Manuel Carvalho da Silva* |
Jornal de Notícias | opinião
O aumento do salário mínimo
nacional (SMN) para 580 euros é uma boa e importante notícia para as centenas
de milhares de trabalhadores que estão neste escalão de rendimento. A
valorização deste mínimo legal é particularmente significativa no quadro de uma
recuperação económica e do emprego muito baseada em trabalho precário e mal
pago. Por outro lado, o processo expôs comportamentos patronais retrógrados,
bem como défices nas instituições de diálogo e negociação.
O SMN está ainda bastante longe
de um patamar que possibilite uma sociedade sem trabalhadores em situação de
pobreza, contudo é de importância cimeira para quem chega com dificuldade ao
final do mês. Abrangendo hoje mais de 700 mil trabalhadores, representa menos
de 11% da massa salarial global do país, mas tem contribuído para a diminuição
das desigualdades salariais e da pobreza, desde logo a pobreza infantil. Se não
existisse um SMN com um mínimo de dignidade teríamos muito mais crianças
pobres, já que a sua condição depende fundamentalmente dos rendimentos dos seus
pais e famílias.
Fundamentalistas que reduzem
todos os direitos a produtos de mercado e a economia ao funcionamento das
curvas da oferta e da procura - as "cassandras" que gritavam contra a
atualização do SMN porque provocaria perda de competitividade, empresas
sufocadas e aumento do desemprego -, calam-se hoje perante a falácia dos seus
argumentos.
Ao contrário do que aconteceu nos
dois últimos anos, desta vez não houve acordo em sede da Comissão Permanente da
Concertação Social (CPCS), facto que causaria perplexidade se fossem sérias as
afirmações bondosas de certos patrões, quando dizem que também gostavam muito
de poder pagar mais. Porque é que as confederações patronais - num momento que
veem os excedentes brutos de exploração a crescer e há o consenso de que as
empresas não devem persistir em políticas de baixos salários e trabalho pouco
qualificado se queremos um Portugal desenvolvido - se recusam a contribuir para
a dignidade mínima dos trabalhadores e ficam aparentemente a regatear migalhas?
A resposta encontra-se em dois factos irrefutáveis: i) a esmagadora maioria dos
patrões, mesmo que reconheçam justiça numa proposta vinda dos trabalhadores ou
de um governo, se puderem pagar menos é por aí que vão, sendo por isso que o
que os trabalhadores e os cidadãos têm hoje, de direitos e dignidade vindos do
trabalho, nunca lhes foi oferecido; ii) utilizando a seu favor os enviesamentos
do sistema de Concertação Social, as organizações patronais têm sustentado as
suas posições numa visão em grande medida parasitária, sobre o que são as
negociações entre trabalhadores, patrões e Estado na CPCS, confinando os
processos a "trocas de presentes" com o Estado.
Na negociação deste ano, as
confederações patronais queriam não só as benesses diretas vindas do Orçamento
do Estado, como ainda que o Governo ficasse proibido de qualquer mexida na
legislação laboral, sobrepondo escandalosamente o seu poder ao dos órgãos de
soberania. A sua recusa do acordo é mau prenúncio para futuras negociações onde
as contrapartidas orçamentais estejam ausentes; é sinal de que certos setores
patronais retrógrados, embora reconheçam ganhos para a economia vindos do rumo
imposto pelo atual Governo e pela maioria parlamentar que o suporta, não estão
nada empenhados em modernizar o país e em melhorar a justiça social. A CPCS, já
enfraquecida na sua legitimidade em resultado de instrumentalizações nacionais
e europeias, corre o risco de esvaziar ainda mais o diálogo social e a
negociação - em particular a negociação coletiva - cujo papel é incontornável
na regulação das relações laborais.
Impõe-se ao Governo não esquecer
a sua legitimidade política. Ele tem de negociar aberta e ofensivamente com
todos e respeitar as posições da maioria parlamentar eleita que o sustenta. Só
assim foi possível este modesto, mas significativo aumento do SMN, e a reforma
do regime de contribuições para a Segurança Social dos trabalhadores com
recibos verdes. Só assim será possível dar vida e eficácia à negociação
coletiva, para que não nos tornemos o país onde o salário mínimo é o salário
nacional.
* Investigador e professor
universitário
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