terça-feira, 3 de outubro de 2017

O EXEMPLO DA RÚSSIA EMERGINDO DAS TREVAS


Martinho Júnior | Luanda
  
Muito recentemente foi desclassificada documentação dos Estados Unidos, sobre o papel de suas administrações relativamente ao colapso da URSS e os laços de Gorbatchov (e Ieltsin), som o seu sistema de inteligência (https://heraldocubano.wordpress.com/2017/09/18/se-abre-paso-la-verdad-sobre-la-caida-de-la-urss/).

Esse colapso trouxe consequências que repercutem até aos nossos dias em todos os continentes, também por que, para os que levaram a cabo essa tão nefasta operação de inteligência, houve a possibilidade de dar continuidade a esse “trabalho”, desde a produção doutrinária e ideológica, até às acções correspondentes, um pouco por todo o mundo, ainda que com “geometrias variáveis”.

Das acções correspondentes, no nº 376 do desaparecido semanário ACTUAL, no dia 20 de Dezembro de 2013, debrucei-me em especial sobre a evolução da situação no Cáucaso e sobretudo na Geórgia, onde acabava de despontar a “Revolução das Rosas”, um dos subprodutos de exercícios globais poderosos, como o de George Soros, intimamente associados ao domínio hegemónico unipolar a que se propunha (e propõe) a aristocracia financeira mundial.

Há ainda hoje muitas lições a tirar, todas elas actuais, que não se podem perder de vista.

A Federação Russa, nascida do colapso da URSS, com o fim político de Gorbatchev e de Ieltsin, assumiu a resistência aos processos que foram utilizados pela inteligência dos Estados Unidos, por razões de só assim garantir a sua própria sobrevivência euroasiática.

De facto a Rússia haveria de experimentar um conjunto de acções “transversais” que conduziam ao caos, ao terrorismo e à desagregação, pelo que, depois de as ir neutralizando a nível interno e nas suas regiões periféricas mais críticas (Cáucaso), começou a dar-lhes combate nas periferias próximas, num processo histórico que permite a emergência e um relacionamento mais saudável entre os estados, as nações e os povos, longe contudo das conquistas que foram obtidas para a humanidade com o socialismo!

Por causa disso os Estados Unidos e a NATO procuraram criar obstáculos adicionais, desde as manipulações e ingerências na Ucrânia (onde prevaleceu a “Revolução Laranja” que culminou nos acontecimentos da Praça Maidan), até à actual situação relativa à Venezuela Bolivariana, a Cuba, ao Iraque, à Síria, ao Afeganistão, ou à Coreia do Norte…

Essas lições são sensíveis, actuais e estão longe de, em África e na América Latina, tal como noutros continentes com tonalidades distintas, deixarem de ser motivos de reflexão.

Para Angola não há que perder de vista os nexos entre as “revoluções coloridas” e as “primaveras árabes”, tendo em conta também de que esses fluxos de ingerência e manipulação, são um caminho aberto para a desagregação, num continente cujas fronteiras foram delineadas pelas potências coloniais na Conferência de Berlim, realizada entre de 15 de Novembro de 1884 a 26 de Fevereirode 1885!...

Em África esse tipo de expedientes tipicamente neocoloniais, que têm também muitos matizes inscritos na terapia após o choque neoliberal, são suportados pela expansão do fundamentalismo islâmico financiado pelo fanatismo religioso intimamente associado aos expedientes da hegemonia unipolar, particularmente depois do assassinato de Kadafi na Líbia, em 2011, podendo também, como em outras partes do mundo, reverter no sentido da desagregação.

Essas são razões, no que a Angola diz respeito e por outro lado, para se dar preventivamente continuidade aos processos que conduzem à unidade e à identidade nacional em reforço da paz, sem deixar de lutar pela paz nas regiões em que Angola está inserida, em particular nos Grandes Lagos e República Democrática do Congo.

É precisamente nesse desiderato que procuro transmitir a necessidade dos africanos e dos angolanos se voltarem muito mais sobre si próprios, enveredando por uma lógica com sentido de vida e com uma geoestratégia para um desenvolvimento sustentável, face aos resgates que se impõem desde o passado secular de trevas!

Luanda, 28 de Setembro de 2017.

Fotos das páginas do ACTUAL nº 376, de 20 de dezembro de 2003.

A GEÓRGIA NO HORIZONTE DOS INTERESSES DA POTÊNCIA HEGEMÓNICA E DA OTAN

O passo do Caúcaso entre o Mar Cáspio e o Mar Negro, envolvendo território Russo (em especial o Dagestão, a Chechénya, a Inguchétia e a Ossétia do Norte), a Geórgia, a Arménia e o Azerbeijão, foi-se tornando assim, cada vez mais, num palco de disputas que envolvem interesses geoestratégicos, com componentes políticas, militares, étnicas e económicas, com crucial realce para o que diz respeito ao petróleo; na medida da intervenção prolongada dos Estados Unidos no Iraque, o papel da Turquia e da OTAN valorizou-se e a questão do “terrorismo” é pensada de forma distinta no eixo Washington – Ankara – Jerusalém, daquela que é pensada no eixo Moscovo – Pequim.

As alterações em curso na Geórgia, onde as últimas eleições foram postas em causa por alegadas fraudes, fazendo germinar uma forte oposição ao Presidente Eduard Chevardnadze, levando-o à renúncia do seu posto e evitando a efusão de sangue, estão precisamente no sentido da progressão dos interesses geoestratégicos ocidentais , numa altura em que a produção de petróleo no Mar Cáspio tem tendência a aumentar até 2010, (contrariando as previsões assinaladas para o “pico de Hubert”), fazendo o aproveitamento das muitas indecisões e hesitações de quem, até recentemente, teve o encargo do poder em Tbilissi e da relativa fraqueza da Rússia e dos seus aliados na região, confrontados com o terrorismo islâmico.

Em Outubro de 2000, a propósito dessa falência comum Russo – Georgiana, num artigo intitulado“Conflitos Caucasianos e braço de ferro Russo – Americano”, os articulistas do “Le Monde Diplomatique”, Jean Radvanyi e Philippe Rekacewicz, consideravam:

“A chegada ao poder em Moscovo de Vladimir Putin coincidiu com uma mudança geoestratégica decisiva para o Cáucaso – a abertura, a 17 de Abril de 1999, do oleaduto ligando Baku (Azerbeijão), ao porto de Supsa (Geórgia) no Mar Negro, que punha fim à hegemonia Russa de exportação do bruto proveniente do Mar Cáspio. Duas séries de acontecimentos, no Cáucaso e na Rússia, multiplicaram os seus efeitos”.

Nesse mesmo ano, segundo os referidos articulistas, “a Geórgia denunciou o Tratado de Defesa Colectiva das Fronteiras na Comunidade de Estados Independentes (CEI) e o Tratado de Segurança Colectiva de Tachkent, preferindo colocar-se à sombra do guarda chuva, mesmo distante, da OTAN. Na cimeira da Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE), realizada em Istambul em Novembro de 1999, o Presidente Eltsine assinou um acordo de desmantelamento de duas das quatro Bases Russas na Geórgia, desmantelamento que teve o seu curso em 2000, apesar dos protestos abkhazes e das reticências do Estado Maior Russo”.

Com essa evolução a CEI apenas mantinha a Arménia integrada , à medida que se politizavam, em benefício do Ocidente e da sua poderosa economia de mercado, os “dossiers” da Geórgia e do Azerbeijão , tendo como base os interesses sobre o petróleo.

O projecto do oleaduto Baku – Tbilissi – Ceyhan ganhava cada vez mais interesse para os ocidentais, tanto mais que o oleaduto Baku – Novorossiisk (porto Russo situado no Mar Negro), aberto em Abril de 1999, foi alvo de ataques dos terroristas islâmicos na Chechénya, ao mesmo tempo que os líderes islâmicos, Chamil Bassaev e Khabib Abd Ar – Rahman Khatab, davam ordens para o início de operações no Dagestão, com vista ao projecto da criação dum estado islâmico comum Checénya – Dagestão, na margem do sudoeste do Mar Cáspio.

Com isso pareciam prognosticar a caducidade da manutenção dum velho político como Eduard Chevardnadze no poder na Geórgia, até por que Chevardnadze, moderado e moderador, havia aberto as portas e possibilitado a ascensão de elementos de pressão ligados aos interesses ocidentais, como Nino Burdzhanadze (actual Presidente interina e ex Presidente da Assembleia da República da Geórgia) e facilitado o papel, nesse quadro, dos seus opositores Mikaheil Saakashvili, líder do “Movimento da União Nacional” e Zurab Zhavania, do “União dos Democratas”.

As mudanças começaram a tomar corpo, tendo como sinal longínquo a reactivação de James Baker, pela actual administração Bush, decidida em função da evolução da situação post 11 de Setembro de 2001 e em especial, após a ofensiva americana no Iraque, contra o regime de Saddam Hussein.

A 4 e 5 de Julho de 2003 a Casa Branca determinara a ida de James Baker a Tbilissi como“Enviado Presidencial”, tirando partido da velha amizade dele com Eduard Chevardnadze, a fim de, segundo o que foi tornado público, tratar de:

- “Reformas políticas e económicas na Geórgia”.

- Discutir a “cooperação americana e da Geórgia em relação às actividades de resposta ao terrorismo” na região.

- Activar o “combate à corrupção”, com vista a aprofundar a democracia (conforme aos procedimentos típicos duma “Open Society”).

Nessa altura, mais que alterações substanciais no jogo geoestratégico no Cáucaso e particularmente na Geórgia, ficava implícita a possibilidade de “mudança” do regime, com a saída de Eduard Chevardnadze, pelo que se entrava na via do “pressing” da oposição sobre o poder.

Para isso James Baker contava já com a dinâmica americana que enquadrava localmente os “bons ofícios” da “Open Society” de George Soros, que avisadamente desde Fevereiro de 2003, já havia começado a implementar o “módulo Geórgia”, no sentido de impulsionar as suas articulações disponíveis para o “pressing” político e social, tirando partido da acção psicológica sistemática sobre o eleitorado, servindo de cobertura aos evidentes interesses da aristocracia financeira mundial, autora distante das transformações que se iam operando também e a seu favor, no Cáucaso.

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