Falta
de tecnicidade nas negociações de paz estão na origem dos desmentidos sobre
retirada das posições militares, considera especialista em boa governação.
Silvestre Baessa recorda que ainda faltam consensos na FRELIMO.
Em
Moçambique, as negociações de paz estão a ser marcadas por desmentidos por
parte dos lados antagónicos. Por um lado, o Governo a insistir que há retirada
das suas posições militares do reduto da RENAMO e por outro, o maior partido da
oposição a desmentir. A DW África entrevistou o especialista moçambicano em boa
governação, Silvestre Baessa sobre o tema.
DW
África: Que avaliações se podem fazer deste desmentidos no contexto das
negociações de paz, até aqui consideradas no bom caminho?
Silvestre
Baessa (SB): Acho que esta é uma implicação direta de um acordo com pouca
tecnicidade, ou seja, temos mais um gentlemen's agreement. Pelo menos
oficialmente não há detalhes do que o acordo pressupõe para além da
desmilitarização e das movimentações das posições. Por outro lado é um acordo
que está a ser monitorados pelas partes diretamente envolvidas, não temos uma
terceira parte, seja nacional ou internacional, a fazer a verificação do
cumprimento desse acordo ao ponto de nos dar uma versão diferente. E terceiro
ponto, não me parece que este acordo verbal, olhando para as informações
[disponíveis], sobretudo do lado do Governo, não me parece que tenha sido
ratificado ao mais alto nível do partido [FRELIMO], creio eu. Um dos grandes
desafios que o Presidente Filipe Nyusi tem até ao momento é conseguir impor-se
no Governo, sobretudo nas Forças de Defesa e Segurança. Mas tem estado a fazer
progressos significativos. Enquanto esse acordo não acolher o consenso de todos
os grupos, sobretudo do que acreditam ainda na possibilidade de uma rendição e
destruição da máquina militar da RENAMO penso que vai ser sempre complicado ter
esse cumprimento efetivo do que foi acordado com o Governo.
DW
África: O ministro da Defesa quer uma cedência por parte da RENAMO: o
desarmamento. Acha que a RENAMO aceitaria abrir mão de um dos seus maiores
trunfos?
SB: Creio
que não, porque repare que as armas só se fazem sentir num contexto de
desconfiança. O nível de desconfiança da RENAMO em relação ao Governo e
sobretudo em relação às Forças de Defesa e Segurança é enorme. Enquanto essa
confiança não crescer a RENAMO vai procurar manter aquilo que tem como seu
elemento mais forte que são as armas. A questão da desmilitarização é apenas
uma parte de todo um pacote negocial. Há a questão da descentralização que não
se sabe bem em que estágio se encontra, então a questão da tensão militar neste
momento está dependente de outros factores. Então, [a RENAMO] poderá
aceitar parte dessa exigência do Governo e vice e versa.
DW
África: Há que veja as reclamações da RENAMO como um sinal da sua fragilização
político-militar. Há elementos sólidos para justificarem este tipo de
avaliações?
SB: Acho que opção militar é sempre a última opção e este é o argumento que a RENAMO tem estado a explorar ao longo desse tempo, mas não é sustentável. Há vários elementos que entram na rota da fragilização da RENAMO que me fazem concordar com o argumento que a DW África coloca, primeiro é que o próprio presidente da RENAMO, Afonso Dhlakama, já não tem mais cinquenta anos e o desgaste físico e mental de toda uma vida de luta começa a refletir-se agora. As pessoas que o rodeiam, sobretudo a ala militar da RENAMO, os seus mais fiéis seguidores também não estão mais preparados para enfrentar situações de guerra longa, mas de baixa intensidade como esta situação.
Nádia
Issufo | Deutsche Welle
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