Martinho Júnior | Luanda
Muito
recentemente foi desclassificada documentação dos Estados Unidos, sobre o papel
de suas administrações relativamente ao colapso da URSS e os laços de
Gorbatchov (e Ieltsin), som o seu sistema de inteligência (https://heraldocubano.wordpress.com/2017/09/18/se-abre-paso-la-verdad-sobre-la-caida-de-la-urss/).
Esse
colapso trouxe consequências que repercutem até aos nossos dias em todos os
continentes, também por que, para os que levaram a cabo essa tão nefasta
operação de inteligência, houve a possibilidade de dar continuidade a
esse “trabalho”, desde a produção doutrinária e ideológica, até às acções
correspondentes, um pouco por todo o mundo, ainda que com “geometrias
variáveis”.
Das
acções correspondentes, no nº 376 do desaparecido semanário ACTUAL, no dia 20
de Dezembro de 2013, debrucei-me em especial sobre a evolução da situação no
Cáucaso e sobretudo na Geórgia, onde acabava de despontar a “Revolução das
Rosas”, um dos subprodutos de exercícios globais poderosos, como o de George
Soros, intimamente associados ao domínio hegemónico unipolar a que se propunha
(e propõe) a aristocracia financeira mundial.
Há
ainda hoje muitas lições a tirar, todas elas actuais, que não se podem perder
de vista.
A
Federação Russa, nascida do colapso da URSS, com o fim político de Gorbatchev e
de Ieltsin, assumiu a resistência aos processos que foram utilizados pela
inteligência dos Estados Unidos, por razões de só assim garantir a sua própria
sobrevivência euroasiática.
De
facto a Rússia haveria de experimentar um conjunto de acções “transversais” que
conduziam ao caos, ao terrorismo e à desagregação, pelo que, depois de as ir
neutralizando a nível interno e nas suas regiões periféricas mais críticas
(Cáucaso), começou a dar-lhes combate nas periferias próximas, num processo
histórico que permite a emergência e um relacionamento mais saudável entre os
estados, as nações e os povos, longe contudo das conquistas que foram obtidas
para a humanidade com o socialismo!
Por
causa disso os Estados Unidos e a NATO procuraram criar obstáculos adicionais,
desde as manipulações e ingerências na Ucrânia (onde prevaleceu a “Revolução
Laranja” que culminou nos acontecimentos da Praça Maidan), até à actual
situação relativa à Venezuela Bolivariana, a Cuba, ao Iraque, à Síria, ao
Afeganistão, ou à Coreia do Norte…
Essas
lições são sensíveis, actuais e estão longe de, em África e na América Latina,
tal como noutros continentes com tonalidades distintas, deixarem de ser motivos
de reflexão.
Para
Angola não há que perder de vista os nexos entre as “revoluções coloridas” e
as “primaveras árabes”, tendo em conta também de que esses fluxos de
ingerência e manipulação, são um caminho aberto para a desagregação, num
continente cujas fronteiras foram delineadas pelas potências coloniais na
Conferência de Berlim, realizada entre de 15 de Novembro de 1884 a 26 de Fevereirode 1885!...
Em
África esse tipo de expedientes tipicamente neocoloniais, que têm também muitos
matizes inscritos na terapia após o choque neoliberal, são suportados pela
expansão do fundamentalismo islâmico financiado pelo fanatismo religioso
intimamente associado aos expedientes da hegemonia unipolar, particularmente
depois do assassinato de Kadafi na Líbia, em 2011, podendo também, como em
outras partes do mundo, reverter no sentido da desagregação.
Essas
são razões, no que a Angola diz respeito e por outro lado, para se dar
preventivamente continuidade aos processos que conduzem à unidade e à
identidade nacional em reforço da paz, sem deixar de lutar pela paz nas regiões
em que Angola está inserida, em particular nos Grandes Lagos e República
Democrática do Congo.
É
precisamente nesse desiderato que procuro transmitir a necessidade dos
africanos e dos angolanos se voltarem muito mais sobre si próprios, enveredando
por uma lógica com sentido de vida e com uma geoestratégia para um
desenvolvimento sustentável, face aos resgates que se impõem desde o passado
secular de trevas!
Luanda,
28 de Setembro de 2017.
Fotos
das páginas do ACTUAL nº 376, de 20 de dezembro de 2003.
A
GEÓRGIA NO HORIZONTE DOS INTERESSES DA POTÊNCIA HEGEMÓNICA E DA OTAN
O
passo do Caúcaso entre o Mar Cáspio e o Mar Negro, envolvendo território Russo
(em especial o Dagestão, a Chechénya, a Inguchétia e a Ossétia do Norte), a
Geórgia, a Arménia e o Azerbeijão, foi-se tornando assim, cada vez mais, num
palco de disputas que envolvem interesses geoestratégicos, com componentes
políticas, militares, étnicas e económicas, com crucial realce para o que diz
respeito ao petróleo; na medida da intervenção prolongada dos Estados Unidos no
Iraque, o papel da Turquia e da OTAN valorizou-se e a questão do “terrorismo” é
pensada de forma distinta no eixo Washington – Ankara – Jerusalém, daquela que
é pensada no eixo Moscovo – Pequim.
As
alterações em curso na Geórgia, onde as últimas eleições foram postas em causa
por alegadas fraudes, fazendo germinar uma forte oposição ao Presidente Eduard
Chevardnadze, levando-o à renúncia do seu posto e evitando a efusão de sangue,
estão precisamente no sentido da progressão dos interesses geoestratégicos
ocidentais , numa altura em que a produção de petróleo no Mar Cáspio tem
tendência a aumentar até 2010, (contrariando as previsões assinaladas para
o “pico de Hubert”), fazendo o aproveitamento das muitas indecisões e
hesitações de quem, até recentemente, teve o encargo do poder em Tbilissi e da
relativa fraqueza da Rússia e dos seus aliados na região, confrontados com o
terrorismo islâmico.
Em
Outubro de 2000, a propósito dessa falência comum Russo – Georgiana, num artigo
intitulado“Conflitos Caucasianos e braço de ferro Russo – Americano”, os
articulistas do “Le Monde Diplomatique”, Jean Radvanyi e Philippe
Rekacewicz, consideravam:
“A
chegada ao poder em Moscovo de Vladimir Putin coincidiu com uma mudança
geoestratégica decisiva para o Cáucaso – a abertura, a 17 de Abril de 1999, do
oleaduto ligando Baku (Azerbeijão), ao porto de Supsa (Geórgia) no Mar Negro,
que punha fim à hegemonia Russa de exportação do bruto proveniente do Mar
Cáspio. Duas séries de acontecimentos, no Cáucaso e na Rússia, multiplicaram os
seus efeitos”.
Nesse
mesmo ano, segundo os referidos articulistas, “a Geórgia denunciou o
Tratado de Defesa Colectiva das Fronteiras na Comunidade de Estados
Independentes (CEI) e o Tratado de Segurança Colectiva de Tachkent, preferindo
colocar-se à sombra do guarda chuva, mesmo distante, da OTAN. Na cimeira da
Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE), realizada em
Istambul em Novembro de 1999, o Presidente Eltsine assinou um acordo de
desmantelamento de duas das quatro Bases Russas na Geórgia, desmantelamento que
teve o seu curso em 2000, apesar dos protestos abkhazes e das reticências do
Estado Maior Russo”.
Com
essa evolução a CEI apenas mantinha a Arménia integrada , à medida que se
politizavam, em benefício do Ocidente e da sua poderosa economia de mercado,
os “dossiers” da Geórgia e do Azerbeijão , tendo como base os
interesses sobre o petróleo.
O
projecto do oleaduto Baku – Tbilissi – Ceyhan ganhava cada vez mais interesse
para os ocidentais, tanto mais que o oleaduto Baku – Novorossiisk (porto Russo
situado no Mar Negro), aberto em Abril de 1999, foi alvo de ataques dos
terroristas islâmicos na Chechénya, ao mesmo tempo que os líderes islâmicos,
Chamil Bassaev e Khabib Abd Ar – Rahman Khatab, davam ordens para o início de
operações no Dagestão, com vista ao projecto da criação dum estado islâmico
comum Checénya – Dagestão, na margem do sudoeste do Mar Cáspio.
Com
isso pareciam prognosticar a caducidade da manutenção dum velho político como
Eduard Chevardnadze no poder na Geórgia, até por que Chevardnadze, moderado e
moderador, havia aberto as portas e possibilitado a ascensão de elementos de
pressão ligados aos interesses ocidentais, como Nino Burdzhanadze (actual
Presidente interina e ex Presidente da Assembleia da República da Geórgia) e
facilitado o papel, nesse quadro, dos seus opositores Mikaheil Saakashvili,
líder do “Movimento da União Nacional” e Zurab Zhavania, do “União
dos Democratas”.
As
mudanças começaram a tomar corpo, tendo como sinal longínquo a reactivação de
James Baker, pela actual administração Bush, decidida em função da evolução da
situação post 11 de Setembro de 2001 e em especial, após a ofensiva americana
no Iraque, contra o regime de Saddam Hussein.
A
4 e 5 de Julho de 2003 a Casa Branca determinara a ida de James Baker a
Tbilissi como“Enviado Presidencial”, tirando partido da velha amizade dele com
Eduard Chevardnadze, a fim de, segundo o que foi tornado público, tratar de:
- “Reformas
políticas e económicas na Geórgia”.
-
Discutir a “cooperação americana e da Geórgia em relação às actividades de
resposta ao terrorismo” na região.
-
Activar o “combate à corrupção”, com vista a aprofundar a democracia
(conforme aos procedimentos típicos duma “Open Society”).
Nessa
altura, mais que alterações substanciais no jogo geoestratégico no Cáucaso e
particularmente na Geórgia, ficava implícita a possibilidade de “mudança” do
regime, com a saída de Eduard Chevardnadze, pelo que se entrava na via do “pressing” da
oposição sobre o poder.
Para
isso James Baker contava já com a dinâmica americana que enquadrava localmente
os “bons ofícios” da “Open Society” de George Soros, que avisadamente
desde Fevereiro de 2003, já havia começado a implementar o “módulo
Geórgia”, no sentido de impulsionar as suas articulações disponíveis para
o “pressing” político e social, tirando partido da acção psicológica
sistemática sobre o eleitorado, servindo de cobertura aos evidentes interesses
da aristocracia financeira mundial, autora distante das transformações que se
iam operando também e a seu favor, no Cáucaso.
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