Joana
Mortágua – Expresso, opinião
Sempre
que o assunto é 35 horas levanta-se o coro do Restelo a anunciar novos
desastres. Passos está muito preocupado com os custos, Cristas com o mau exemplo que o Estado dá aos privados, ambos apadrinhados
pelo BCE, cuja intromissão não esconde a cumplicidade com as
opções políticas da oposição.
Ouvindo
a direita, parece que o céu está prestes a cair-nos em cima pela ousadia de
desafiar as 40 horas de trabalho semanais. Como se as autarquias e vários institutos públicos não
funcionassem perfeitamente com as 35 horas, como se não existissem setores no privado com horários reduzidos, como se a igualdade
tivesse sido uma preocupação na hora de cortar subsídios e salários ao funcionários públicos.
O
que lhes falta em respeito pelos direitos dos trabalhadores, sobra-lhes em
criatividade para inventar argumentos. A par da “igualdade”, a indignação com
supostos custos da medida é um dos melhores exemplos. Por curiosa coincidência,
o custoanunciado para a reposição das 35 horas este ano até é
inferior à renda que se vai cortar aos colégios privados, mas não
consta que tal desperdício de dinheiros públicos alguma vez tivesse indignado a
direita ou preocupado o BCE.
Se
a imposição das 40 horas em 2013 trouxe algum benefício orçamental, o seu valor
é desconhecido até hoje, embora seja público que o número de horas extraordinárias não diminuiu. Pelo contrário, a
improdutividade do aumento do horário de trabalho é um facto estudado e
reconhecido, tanto por instituições como a Organização Internacional do
Trabalho, como pelos próprios especialistas em gestão.
É
óbvio que esta suposta polémica é atiçada pelo ódio histórico que a direita tem
aos funcionários públicos, imortalizado na célebre expressão “só resta esperar que
acabem por morrer”. Mas isso não explica tudo.
A
redução do horário de trabalho para todas e todos é a fórmula de direitos
laborais do futuro, em contraste com modos de produção do passado que assentam
na sobre exploração de mão de obra barata e pouco qualificada. Neste caso,
tempo é mesmo dinheiro, e trabalhar menos horas pelo mesmo salário constitui
uma valorização do trabalho com criação de emprego.
Podem
inventar as distrações que quiserem mas, como bons velhos do Restelo, o
problema da direita é mesmo com o progresso.
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