A
Justiça espanhola constituiu como arguido e quer ouvir o luso-angolano
Guilherme Taveira Pinto como figura central no caso de corrupção que investiga
a sobrefacturação na obra de construção do mercado abastecedor de Luanda, em
Angola.
O juiz
espanhol José de la Mata afirma que Taveira Pinto recebia as transferências
feitas por empresas espanholas e distribuía-as pelos “seus verdadeiros
beneficiários finais”.
A
notificação faz um relato dos vários pagamentos feitos e os indícios colocam em
evidência “a existência de uma estratégia concertada e executada entre Taveira
e determinadas pessoas com vínculo ao consórcio para obter contratos com as
autoridades angolanas através da entrega de dinheiro, presentes, viagens a
altos funcionários responsáveis pela adjudicação e/ou execução dos mesmos.
Estas dádivas eram sufragadas através da sobrefacturação dos orçamentos
apresentados às autoridades angolanas”.
O
documento aponta ainda vários responsáveis técnicos angolanos e a “estreita
relação” que Taveira Pinto tinha com um alto dirigente político angolano e um
antigo embaixador de Angola em Espanha, que agora é governador de uma província
angolana.
Estas
diligências são feitas no âmbito da investigação à “Mercasa”, uma das
principais empresas públicas espanholas, que faz a gestão dos mercados
abastecedores nas principais cidades do país.
A
empresa assinou, através da comparticipada “Mercasa Incatema”, uma série de
contratos para realizar um projecto para um mercado abastecedor em Luanda, num
total de 533 milhões de euros, dos quais terão sido pagos 20 milhões de euros
em comissões.
Segundo
o documento de notificação, a situação que está a ser investigada indicia
delitos continuados de “corrupção em transacções económicas internacionais,
branqueamento de capitais e organização criminosa”.
Esta
investigação avançou de forma decisiva depois de conhecidas as ligações entre o
caso de corrupção na companhia das águas de Madrid, “Canal Isabel II”, e a
empresa também pública “Mercasa”.
O
ex-presidente da Comunidade Autónoma de Madrid Ignacio González foi detido na
semana passada pela polícia no quadro de uma operação anticorrupção à empresa
pública “Canal Isabel II” e o seu irmão também foi detido, mas no âmbito da
investigação à Mercasa.
Guilherme
Taveira Pinto é um fugitivo da Justiça espanhola no caso Defex, mais antigo,
que trata a venda de armas desta empresa espanhola à polícia de Luanda.
O
luso-angolano, que tem como última morada conhecida em Portugal a Rua João de
Lisboa em Linda-a-Velha, mas está a viver actualmente em Luanda, desde há anos
“facilita” através dos seus conhecimentos, em Luanda, uma série de negócios
entre empresas públicas espanholas e angolanas.
Segundo
o juiz José de la Mata, a casa deste luso-angolano foi revistada e aí “se
encontraram várias evidências da sua participação” no caso Defex, assim como a
sua “participação directa” no “pagamento de comissões ilícitas a funcionários
do Comando Geral da Polícia Nacional de Angola” na venda de armas por 153
milhões de euros.
Recorde-se
que no dia 8 de Outubro de 2016 o El Mundo fez manchete com o caso de um
fugitivo português, Guilherme Taveira Pinto, à justiça espanhola, procurado
pela Interpol, acusado de um desfalque de dezenas de milhões de euros, e que o
jornal descobriu em Luanda, protegido pelas autoridades angolanas.
Guilherme
Taveira Pinto terá intermediado a venda de armas de Espanha a Angola, num valor
de 153 milhões de euros. Mas 100 milhões desapareceram e ao destino só chegou
metade da mercadoria.
A
Polícia espanhola revelou no final de 2015 que – sobre o mesmo assunto – o
comandante da Polícia angolana, Ambrósio de Lemos, teve visita paga a Madrid e
poderá ter recebido três milhões de dólares de “luvas”. Armando da Cruz Neto
também estaria envolvido.
Em
2008, duas empresas espanholas, a Defex e a Comercial Cueto 92, formaram o que
na legislação comercial espanhola é conhecido como uma “Union Temporal de
Empresas” (UTE), que nesse mesmo ano firmou um contrato com Angola para o
fornecimento de equipamento policial no valor inflacionado de cerca de 153
milhões de euros.
Pouco
mais de 41 milhões foram transferidos para um banco do Luxemburgo sem razão
comercial ou actividade comercial justificativa e foi isso que despoletou a
investigação que levou à prisão várias personalidades espanholas.
Os
acusados pela justiça espanhola terão falsificado facturas e outros documentos
para tentar “lavar” os fundos.
As
autoridades espanholas disseram inicialmente que como beneficiários desses
fundos figuram os acusados espanhóis e o que chamaram de “familiares de
funcionários públicos da República de Angola”.
Em
tribunal, foi dito que uma das pessoas que terá alegadamente recebido fundos
desse negócio foi o general Armando da Cruz Neto, que foi Embaixador de Angola
em Espanha, entre 2003 e 2008, e mais tarde governador de Benguela.
Depois,
a Unidade Central Operacional da Guarda Civil espanhola diz que aquelas duas
empresas cobriram as despesas médicas e de alojamento em Madrid de Ambrósio de
Lemos, comissário da Polícia Nacional angolana, da sua esposa Ana Freire e de
um parente não identificado.
Citada
pela imprensa espanhola, a guarda civil afirmou que esses gastos foram pagos
com fundos que haviam sido desviados, pois embora o contrato de venda fosse de
cerca de 153 milhões de euros, o material valia apenas 50 milhões.
Segundo
a imprensa espanhola, as autoridades policiais do país dizem que Ambrósio de
Lemos embolsou três milhões de euros por esse contrato e a sua esposa recebeu
15 mil euros.
As
autoridades do Luxemburgo, que detectaram as transferências de milhões de euros
despoletando o escândalo, disseram que houve uma transferência de três milhões
de euros para uma companhia denominada Abangol.
Mas
o caso complica-se porque anteriormente notícias na imprensa espanhola
indicavam que a Abangol era provavelmente um empresa fictícia e que estava
ligada ao general Armando da Cruz Neto.
Por
outro lado, a polícia espanhola diz que como parte da operação de aliciamento
de entidades angolanas, as companhias envolvidas gastaram um milhão e meio de
euros em cabazes de natal para diversas entidades angolanas.
As
companhias alegaram que se tratava apenas de mera atenção protocolar.
O
então ministro do Interior espanhol, Jorge Fernandez Diaz, recusou-se a
responder a perguntas de deputados da Esquerda Unida sobre o caso, porque os
dados tributários da companhia (Defex) estão protegidos pela lei e que as
investigações à alegada corrupção estão sob sigilo da justiça.
Sabe-se,
no entanto, que as autoridades judiciais decidiram alargar as investigações que
resultaram na prisão de várias personalidades ligadas à companhia e ainda de
uma advogada, Beatriz Garcia, que a partir do Luxemburgo criou alegadamente
companhias e abriu contas em diversas partes do mundo para receber os fundos
desviados.
A
acusação afirma que os detidos “se concertaram com funcionários angolanos para
através do contrato de entrega de material à polícia levar a cabo uma
apropriação patrimonial ocultada desviada para o estrangeiro mediante um
complexo esquema de sociedades em paraísos fiscais”.
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