Geraldo
Martins, ex-ministro guineense das Finanças, afirma que instabilidade política
no país logo após a Mesa Redonda de Bruxelas pôs em causa a estratégia de
diversificação e crescimento da economia da Guiné-Bissau.
As
instituições não funcionam na Guiné-Bissau. Não há prestação de contas. A
Assembleia Nacional Popular (ANP) está bloqueada por causa da crise que se
arrasta desde agosto de 2015, com a queda do executivo de Domingos Simões
Pereira. Não há fiscalização às ações dos governos (inconstitucionais e
ilegítimos) de iniciativa presidencial, que até então não conseguem apresentar
e aprovar o seu programa no Parlamento. Contratos com empresas não são
respeitados.
A
manter-se assim, a situação tende a degradar-se, com reflexos na vida das
populações. Quem o diz é Geraldo Martins, antigo ministro guineense da Economia
e Finanças.
"Estes
governos têm realmente tido problemas. Para já, não tem havido prestação de
contas, a Assembleia não consegue fiscalizar, não respeitam contratos. São
várias situações anómalas que estão a acontecer e que põem em causa os próprios
fundamentos do Estado de direito democrático e desmobilizam os investidores que
realmente tinham grandes expetativas em relação à Guiné-Bissau. Que queriam ir
investir mas que agora estão com alguma reticência em relação à credibilidade
do país, o que é mau", destaca o ex-ministro guineense.
Governos
ilegais
A
situação das finanças públicas é crítica, diz ainda Geraldo Martins, para
acrescentar que o país deixou de receber os apoios externos, "porque os
últimos governos são ilegais".
E,
segundo Martins, sem apoio externo as receitas internas não conseguem cobrir as
necessidades da Guiné-Bissau. "Por isso mesmo o país está a atravessar uma
situação bastante difícil. Hoje (25/03/17) completam-se dois anos depois
da Mesa Redonda de Bruxelas, que foi um acontecimento espetacular não só porque
o país conseguiu promessas de financiamento sem precedentes na sua história
como também foi o momento de credibilização do país. O país passou a ter maior
prestígio junto dos parceiros internacionais, mas infelizmente tudo isto foi
estragado por causa de disputas políticas desnecessárias que continuam a travar
o processo de desenvolvimento da Guiné-Bissau, o que é bastante
lamentável".
O
ex-governante guineense também lamenta os atrasos no pagamento dos salários da
função pública e afirma que "o problema que estes últimos governos tem
estado a ter é que estão a ter muitas dificuldades para pagar os salários e
estão a recorrer ao sistema bancário, aos bancos comerciais. Por exemplo, os
últimos salários foram pagos com empréstimos contraídos junto da banca e,
portanto, isso não é bom porque é um endividamento que é desnecessário. Se o
país estivesse realmente numa situação normal, com a economia a funcionar como
deve ser e o Estado a gerar receitas necessárias para o seu funcionamento e
para a satisfação da demanda social."
Esta
engenharia financeira – adverte – poderá complicar a situação a médio prazo. As
receitas que o Estado mobiliza com a produção e exportação do caju, uma das
principais fontes de receitas do país, não são suficientes para responder a
todas as necessidades.
"As
receitas não chegam para cobrir as necessidades de despesas do Orçamento Geral
do Estado. E por isso há duas coisas que são necessárias: uma é o aumento da
capacidade de arrecadação fiscal, com o funcionamento da economia na sua
normalidade – o que é difícil nestas circunstâncias em que há uma crise
política; por outro lado também, os parceiros que costumavam apoiar o
Orçamento, como a União Europeia e outros parceiros de desenvolvimento,
decidiram que não vão fazê-lo enquanto não se voltar à normalidade. E o regresso
à normalidade passa necessariamente pelo desbloqueio das instituições de modo a
que possam voltar a funcionar normalmente."
População
guineense enfrenta momentos difíceis.
Geraldo
Martins admite que a pobreza terá aumentado. Muitas atividades económicas
empresariais estão paradas ou à espera de financiamento que não chega. Perante
este cenário, acrescenta, "os índices de pobreza tendem a piorar".
Outra agravante – aponta –, é que este ano as regras de comercialização do
caju foram alteradas e tudo leva a crer que o preço a ser praticado já
durante a atual e a próxima campanha será bastante inferior comparado com 2015
e 2016, os anos de governação do PAIGC. É que a maioria da população é
camponesa e vive da comercialização do caju.
Se
a situação é crítica, como entender as promessas à seleção nacional de futebol
e os gastos que faz o Presidente JOMAV, alcunha de José Mário Vaz, durante as
presidências abertas? Geraldo Martins considera tais "ações políticas
totalmente descabidas" e imbuídas de "uma certa imoralidade".
Segundo
Martins, o Presidente guineense faz estas presidências abertas "não com o
objetivo de ouvir as populações mas sobretudo para passar algumas mensagens de
combate político contra o PAIGC, contra o seu líder etc., e com acusações
gravíssimas não fundamentadas de corrupção, etc.. O grande problema é: até que
ponto esta presidência aberta, além do aspeto financeiro – eu diria até que há
uma certa imoralidade em estar a gastar-se agora numa altura em que há grandes
dificuldades no país – que não vai dar em nada. Em que o Presidente da
República passa mensagens de acusações contra os seus adversários
políticos."
O
ex-ministro questiona: "até que ponto o próprio Presidente da República,
que também no passado teve problemas na justiça por suposto desvio de fundos,
tem legitimidade para estar a acusar permanentemente os seus adversários de
desvio de fundos? Esta é uma situação absolutamente incompreensível" –
afirma.
Todos
vislumbram uma saída para a crise menos JOMAV
Geraldo
Martins diz que toda a gente vislumbra uma saída para a crise na Guiné-Bissau,
menos o Presidente da República.
"A
saída passa necessariamente pelo cumprimento daquilo que foi acordado pelas
partes, porque o Governo anterior, isto é o Governo de Baciro Dja, quando
ultrapassou todos os prazos legais para a aprovação do seu programa, o Presidente
da República entendeu que, ao invés de devolver o poder ao PAIGC, devia ir à
CEDEAO talvez contando com a indulgência dos seus pares a ver se conseguiam uma
solução que lhe favorecesse. Mas quando o Acordo de Conacri foi assinado, o
Presidente terá entendido que o acordo não lhe favorecia e, portanto, decidiu
pura e simplesmente fazer tábua rasa do Acordo de Conacri. Ora, o que hoje toda
a gente diz, não só no país mas também os nossos parceiros de desenvolvimento
(ONU, UA, CEDEAO), há um consenso generalizado de que o Acordo de Conacri é, de
facto, a via para a saída da crise. Mas o Presidente da República não quer e
não está interessado em cumprir com o Acordo de Conacri."
Para
Martins, politicamente JOMAV não tem outra saída: "ou respeita a
Constituição, dissolve o Parlamento e convoca eleições antecipadas ou respeita
o Acordo de Conacri. Estamos à espera de ver o que é que o Presidente vai
fazer. Mas terá que fazer alguma coisa. Ele é que despoletou a crise e só ele
pode resolver a crise", assegura o ex-ministro, que critica JOMAV de
"estar a arrastar a situação" porque "não está a pensar no
país" mas sim "nos interesses de um grupo de pessoas que sequestrou o
poder".
Devidamente
acolhido pela comunidade internacional na Mesa Redonda de Bruxelas
(25/03/2015), o Plano Estratégico do Governo de Simões Pereira, denominado
"Terra Ranka”, identificou os principais pilares de crescimento económico
e desenvolvimento social da Guiné-Bissau. Segundo Geraldo Martins, as promessas
de então, que rondavam os 1,5 mil milhões de dólares, eram importantes para
relançar o país. Infelizmente isso não aconteceu – lamenta o mestre em Gestão e
antigo quadro do Banco Mundial.
"Boa
parte dos fundos não entrou e provavelmente não entrará se esta situação de
crise política prevalecer", conclui Geraldo Martins.
João
Carlos (Lisboa) – Deutsche Welle
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