segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

MÁRIO SOARES, CONTROVÉRSIAS DE UM PERCURSO POLÍTICO


Mário Soares foi fundador e secretário-geral do PS, primeiro-ministro nos períodos 1976-1978 e 1983-1985, e Presidente da República de 1986 a 1996. Foi eleito deputado à Assembleia Constituinte e à Assembleia da República, em várias legislaturas entre 1976 e 1985, e ao Parlamento Europeu, em 1999. Em 2005 voltou a candidatar-se à Presidência da República, eleições que foram ganhas à primeira volta por Cavaco Silva.

Da oposição antifascista à promoção da contra-revolução

Integrou estruturas unitárias antifascistas a partir da segunda metade dos anos 40 e foi preso por diversas vezes por curtos períodos, tendo cumprido um total de cerca de três anos de prisão. Membro de vários grupos de oposição, foi candidato à Assembleia Nacional pela Comissão Democrática Eleitoral (CDE) em 1965, tendo rompido com as listas de unidade da oposição ao regime fascista em 1969 e sendo um dos promotores da Comissão Eleitoral de Unidade Democrática (CEUD).

Após o 25 de Abril, é ministro de quatro dos governos provisórios, altura em que protagoniza movimentações que pretendiam travar o processo revolucionário. Um dos episódios mais significativos foi o assinalar do 1.º de Maio de 1975, quando quebrou o compromisso assumido de participação no desfile da Intersindical. Em entrevista a Maria João Avillez, Soares descreveu o episódio da seguinte forma: «Estragámos a festa. Entrámos no estádio de roldão, em puro confronto físico, abrindo caminho ao empurrão».

Mário Soares ficará para a história associado à teia de cumplicidades, alianças e conspirações que promoveu com os inimigos internos e externos da Revolução portuguesa e ao papel crucial que desempenhou na contra-revolução e na ofensiva contra as conquistas de Abril.

Anos mais tarde, viria a revelar o envolvimento nas movimentações orquestradas, em articulação com a Embaixada norte-americana, para travar o processo revolucionário. Já em 2011, um reencontro com o diplomata Frank Carlucci, que chegou a Portugal no final de 1974, revelou a profunda proximidade que ambos mantiveram durante a passagem de Carlucci por Portugal, que antes passou pelo Congo em missão da CIA, no mesmo período em que Patrice Lumumba foi assassinado, tendo assumido cargos de destaque após sair do nosso País.

1976: sem maioria, lidera o I Governo Constitucional

Enquanto primeiro-ministro, celebrou dois empréstimos com o Fundo Monetário Internacional (FMI), com a exigência de medidas de cortes e medidas de redução da despesa pública. Foi na sua primeira passagem pelo executivo que foram aprovadas leis que abriram caminho à posterior privatização de sectores estratégicos (Lei da Delimitação dos Sectores) e ao combate à Reforma Agrária (com a tristemente célebre Lei Barreto).
No plano laboral, faz aprovar a lei dos contratos a prazo, lança a facilitação dos despedimentos colectivos e cria os recibos verdes. Já em 1978, o ministro do Trabalho, Maldonado Gonelha, lança um projecto de restrição dos direitos sindicais e de promoção do divisionismo entre os trabalhadores.

Política de alianças

O I Governo Constitucional chegou ao fim com o chumbo de uma moção de confiança apresentada por Soares na Assembleia da República, após o qual apresenta uma «proposta vazia» de acordo ao PCP. Rapidamente, o PS vira-se para a direita mais reaccionária e forma um governo de coligação com o CDS, partido que apenas dois anos antes votara contra a Constituição da República.

O lema do I Governo – «Vencer a crise, salvar a Revolução» – é vetado por Freitas do Amaral, que impõe uma variação: «salvar a democracia». Mário Soares tenta justificar a aliança com a direita parlamentar mais reaccionária, dizendo: «Não se trata agora de meter o socialismo na gaveta, mas de salvar a democracia.» Mas a verdade é que ficaria conhecido como o homem que «meteu o socialismo na gaveta». A sua acção política veio a confirmar quão longe as suas palavras estavam longe da verdade, nesse ano de 1978.

1980: preparar o caminho, de São Bento a Belém

Nas segundas eleições presidenciais após o 25 de Abril, em 1980, Soares tenta demover o seu partido, de que era secretário-geral, de apoiar o então presidente e recandidato. Ramalho Eanes, que em 1976 tinha sido apoiado pelo PS, PPD (hoje PSD) e pelo CDS , defrontou nessas eleições Soares Carneiro, que contava com o apoio dos partidos da Aliança Democrática (PPD, CDS e PPM) e dos sectores mais reaccionários da sociedade portuguesa.

Mário Soares acabou derrotado dentro do seu partido, suspendendo-se mesmo do cargo que ocupava para que não tivesse que participar e apoiar o candidato apoiado pelo PS, e que viria a receber também o apoio do PCP, após a desistência do seu candidato.

Em 1982, enquanto deputado e secretário-geral do PS, aprova a primeira revisão constitucional, que retirou do texto constitucional o objectivo da «transição para o socialismo», extinguiu o Conselho da Revolução e retirou poderes ao Presidente da República, reforçando o poder e as competências governamentais.

1983: Bloco Central – de novo de braço dado à direita, com o FMI e os olhos postos na Presidência

Um ano depois, Mário Soares volta à chefia do governo, desta vez com o PSD e, mais uma vez, virando as costas ao PCP e ao MDP/CDE. É como primeiro-ministro do «Bloco Central» que Soares volta a chamar o FMI e prepara a entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia (CEE, hoje União Europeia), cujo processo de adesão teve início em 1977, durante a sua primeira passagem pela liderança do executivo. Em Junho de 1985, menos de meio ano antes de abandonar o cargo, Mário Soares assina o tratado de adesão à CEE, cumprindo um dos objectivos que desde 1976 definira enquanto elemento associado ao processo de restauração monopolista e de dependência e submissão externa.

O fim do governo do «Bloco Central» chega em vésperas das eleições presidenciais de 1986, para as quais Mário Soares foi preparando uma candidatura, em confronto com o seu camarada de partido, Francisco Salgado Zenha, que viria a ser apoiado pelo PCP e pelo recém-criado PRD, do ainda presidente Ramalho Eanes.

Na primeira volta, acaba por conseguir o segundo lugar, atrás de Freitas do Amaral – fundador e líder do CDS apoiado pelo PSD. Na segunda volta, acaba por ser eleito com uma curta margem, com os votos decisivos dos comunistas, perante a ameaça da candidatura de Freitas do Amaral, que federava os sectores mais reaccionários e revanchistas do País.

1986: Soares & Cavaco, a dupla privatizadora

Os dez anos presidenciais de Soares viriam a ser partilhados com outra figura marcante das últimas quatro décadas: Cavaco Silva, que foi primeiro-ministro entre 1985 e 1995. Foi a década das privatizações e da revisão constitucional de 1989, cujo principal alvo foi a democracia económica, com um forte papel do Estado, instituída em 1976.

Mário Soares viria a ser uma figura central na reconfiguração do tecido económico português, facilitando o regresso dos principais grupos económicos monopolistas que sustentaram o regime fascista. Foi com o seu contributo valioso, como o próprio viria a contar, que os Espírito Santo recuperaram a gestão do banco nacionalizado em 1975: intercedeu, inclusive, junto do presidente francês, François Mitterrand, para que o banco francês Crédit Agricole financiasse esse regresso.

Mas a verdade é que Soares foi determinante para a década cavaquista: quando o primeiro governo, minoritário, de Cavaco cai na Assembleia da República (1987), recusa uma solução alternativa, com uma relação de forças parlamentar onde PS, PRD (de Eanes), PCP e MDP/CDE tinham a maioria dos lugares, com o PSD e o CDS em minoria.

O Presidente dissolveu a Assembleia da República, avançando para legislativas que deram a primeira maioria absoluta a um só partido, ao PSD de Cavaco Silva, que viria a responder ao favor de Soares apoiando-o nas presidenciais de 1991.

1996: a irresistível sedução pelo poder

Sai da Presidência em 1996, revelando a vontade de se dedicar à escrita e à família. Mas o futuro ainda reservava mais dois confrontos políticos em que viria a ser derrotado.

Em 1999, é eleito deputado ao Parlamento Europeu, tentando chegar à sua presidência. Falha a corrida para a francesa Nicole Fontaine, de quem disse ter «um discurso de dona de casa».

Em 2005, apresenta uma terceira candidatura a Presidente da República, com o apoio do seu partido, mas viria a perder para Cavaco Silva.

Desde então, a sua actividade política foi preenchida com a publicação de textos de opinião, intervenções políticas diversas e a participação no Conselho de Estado, de que era membro por inerência.

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