terça-feira, 11 de julho de 2017

MOÇAMBIQUE | Crise na retirada militar é o resultado de um "gentlemen's agreement"



Falta de tecnicidade nas negociações de paz estão na origem dos desmentidos sobre retirada das posições militares, considera especialista em boa governação. Silvestre Baessa recorda que ainda faltam consensos na FRELIMO.

Em Moçambique, as negociações de paz estão a ser marcadas por desmentidos por parte dos lados antagónicos. Por um lado, o Governo a insistir que há retirada das suas posições militares do reduto da RENAMO e por outro, o maior partido da oposição a desmentir. A DW África entrevistou o especialista moçambicano em boa governação, Silvestre Baessa sobre o tema.

DW África: Que avaliações se podem fazer deste desmentidos no contexto das negociações de paz, até aqui consideradas no bom caminho?

Silvestre Baessa (SB): Acho que esta é uma implicação direta de um acordo com pouca tecnicidade, ou seja, temos mais um gentlemen's agreement. Pelo menos oficialmente não há detalhes do que o acordo pressupõe para além da desmilitarização e das movimentações das posições. Por outro lado é um acordo que está a ser monitorados pelas partes diretamente envolvidas, não temos uma terceira parte, seja nacional ou internacional, a fazer a verificação do cumprimento desse acordo ao ponto de nos dar uma versão diferente. E terceiro ponto, não me parece que este acordo verbal, olhando para as informações [disponíveis], sobretudo do lado do Governo, não me parece que tenha sido ratificado ao mais alto nível do partido [FRELIMO], creio eu. Um dos grandes desafios que o Presidente Filipe Nyusi tem até ao momento é conseguir impor-se no Governo, sobretudo nas Forças de Defesa e Segurança. Mas tem estado a fazer progressos significativos. Enquanto esse acordo não acolher o consenso de todos os grupos, sobretudo do que acreditam ainda na possibilidade de uma rendição e destruição da máquina militar da RENAMO penso que vai ser sempre complicado ter esse cumprimento efetivo do que foi acordado com o Governo.

DW África: O ministro da Defesa quer uma cedência por parte da RENAMO: o desarmamento. Acha que a RENAMO aceitaria abrir mão de um dos seus maiores trunfos?

SB: Creio que não, porque repare que as armas só se fazem sentir num contexto de desconfiança. O nível de desconfiança da RENAMO em relação ao Governo e sobretudo em relação às Forças de Defesa e Segurança é enorme. Enquanto essa confiança não crescer a RENAMO vai procurar manter aquilo que tem como seu elemento mais forte que são as armas. A questão da desmilitarização é apenas uma parte de todo um pacote negocial. Há a questão da descentralização que não se sabe bem em que estágio se encontra, então a questão da tensão militar neste momento está dependente de outros factores. Então,  [a RENAMO] poderá aceitar parte dessa exigência do Governo e vice e versa.

DW África: Há que veja as reclamações da RENAMO como um sinal da sua fragilização político-militar. Há elementos sólidos para justificarem este tipo de avaliações?

SB: Acho que opção militar é sempre a última opção e este é o argumento que a RENAMO tem estado a explorar ao longo desse tempo, mas não é sustentável. Há vários elementos que entram na rota da fragilização da RENAMO que me fazem concordar com o argumento que a DW África coloca, primeiro é que o próprio presidente da RENAMO, Afonso Dhlakama, já não tem mais cinquenta anos e o desgaste físico e mental de toda uma vida de luta começa a refletir-se agora. As pessoas que o rodeiam, sobretudo a ala militar da RENAMO, os seus mais fiéis seguidores também não estão mais preparados para enfrentar situações de guerra longa, mas de baixa intensidade como esta situação.

Nádia Issufo | Deutsche Welle

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