A
propósito da deliberação n.º 034/2016 do Conselho de Administração da SONANGOL,
E.P.
Rui
Verde*
A
nomeação de Isabel dos Santos gerou ampla desconfiança em diversos meios
políticos e nos mercados internacionais. O grande argumento para a nomeação foi
a capacidade de gestão de Isabel dos Santos e a confiança que nela deposita o
seu próprio pai. Ora, o que se sabe publicamente acerca do pensamento de gestão
de Isabel dos Santos não vai além de umas fotografias, partilhadas no
Instagram, de reuniões com pessoas de ar importante, em “mangas de camisa”,
sabendo-se também que a princesa gosta de se rodear de consultores e advogados
de empresas com nomes sonantes (que geralmente só servem para cobrar honorários
exorbitantes…).
Começa,
agora, no entanto, a desenhar-se uma ideia do que é a gestão de Isabel dos
Santos na Sonangol, e há uma palavra que a descreve: desconfiança.
Isabel
dos Santos desconfia dos antigos gestores, dos funcionários e dos advogados da
Sonangol. Entrou para a empresa com uma postura hostil. Já tinham vindo a
público umas descrições de pisos proibidos, salas com acesso restrito,
afastamento entre a nova administração e os quadros pré-existentes, e, nesse
sentido, a deliberação n.º 034/2016 do Conselho de Administração da Sonangol,
E.P. é muito clara ao definir uma estratégia de desconfiança.
Vejamos.
Por meio dessa deliberação de 28 de Junho de 2016, o Conselho de Administração
da Sonangol foram tomadas as seguintes medidas:
-
todos os mandatos forenses foram revogados imediatamente; consequentemente,
foram dispensados todos os advogados que a empresa tivesse a acompanhar, a
defender ou a atacar em tribunal;
- foram igualmente revogadas também todas as procurações e representações dadas a gestores, directores, funcionários, etc., para outorgar contratos, assinar escrituras, assinar cheques, fazer transferências e demais actos de gestão ou jurídicos; e assim se pôs fim a qualquer descentralização do poder;
- foram igualmente revogadas também todas as procurações e representações dadas a gestores, directores, funcionários, etc., para outorgar contratos, assinar escrituras, assinar cheques, fazer transferências e demais actos de gestão ou jurídicos; e assim se pôs fim a qualquer descentralização do poder;
-
só não foram revogados os mandatos para o exercício do poder disciplinar; quer
isto dizer que não foram extintos os poderes de outros para efectivar
despedimentos.
Observamos,
assim, que de uma penada foram extintas todas as autorizações concedidas pelo
Conselho de Administração para que outrem pudesse praticar actos em seu nome,
excepto aquelas que permitem a instauração de processos para despedimento.
Este
género de medidas só acontece quando se toma posse de determinada organização e
se desconfia de tudo e de todos, ou seja, quando há um takeover (tomada de
poder) hostil. Pensa-se que a empresa está descontrolada, que os funcionários
realizam contratos e transferências para o seu próprio bolso, e por isso tem de
se colocar um “travão a fundo”. Cria-se uma mentalidade “nós” e “eles”. Por
“nós” entende-se os bons que agora chegam e vêm colocar a casa em ordem. Por
“eles” entende-se os que lá estavam e levaram a empresa à falência e roubaram.
É apenas nestes contextos que este género de medidas se justifica, e parece ser
esta a perspectiva que Isabel dos Santos leva para a Sonangol. Não deixa de ser
irónico, pois vários indícios apontam para que o seu pai, ela própria e
restante família sejam os grandes cleptocratas.
Falemos
um pouco mais sobre os advogados. É normal que a Sonangol tenha uma litigância
grande e vários processos em tribunal. Até é normal que alguns advogados sejam
competentes e outros, incompetentes. Mas não é normal demiti-los todos de uma
vez, sem avaliar cada uma das situações. Isto não é gestão, é “bulldozerismo”,
é deitar tudo abaixo. Mas para quê? O general Higino fez o mesmo em Luanda.
Lenine, no início da União Soviética, aconselhou e praticou o mesmo. Destruir o
statu quo. Sejamos claros: garante manchetes de jornal, mas lembra aquela foto
do presidente brasileiro Jânio Quadros, onde este aparecia com uma vassoura,
significando que ia varrer tudo, e acabou ele próprio varrido…
É
uma inconsciência deixar centenas ou milhares de processos sem advogado.
Contudo, note-se que a isto poderá não ser indiferente o facto de um dos
principais conselheiros de Isabel dos Santos ser o grande escritório de
advogados portugueses Vieira de Almeida, que assim se poderá apoderar de uma
litigância milionária. Este escritório em Portugal tornou-se famoso, entre
outros, pelas buscas judiciais de que foi alvo no caso Freeport, ligado ao
ex-primeiro-ministro José Sócrates, cujos alegados fundos, que lhe pertencem ou
aos seus amigos, têm origem em Angola. O próprio Vieira de Almeida, ministro
português em 1975, era grande amigo de Agostinho Neto, e esteve no governo de
transição em Angola, fazendo parte do grupo marxista que trabalhava em conjunto
com o MPLA. O mesmo surge associado a outro escândalo em Portugal e na
Alemanha: o escândalo dos submarinos. Segundo o Ministério Público alemão,
Vasco Vieira de Almeida é citado como tendo conhecimento das movimentações
financeiras deste caso, que levou a condenações criminais na Alemanha, embora
em Portugal tenha acabado abafado. Não tendo a empresa Vieira de Almeida sido
condenada em nenhum processo, e presumindo-se sempre a sua inocência, apenas se
deixa sublinhada a sua “velha “ligação a Angola e ao MPLA e a sua sempre
presente ligação aos “negócios” mais duvidosos dos políticos portugueses, por
vezes com ramificações angolanas.
Também
ao nível da organização administrativa, exigir que todos os actos formais sejam
executados pelo Conselho de Administração deve instalar o caos absoluto. Como é
possível todos os papelinhos que precisem de uma assinatura terem de ir ao
Conselho de Administração? É a paralisia total. Quem terá sido o génio da
lâmpada a avançar com estas ideias?
Portanto,
para já, em termos de gestão, a medida de Isabel dos Santos é extremamente
negativa, paralisa a empresa, diminui a sua agilidade, e sobretudo cria um
imenso mal-estar, baixando a auto-estima dos funcionários. Não vale a pena
citar os gurus da gestão, porque toda a gente sabe que se um CEO
(director-geral) começa por enfrentar e desmotivar internamente os recursos
humanos da empresa, em vez de os motivar e estimular, está a abrir caminho para
mais trágicas venturas.
Obviamente
que esta deliberação pode ter uma interpretação meramente política, querendo
assim dizer que Isabel dos Santos demite todos, para distribuir de novo as
sinecuras como bem entender, obrigando a uma prestação de vassalagem renovada.
Neste cenário, não estamos perante um acto de gestão, mas antes de concentração
de poder absoluto.
*Maka
Angola
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