segunda-feira, 17 de abril de 2017

BOLO DE CHOCOLATE: O NOVO NORMAL DA POLÍTICA EXTERNA DE TRUMP


Pepe Escobar

Eis o comandante em chefe dos EUA a recordar o "belo bolo de chocolate" que comeu com o presidente Xi e explicar o seu passo seguinte em relação à Coreia do Norte:

"Estamos a enviar uma armada. Muito poderosa. Temos submarinos. Muito poderosos. Muito mais poderosos do que o porta-aviões. Posso garantir-lhe".

Como se bombardear a Coreia do Norte, armada com o nuclear, fosse tão fácil como disparar Tomawawks para uma base aérea semi-deserta na Síria. Mas então, aqui está a beleza da caixa de chocolates de política externa:  nunca se sabe o que vai acontecer.

A NATO estava "obsoleta". A seguir "já não está mais obsoleta". A China era uma manipuladora da divisa monetária. A seguir já não é mais manipuladora da divisa. Já não haveria mais aventuras no Médio Oriente. A seguir recua para as posições de Hillary e bombardeia a Síria. A Rússia supunha-se ser um parceiro – basicamente em acordos de petróleo e gás, enquanto a relançada regra kissingeriana do Divida e Domina tentaria descarrilar a parceria estratégia Rússia-China. A seguir a Rússia é má porque apoia o "animal" (sic) Assad. 

Algumas (outras) coisas nunca mudam. O Irão continuará a ser demonizado. A combinação NATO-GCC (Conselho de Cooperação do Golfo) continuará a ser reforçada. A Casa de Saud aterrorizando o Iémen continuará a ser um aliado próximo da GGT (Guerra Global ao Terror).

É como se a máquina totalmente disfuncional da administração Trump se tornasse uma prisioneira do seu dever ininterrupto de justificar os Tomahawks com chocolate do Comandante-em-Chefe acerca de meias voltas e mentiras gritantes, apesar da sua força anterior decorrente da revelação das mentiras e da hipocrisia inerentes ao nexo entre o establishment e o estado profundo dos EUA.

Xi ao telefone 

A inteligência russa pode muito bem ter inferido – correctamente – que o principal objectivo da visita do secretário de Estado "T. Rex" Tillerson a Moscovo era tanto quanto possível acalmar o jogo de apostas altas no momento em que Trump se move para um confronto directo com Pyongyang. Washington simplesmente não pode manusear crises múltiplas e simultâneas na Síria, Ucrânia, Coreia do Norte, Mar do Sul da China, Afeganistão. A possível data final é 9 de Maio, a eleição presidencial sul coreana que poderia travar qualquer ataque dos EUA à Coreia do Norte.

Os media japoneses e sul coreanos estavam histericamente a relatar a movimentação de até 150 mil soldados do Exército de Libertação Popular (ELP), parte do 16º, 23º, 39º e 40º Grupo de Exércitos, para a fronteira chinesa-norte-coreana. Estas forças não são agressivas; elas ao invés coordenam esforços para aliviar uma crise de refugiados no caso – aterrador – de irromper uma Segunda Guerra da Coreia.

O Ministério da Defesa chinês emitiu uma espécie de non-denial denial [1] acerca da movimentação. Mas o elemento crucial foi o subsequente telefonema de Xi Jinping a Trump. A prioridade número era esvaziar a narrativa dos media corporativos dos EUA de que Pequim aprovaria um ataque dos EUA contra a Coreia do Norte (ao contrário, Pequim estava seriamente preocupada). Os media chineses destacaram Xi a enfatizar a um Trump volátil que a única saída possível era trabalhar rumo a uma desnuclearização pacífica da Península Coreana.

A prioridade número dois era neutralizar a noção das falsas notícias de que Xi, frente à sua sobremesa de Tomahawk com bolo de chocolate em Mar-a-Lago, havia concordado com novos ataques dos EUA à Síria. No seu telefonema, Xi mais uma vez enfatizou que a única saída na Síria é uma solução diplomática.

Com bela escola de política externa Bolo de Chocolate como novo normal, agora ninguém tem uma pista do que é a política de Washington na Síria e de quem está a conduzi-la (esta era a informação chave que Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros, estava a tentar extrair de Tillerson).

A política anterior era óbvia; balcanização ligeira, com um enclave curdo no deserto oriental, a ser dirigido por proxies dos EUA tal como o pequeno PYD da população curda da Síria; Israel absorver mais outra extensão das Alturas do Golan; um bocado do norte para a Turquia; e bastante imóveis para sunitas e jihadistas variados.

Mesmo antes do show Tomahawk, responsáveis da inteligência militar dos EUA dispersos por todo o Médio Oriente tinham sérias dúvidas acerca do que se tornaria a narrativa oficial da Casa Branca sobre o ataque químico de Idlib. Antigos defensores da inteligência dos EUA, incluindo Ray McGovern, Phil Giraldi e Bill Binney, até escreveram um memorando para Trump pedindo uma investigação honesta e independente – tal como Lavrov posteriormente deixaria claro na sua conferência de imprensa com Tillerson. A narrativa oficial foi também desmascarada por um professor do MIT como "totalmente falsa".

Sem considerar se Trump percebeu o caminho através de um vídeo no YouTube sobre os Capacetes Brancos ou se foi aniquilado pelo eixo necon/neoliberalcon, os factos no terreno não mudam.

Moscovo simplesmente não vai ceder quanto à sua esfera de influência na Síria para Donald Trump ou o estado profundo. A Rússia quase venceu a Guerra Síria ao impedir a formação de um Emirado do Takfiristão e neutralizar a possibilidade de salafi-jihadistas russos/chechenos/uzbeques operarem em aliança com Jabhat al-Nusra e/ou Daesh retornarem para assolar o Cáucaso. Sem mencionar que mais de 75% da população da Síria está agora a viver nas partes funcionais do país controladas por Damasco.

Quando em dúvida, semeie o caos 

O complexo Partido da Guerra/militar-industrial-segurança-media quer guerra, qualquer guerra; é bom para o negócio e audiências. Os neocons querem uma guerra para conter o Irão. O professor Stephen Cohen está realmente alarmado . Ninguém sabe com certeza se Trump agora é um mero refém de Mad Dog Mattis, HR McMaster e companhia os quais acreditam que ele está realmente no comando, ou se ele aperfeiçoou alguma espécie de jiu-jitsu geopolítico genial não transmissível por tweet.

Um analista de inteligência dissidente, americano, residente do Médio Oriente pinta um quadro muito mais sombrio: "Os EUA não tolerarão uma aliança Rússia-China inclinando a balança de poder. A Coreia do Norte e a Síria são meros peões nesta luta que quase não tem significado para eles próprios. Os russos acreditam que os EUA estão determinados a ir à guerra contra eles, se bem que permaneçam inseguros quanto ao desempenho dos seus mísseis defensivos S-500. Os russos dizem que mais operações encobertas (false flags) estão para vir na Síria, enquanto os chineses também estão a rever quaisquer compromissos dos EUA com base no que viram na Síria.

O presidente Putin quase declarou, publicamente, que Moscovo não pode confiar em Washington. A Rússia tem estado pacientemente a aumentar sua capacidade de defesa contra mísseis – até o ponto em que o seu espaço aéreo possa, antes do fim da década, ser impenetrável.

Lavrov no passado referiu-se muitas vezes ao "caos administrado" – um "método de fortalecimento da influência estado-unidense" exibindo "projectos" que "deveriam ser lançados longe dos Estados Unidos em regiões que são cruciais para o desenvolvimento económico e financeiro global". A Escola de Política Externa do Belo Bolo de Chocolate pode ter forçado toda a gente a perder-se num baile de máscaras. Mas Moscovo – e Pequim – parecem ver isto como aquilo que é; mais uma faceta do caos não administrável. 

13/Abril/2017

[1] Non-denial denial: é uma declaração que, à primeira vista, parece uma negação directa, clara e não ambígua de alguma alegada acusação, mas ao ser analisada cuidadosamente verifica-se não ser uma negação e, portanto, não é explicitamente mentirosa se a alegação for de facto correcta.   É um caso em que palavras literalmente verdadeiras são utilizadas para transmitir uma impressão falsa. 

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