120
milhões de euros para projectos de cooperação durante os próximos quatro anos,
12 instrumentos bilaterais estabelecidos, a inauguração da escola portuguesa de
Cabo Verde e o reforço da intenção de promover a livre circulação dentro da
CPLP, estes foram os resultados visíveis da IV Cimeira Cabo Verde Portugal que
juntou, na cidade da Praia, cinco ministros cabo-verdianos e cinco ministros e
três secretários de estado portugueses, além dos dois Primeiros-Ministros de
cada país. A única incerteza que saiu deste encontro foi a solução para a
dívida do Casa para Todos.
Não
houve nenhum assumir de compromisso no tema político mais delicado desta IV
Cimeira – a divida de 200 milhões de euros, resultante do projecto Casa para
Todos – por parte do Primeiro-Ministro português António Costa. Sim, há uma
proposta recente do Estado cabo-verdiano, que o Ministério das Finanças está a
apreciar, e sim, há a certeza, disse o chefe do governo de Portugal, que será
encontrada uma boa solução, “que satisfaça os interesses de todas as partes em
relação a essa matéria”. Ou como repetiu, mais tarde, ao Expresso das Ilhas,
“entre amigos, encontra-se sempre uma solução para os problemas”. “Está tudo em
aberto”, disse Ulisses Correia e Silva, “há várias alternativas: desde a possibilidade
de reestruturar o crédito, à possibilidade de aliviar o peso da dívida, há
negociações em curso, o crédito começa a vencer a partir de 2021, portanto
temos tempo para encontrarmos uma boa solução”.
No
resto, esta IV Cimeira foi considerada “excelente” pelo Ministro dos Negócios
Estrangeiros cabo-verdiano Luís Filipe Tavares [ver entrevista]. Esta cimeira,
instituída pelo Tratado de Amizade e Cooperação assinado entre os dois países
em Lisboa, em 2010, tem como objectivo avaliar o estado das relações entre os
dois países e propor medidas para a sua diversificação e dinamização, sobretudo
no eixo cooperação.
Sob
o tema: Crescimento Sustentável em Segurança, a Cimeira teve uma reunião
plenária onde as duas delegações fizeram um balanço da implementação das
decisões saídas da III cimeira e passaram em revista as relações políticas e de
cooperação. Os chefes do governo reiteraram o seu compromisso para com os 17
objectivos de desenvolvimento sustentável, da agenda 2030, que a partir de
agora deverão nortear os programas conjuntos de cooperação e manifestaram o
desejo de reforçar o quadro de cooperação bilateral no domínio económico,
nomeadamente em sectores de interesse mútuo, como o turismo, a economia
marítima e a energia, bem como a segurança alimentar, a gestão da qualidade, a
concorrência, o comércio e as actividades económicas.
“Queremos”,
sublinhou o Primeiro-Ministro de Cabo Verde, Ulisses Correia e Silva, “nesta
partilha das relações bilaterais e multilaterais em que Cabo Verde e Portugal
estão envolvidos, nomeadamente com a União Europeia e com a CEDEAO, na CPLP,
poder contar cada vez mais com esta boa relação, que ultrapassa o protocolo e
que se torna fácil entre pessoas que se estimam, que têm uma relação de
afectos”.
“O
facto de assinarmos um novo Programa Estratégico para a Cooperação, que duplica
a ajuda pública ao desenvolvimento, é um bom sinal de como as nossas relações
se vão progressivamente estreitando”, disse o Primeiro-Ministro de Portugal,
António Costa, “e em dois pilares essenciais: um na área de capacitação, com o
acordo quadro na defesa, com um novo acordo de cooperação técnico policial, e
com o acordo de apoio ao sector da justiça; mas um outro que tem a ver com a
língua e com a educação, mas é uma cooperação que se concretiza também na
dimensão multilateral, designadamente com o esforço que conjuntamente faremos
para concretizar uma grande ambição que é fazer da CPLP um espaço de mobilidade
aberta a todos os cidadãos dos países que têm o português como língua oficial –
do Brasil a Timor-Leste – e nesse sentido tomaremos iniciativas conjuntas e
trabalharemos em conjunto durante os próximos anos para a sua concretização”.
Estava
dado o mote para um dos objectivos defendidos pelo Chefe do Governo de
Portugal, e que o próprio apresentou na Cimeira da CPLP em Brasília [que
decorreu entre os dias 31 de Outubro e 1 de Novembro de 2016]. Porquê,
perguntou-lhe mais tarde o Expresso das Ilhas, “porque é fundamental para que
os cidadãos percebam que a CPLP não é só uma coisa entre os políticos, ou que
diga respeito às empresas, mas que diz respeito ao dia-a-dia de cada um”, disse
António Costa, “e a forma de o fazer é as pessoas sentirem que quando chegam a
um aeroporto de outro país da CPLP são recebidas de forma diferente, não como
estrangeiros, mas como pessoas que são bem-vindas, bem acolhidas, que podem
entrar, instalar-se, residir e trabalhar”.
“É
um projecto, que me parece essencial para que os cidadãos possam ter liberdade
de circulação”, continuou António Costa, “para que possam ter os seus direitos
de assistência social, possam ver as suas habilitações académicas reconhecidas
em todos os países e que as profissões reguladas, como a advocacia ou a
medicina, possam ser reconhecidas reciprocamente”.
A
proposta ainda tem de ser trabalhada tecnicamente, durante esta IV Cimeira foi
já apresentado ao governo cabo-verdiano um primeiro documento de trabalho para
que, em conjunto, possa ser depois mostrado aos outros países e assim fazer
avançar este projecto, aproveitando o facto de Cabo Verde ser o próximo país a
presidir à CPLP, no próximo ano.
Morna
a património imaterial da humanidade
Nem
só de política pura e dura se fez esta cimeira. Na Cidade Velha – único
património da humanidade cabo-verdiano – e já depois de ter recebido das mãos
do autarca Manuel de Pina as chaves da cidade e o diploma de cidadão honorário,
António Costa assumiu a defesa da elevação da morna a património imaterial da
humanidade.
Num
discurso curto e bem disposto, o Primeiro-Ministro português recordou a
importância dos valores culturais, principalmente numa cidade que, como lhe
chamou o presidente da câmara Manuel de Pina, é o berço do novo mundo.
“Eu
brinco sempre, mas a brincar se dizem as verdades”, sublinhou António Costa,
com um pano di terra sobre os ombros, “que Cabo Verde é seguramente o país que
tem maior musicalidade per capita em todo o mundo: porque todos os
cabo-verdianos ou tocam, ou cantam, e não há nenhum que não dance. Esse é um
grande sinal. E num momento em que em muitas zonas do mundo uns querem
construir muros, outros querem fechar fronteiras, outros não querem mais comércio
livre, outros têm atitudes xenófobas, não há como demonstrar que em cada terra
há algo que nasce para o conjunto da humanidade”.
“A
morna é ela própria uma canção de partida, de chegada, de viagem e de alguma
forma essa candidatura da morna completa aquilo que é o valor da Cidade Velha.
O que eu desejo é que tal como conseguimos com o fado, se não irmão, pelo menos
primo da morna, que a morna seja tão depressa quanto possível reconhecida pela
UNESCO como património imaterial da humanidade”.
Continuando
no registo bem-humorado, o Primeiro-Ministro português disse estar igualmente
“muito sensibilizado pelo título e a chave, que é difícil de caber no bolso.
Não deixarei de a conservar, porque é sempre bom saber que há uma porta algures
no Atlântico para abrir no caso de procurar nova habitação”.
Aquele
terreno no Palmarejo
A
inauguração da Escola Portuguesa de Cabo Verde, a funcionar no Palmarejo desde
Novembro do ano passado, foi considerada pelo Primeiro-Ministro português como
o momento simbólico mais importante desta passagem pelo arquipélago. “Porque
para além do excelente trabalho de relacionamento político entre os governos,
dos diferentes acordos que celebrámos entre nós, aquilo que marca sobretudo a
relação entre Portugal e Cabo Verde é a relação entre as nossas comunidades.
Essa relação assenta particularmente na partilha de uma língua comum que nos
tem permitido desenvolver laços de amizade ao longo de muitos séculos e laços
culturais muito profundos. E se há algo estruturante nesta relação é exactamente
a educação e o ensino”.
Foi
o culminar de um processo de anos, ou como recordou António Costa, de várias
visitas feitas pelo então presidente da câmara da Praia Ulisses Correia e Silva
ao então presidente da câmara de Lisboa António Costa onde era sempre referido
o “terreno no Palmarejo” cedido a Portugal para que a escola fosse feita, obra
que nunca mais começava. “Ouvi isto durante muitos anos. E no ano passado,
quando fiz a minha primeira visita ao estrangeiro como Primeiro-Ministro, a
Cabo Verde, o então Primeiro-Ministro disse-me: há ali um terreno no Palmarejo
para fazerem a escola portuguesa e nunca mais a fazem. Vi assim que era um tema
de consenso entre todos. Quando cheguei a Lisboa, disse ao ministro da educação
que tínhamos um trabalho urgente a fazer, que era a escola portuguesa de Cabo
Verde. Passados uns meses, o ministro diz-me: olhe, como temos a cimeira,
quando formos lá vamos inaugurar a escola. Eu olhei para ele – apesar de
dizerem que até sou optimista – e disse que não era possível. Ele disse que
sim, já tinha directora, já tinha equipa, já tinha projecto, íamos arrancar com
a escola e quando fosse a cimeira a escola estaria pronta para ser inaugurada.
Tenho de reconhecer que quando não sou optimista erro, e por isso não acreditei
que o que é impossível se torna possível”.
“A
senhora embaixadora, desde que aterrei ontem [domingo], diz-me sempre dois
números: dois milhões e três anos, e explica, são necessários 2 milhões nos
próximos 3 anos para completar totalmente a escola portuguesa. Portanto senhor
Primeiro-Ministro [dirigindo-se a Ulisses Correia e Silva], daqui por 3 anos
temos de estar cá para inaugurar a segunda fase da escola portuguesa”.
“Para
nós, educação é tudo”, respondeu o Chefe do Governo cabo-verdiano.
Foi
o encerrar da IV Cimeira Cabo Verde – Portugal. A próxima terá lugar dentro de
dois anos, em Portugal, em data e local a serem sugeridos pelas autoridades
portuguesas.
A
questão da nacionalidade
A
alteração da lei da nacionalidade portuguesa é uma das reivindicações que tem
sido feita pela comunidade cabo-verdiana em Portugal, mas segundo o
Primeiro-Ministro António Costa o que está em causa é algum desconhecimento das
regras. “A nossa lei da nacionalidade permite a que todos aqueles que nascem em
Portugal, mesmo filhos de não portugueses, possam ter a nacionalidade
portuguesa, desde que os pais residam em Portugal há pelo menos cinco anos,
independentemente do seu estatuto, e permite também, mesmo que os pais não
residam há cinco anos, vir a obter a nacionalidade se permanecerem em Portugal
e concluírem o primeiro ciclo do ensino básico. Portanto, creio que o problema
não é alteração da lei, há processos burocráticos que podem vir a ser
agilizados, e o ministério da justiça está a trabalhar esse objectivo, agora o
que eu creio que se tem verificado muitas vezes é que por desconhecimento dessa
possibilidade não há um requerimento no momento do nascimento da criança para a
obtenção da nacionalidade”.
Os
instrumentos bilaterais saídos da IV Cimeira
Na
IV Cimeira Portugal – Cabo Verde foram assinados um total de 12 instrumentos
bilaterais, para além do Programa Estratégico de Cooperação, entre eles: um
programa para apoiar a estrutura superior das Forças Armadas e o reforço da
segurança e autoridade de Cabo Verde no mar; um protocolo para desenvolver
competências técnicas e operacionais das forças e serviços de segurança de Cabo
Verde; um protocolo para o desenvolvimento sistémico, organizacional e humano
do sector da justiça; um protocolo que estabelece um projecto de
co-financiamento para a reabilitação do antigo Liceu Gil Eanes, no Mindelo; um
protocolo para recursos pedagógicos para o apoio aos processos de ensino e
aprendizagem da língua portuguesa; um regulamento para facilitar o acesso ao
ensino para a formação de jovens quadros em áreas prioritárias para o
desenvolvimento de Cabo Verde (que define as regras de concessão de bolsas de
estudo para a formação em Cabo Verde, no ensino secundário e superior, em áreas
como a educação, saúde, economia e gestão, ciência e engenharia e ensino do
português); e um protocolo de projectos em matéria de ambiente para a mitigação
e adaptação às alterações climáticas.
Texto
originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº
795 de 22 de Fevereiro de 2017
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