Domingos de Andrade* | Jornal de
Notícias | opinião
Nos confins da aldeia, só era
verdadeiramente Ano Novo quando o "velhote", era assim que o
tratavam, mas a rir, com carinho até, vinha para a janela disparar a caçadeira
e praguejar contra o ano velho. Era o fogo de artifício possível. Para expulsar
as coisas más.
Quando olhamos para trás, também
nos apetece matar muito do que foi 2017. Dos acontecimentos que nos corroem a
identidade de país pelo tanto que põem a nu. O que vemos não é bonito. E, ao
contrário do que pensamos, o que lá vai não vai. Permanece.
A tragédia dos incêndios. É
impossível olhar para 2017 sem tocar no tema dos incêndios. A violência do
número de vítimas e da destruição causada marca-nos os dias, tem de marcar,
como marcará inevitavelmente a ação dos governos nos próximos anos. Mas nossa
também. Descobrimos o que já sabíamos. Que o país inclinou definitivamente para
o litoral. Que o interior afinal é mesmo aqui ao lado. E que não chega fazer
visitas de médico para comprar presunto e salpicão.
Nádia Piazza. "Desamparados
estivemos sempre. Agora estamos mais lúcidos". Das cinzas de uma sociedade
pobre, desajeitada civicamente, desistente, uma mulher ergue-se do luto para
mostrar ao espelho o que somos. Nádia Piazza perdeu o filho de 5 anos na
tragédia de Pedrógão Grande. Não desistiu. Transformou-se no rosto ativo da
associação dos familiares das vítimas. Ela não nos deixa esquecer, por muito
que nos apeteça.
Furacão Marcelo. Nem o presidente
da República deixa. Primeiro titubeante, da tragédia emergiu um chefe de Estado
que mostrou ser mais do que um distribuidor de abraços e de afetos. Foi duro
quando necessário, recusando o Portugal político do jogo de corte em S. Bento
ou no Parlamento. "Chocado ficou o país." Foi quanto bastou para
Marcelo Rebelo de Sousa definir claramente a defesa intransigente dos
interesses das populações. Os choques necessários com o primeiro-ministro, nos
momentos em que ele não esteve à altura de perceber o país real.
Chocado está o país. 2017 foi o
ano de Marcelo. Que há de contar mais. Mas foi também o ano de completo apagamento
de Pedro Passos Coelho. Não tanto pelo resultado nas eleições autárquicas. O
seu tempo de liderança é que estava esgotado. E a verdade é que um líder forte
no PSD fez falta. Faz falta. Como fazem falta políticos fortes. Deputados,
autarcas, ministros, secretários de Estado. Para ao menos manter a ilusão de
que servem uma causa e não causa própria. Não basta a economia correr bem, as
perspetivas de futuro serem menos cinzentas, o Governo surpreender, um ministro
da Finanças ser incensado, se os partidos se metem em arranjinhos numa
coligação de interesses comuns única nesta legislatura de negociações difíceis
para acertarem o negócio da lei do financiamento partidário. Perdendo a
oportunidade de uma discussão séria. Os movimentos populistas agradecem.
E para 2018? Não esquecer 2017.
No pior e no melhor.
*Diretor-executivo do Jornal de
Notícias
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