formar uma maioria de governo em Espanha?
A
guerra continua no Iraque. A batalha por Falluja gerou dezenas
de milhar de refugiados. Trinta mil só nestes
últimos dias. O "EI" perde território, mas pode ser apenas um recuo estratégico.
A
música tem mesmo poderes mágicos e leva à dança: um violinista embalava
uma rua de Trieste com a música que é banda sonora do filme "O fabuloso
destino de Amélie"; uma palestiniana, Rima Baransi, que estuda dança em
Berlim, ia a passar com a família em férias, e foi assim.
Com grande beleza.
Pela
estrada fora, outra
vez, sempre, na América.
As
primeiras páginas britânicas a dois dias do referendo. The Guardian e The Daily Telegraph puxam
a sua escolha para o topo.
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