Rui Peralta,
Luanda
O
número de mulheres vítimas de agressões físicas, psicológicas e assassinadas
apresenta-se como um fenómeno prevalecente na actualidade. Este fenómeno surge
associado aos novos processos de acumulação e de reprodução de capital que
necessitam de um absoluto controlo dos recursos. Não só territórios urbanos e
rurais, mas também corpos e mentes são recursos, na nova óptica dos mecanismos
de acumulação e de reprodução de capital. Hoje, na economia-mundo, o controlo
sobre o corpo das mulheres e a alienação do seu ser é exercido a diversos
níveis e de formas variadas e distintas.
Observemos
como esse controlo é efectuado ao nível da procriação: Nos anos 90 foi adoptada
uma política internacional de controlo demográfico lançada pelo Banco Mundial.
Esse conjunto de medidas tinha como base o princípio de que o número de
nascimentos aumenta a pobreza nas comunidades. As medidas recaíram sobre as
mulheres, que viram-se indirectamente acusadas de lançar bocas esfomeadas ao
mundo. Foram, então, adoptadas medidas de esterilização. Noutros pontos do
globo o processo foi exactamente inverso e as mulheres foram obrigadas a
procriar. Não procriar ou procriar excedentes é um dos exemplos do controlo
exercido sobre o corpo, gerido como um recurso.
Em
África uma larga parte do cultivo de subsistência é efectuado pelas mulheres.
Elas estão na linha da frente da defesa da terra e são o principal pilar de
resistência aos interesses das multinacionais agro-industriais que pretendem
apoderar-se das terras (mesmo através do sistema de concessões) comunitárias,
em nome de um pressuposto desenvolvimento, que mais não é do que uma camuflagem
para as práticas de rapina. Por outro lado são elas que, nas comunidades
rurais, avançam com projectos cooperativos, contribuindo para a integração da
agricultura praticada nas comunidades nas economias nacionais. Este papel
coloca-a em contradição não apenas com os interesses do agronegócio como,
também, com as políticas preconizadas pelo Banco Mundial, baseadas no
pressuposto que apenas o agronegócio pode trazer prosperidade social,
desprezando a capacidade e o potencial de desenvolvimento da agricultura de
subsistência e dos métodos tradicionais de cultivo. Para o Banco Mundial é
fácil acusar as mulheres de trazerem pobreza às suas comunidades com os argumentos
da excessiva procriação e de estarem a contribuir para a continuidade da
agricultura de subsistência.
A
violência contra as mulheres não se restringe, pois, á violência doméstica, á
violência praticada no seio da família patriarcal, mas ultrapassa em muito essa
fronteira. Existe uma violência política e económica sobre a mulher e que podem
ter diversas formas. Por exemplo, os programas de microfinanciamento. Se não
forem bem adaptados aos contextos locais, podem tornar-se uma arma de guerra
aplicada contra o desenvolvimento agrícola sustentável gerado pela chamada
agricultura de subsistência praticada pelas comunidades rurais e pelos
camponeses pobres. E nessa guerra as mulheres são o alvo a abater. Através dos
créditos as mulheres ficam endividadas e têm de entregar, na grande maioria dos
casos, as suas terras, porque não conseguem efectuar os pagamentos devidos (Na
India suicidaram-se milhares de camponeses pobres - homens e mulheres - devido
ás dividas geradas pelos programas de microfinanciamento).
Se
lermos a História do movimento de emancipação das mulheres, concluiremos que,
como movimento autónomo, foi formado por mulheres que tinham militado em
movimentos estudantis, ou contra a guerra, por direitos civis, etc. Com a
criação das suas próprias organizações começaram a compartilhar experiências e
vivências. Tomaram consciência de que enfrentavam uma situação comum e esse foi
um momento importante, pois descobriram uma forma de exploração que, até ao
momento, era invisível. Se as mulheres não se tivessem organizado de forma
autónoma, se tivessem permanecido somente nas organizações mistas nunca teriam
desvendado (e desvendarem-se) essa forma encoberta de exploração. O mesmo se
passou com todos os movimentos sociais (sindical, direitos cívicos, etc.), ou
seja, se não se tivessem autonomizado, não teriam conseguido concretizar
objectivos.
Mas
as mulheres também têm consciência de um factor. O feminicidio não é um
problema exclusivo das mulheres. Elas sofrem-no directamente mas para resolução
do problema é necessária a participação dos homens, que estes se organizem,
mobilizem contra as formas patriarcais de opressão, se eduquem e eduquem outros
homens.
E marchem em conjunto. Dois, como um só…
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