Cristina
Azevedo* - Jornal de Notícias, opinião
O
que parece premeditado é isto: em Portugal só se toma consciência coletiva da
falência de um banco no exato minuto em que a sua "salvação", à custa
dos contribuintes, está a ser negociada com Bruxelas.
Chamam-lhe interesse nacional e os portugueses, extenuados pelo custo de mais um salvamento, não vão para a rua, vagamente convencidos de que haverá ainda qualquer coisa a perder.
Afinal,
há países que injetaram mais fundos nas suas instituições financeiras. Mas ou
são ricas, como o caso da Alemanha, ou negociaram bem o seu resgate com a
troika, como no caso da Irlanda. Portugal, nem uma coisa, nem outra. Resta-nos
a leve esperança de que a maré de juros baixos não se acabe já, já, e que, por
essa via, consigamos ainda, num derradeiro gole, empurrar mais uns quanto
biliões de euros de dívida pública pelas contas abaixo.
Dito
isto, a discussão do assunto pelos políticos faz lembrar a ilustração de Luís
de Camões a nadar com os Lusíadas fora da água. António Costa levanta bem alto
o troféu do banco público que é preciso salvar a todo o custo e Pedro Passos
Coelho vai-lhe no encalço com 30 perguntas de que ambos conhecem as respostas.
Camões
contribuiu para a nossa identidade nacional. O caso da Caixa rouba-nos quase
toda a dignidade coletiva que nos resta.
O
problema é pois o futuro. Qualquer discussão à volta deste tema só teria algum
interesse, em meu entender, se se centrasse sobre a natureza da CGD.
Deve
a CGD ser um banco igual aos outros, em plena concorrência no estatuto e nas
funções? Deve apoiar o Estado preferencialmente, e neste, o investimento nas infraestruturas
de apoio ao Estado social? Que tipo de relação deve manter com as empresas? Em
particular com as empresas públicas? A ter alguma relação com as empresas
privadas como se deve relacionar com instituições concorrentes, a banca privada
ou os organismos do Estado especialmente vocacionados para o apoio ao
investimento e à recapitalização das empresas? Etc., etc.
Ao
invés, nada disto será discutido e o tema sairá da discussão pública no exato
minuto em que, na armadilha da urgência, todos nós formos, mais uma vez,
alienados.
*Analista
financeira
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