António
Ludgero Correia – Expresso das Ilhas, opinião
“O
problema não é que eles não enxergam uma solução, mas que eles não enxergam o
problema.” - Charles F. Kettering
Desde
que me contaram esta, passei a ter muito cuidado ao dar o nome aos bois. Não
confundir boi (quadrúpede com chifres e cascos) com boy (espécime
bípede com direitos e obrigações). Mas eis a estória.
Certa
manhã, um cidadão entrou no consultório de um cirurgião requerendo os serviços
deste para uma cirurgia que precisava fazer.
-
Quero fazer uma castração, doutor.
O
médico esforçou-se até ao limite para o convencer a não tomar uma tal decisão
de ânimo leve. No mínimo, que deveria envolver a ‘patroa’ no processo. Ficou
combinado que deveria voltar ao médico uma semana mais tarde, acompanhado da
esposa.
Findo
o prazo, lá volta o cidadão ao consultório do médico, desta feita acompanhado
pela esposa. Esta, inquirida pelo clínico, confirma a decisão do marido:
-
Ele só faz o que quer. Quer ser castrado? Que seja feita a vontade dele.
Sem
mais argumentos, o cirurgião agenda a cirurgia para a Sexta seguinte.
Porém,
no dia a seguir à cirurgia, se desespera ao ver os outros senhores - que tinham
também sido submetidos a intervenção cirúrgica, no mesmo dia e pelo mesmo
cirurgião – jogando às cartas, alegres e fagueiros, enquanto ele estava sendo
trespassado por dores terríveis. Receando que alguma coisa tivesse corrido mal
com a operação, pede à enfermeira que chame o clínico. Ao ver o médico se
aproximando dele, dispara logo a queixa que tinha entalada no gogó:
-
Doutor, algo correu mal com a minha operação. Estou aqui morrendo com dores,
enquanto os rapazes estão aí se divertindo.
-
Pudera, meu caro – responde o médico. – O senhor fez uma castração, enquanto
eles fizeram uma simples circuncisão.
-
Mas era isso que eu queria fazer também, doutor – exclama o nosso amigo todo
excitado.
-
Tarde piaste, rapaz.
Veio-me
esta estória à mente ao escutar o escarcéu que se está fazendo à volta do
desejo do Presidente do MpD de ‘despartidarizar’ a Administração Pública.
O
cidadão José Ulisses Correia e Silva quer a despartidarização da Administração
Pública ou pretende que o ingresso, o acesso e as escolhas para os diferentes
cargos e níveis da Administração Pública sejam feitos com base no mérito?
Despartidarizar,
na versão do Presidente do MpD, quer dizer que quem chega aos altos cargos da
Administração Pública, directa e indirecta, deixa a responsabilidade (o cargo)
que detinha no partido. Mas isso não é despartidarizar. Até porque o cidadão é
escolhido em função da sua história, do seu passado, no partido. Deixar o cargo
partidário adiantaria o quê?
Por
outro lado, acredito que qualquer cidadão vertical, consciente dos seus deveres
e ciente das suas obrigações, daria o melhor de si para cumprir sua carta de
missão, para respeitar seu estatuto de agente público. Político ou civil, não
importa.
Mas,
também, esperar que o Governo que entra deixe tudo como está para ver como
fica, é um contrasenso.
Se
os cargos-chave estavam todos ocupados com gente do partido que sustinha o
Governo cessante, deixá-los todos nos cargos que detinham poderá ser
considerado uma decisão no sentido da despartidarização? Despartidarização
significa manter nos cargos activistas e dirigentes políticos do partido do
Governo que se foi?
Mas,
então, a solução seria fazer uma ‘exanguinotransfusão’ de quadros, que é como
quem diz, substituir todos os agentes nomeados na vigência do Governo anterior
por outros dos quadros de dirigentes, militantes, simpatizantes e amigos do
novo partido do Governo? Estou em crer que não.
Como
diria um amigo meu, que já se foi, nem oito nem oitenta, nem tanto ao mar nem
tanto à terra. Há que encontrar um ponto de equilíbrio.
Se
se deseja ter uma Administração Pública para o desenvolvimento, uma máquina
afinada para enfrentar e levar de vencida os constrangimentos que nos afligem,
imprescindível se torna recheá-la de bons agentes, de quadros com alta
maturidade profissional - gente com alta motivação, alta competência técnica e
elevado sentido de dever e espírito de responsabilidade.
Daqui
resulta que, ou buscamos identificar tais perfis adentro da Nação cabo-verdiana
(nas ilhas e na diáspora) olhando apenas para as suas competências, potencial e
disponibilidade para se engajarem no processo em curso, ou vamos importá-los
(do estrangeiro, lá de onde vem quase tudo o que consumimos). Que o processo de
desenvolvimento não pode parar, de cada vez que haja uma alternância no poder.
E
a saída só pode ser uma: UMA OPÇÃO INTELIGENTE PELO RECRUTAMENTO E PELA
SELECÇÃO, COM BASE NO MÉRITO (aqui, sim, sem djobi pa ladu). Os melhores
quadros do país - aqueles com melhores pergaminhos e curriculum vitae e
maior maturidade profissional (não importando suas simpatias políticas,
religiosas ou outras, legítimas).
Alguém
já chamou isso de MERITOCRACIA. Não gosto lá muito do termo, mas soa melhor que
DESPARTIDARIZAÇÃO. Até porque falar de despartidarização em um ambiente
bipolarizado e em que nos pólos estão partidos de matriz tão distanciada, uma
da outra, é sofisma. Da braba.
Se
quisermos dar um nome aos bois, escolhamos um que se venda, que faça os bois se
mexerem. Que com esta… nem os boys alinham.
Texto
originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº
794 de 15 de Fevereiro de 2017
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