terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Urgente expulsão de Tone Moe observadora internacional do Sahara Ocidental

A Sra. Tone Sørfonn Moe, observadora norueguesa foi expulsa hoje, 14 de dezembro, às 12h50, hora local de El Aaiun, capital do território não-autônomo do Sahara Ocidental pelas autoridades marroquinas.

Tone é uma estudante de direito norueguesa e foi observadora internacional no julgamento Gdeim Izik, realizado no tribunal de recurso em Salé, Marrocos entre 2016/2017, e é credenciada pela Fundación Sahara Occidental, uma organização que monitora os Direitos Humanos e a situação de os prisioneiros políticos saharauis. Tone deveria observar um processo judicial contra um grupo de prisioneiros políticos em Marraquexe em 12 de dezembro, que foi adiado.

Ela viajou de Agadir para El Aaiún, capital do Sahara Ocidental, no domingo passado, 10 de dezembro.

Às 12h50 de hoje a Sra. Moe enviou o seguinte texto:

"De acordo com a polícia, os observadores internacionais não são bem-vindos. De acordo com a polícia, não cheguei de forma legal. Expliquei ao agente civil que cheguei a El Aaiun de táxi de Agadir, e que sou observadora internacional. Fui abordado no meu hotel por cerca de 20 a 25 policiais não uniformizados. 10 desses agentes à civil estavam a filmar-me e  a tirar fotografias.

Como afirmei, sou uma observadora internacional que trabalha com prisioneiros políticos. Não recebi uma decisão por escrito ou mais informações por parte das autoridades apesar da minha insistência.

Perguntei se eu poderia ter uma reunião com um oficial da MINURSO antes de sair do território, mas não foi permitido, uma vez como não sou bem-vinda."

Tone pretendia contactar ativistas de direitos humanos do Sahara Ocidental. Ela também pretendia encontrar as famílias dos prisioneiros de Gdeim Izik, o que ela fez até sua expulsão hoje. A situação dos prisioneiros Gdeim Izik é perturbadora - vários deles estão em greve de fome e sofrem sob tortura e tratamento desumano. Estes defensores dos direitos humanos estão detidos arbitrariamente há mais de 7 anos.

A Sra. Moe está agora em um táxi a caminho de Agadir. Ela foi informada de que os observadores internacionais não são bem-vindos devido a "razões de segurança". Ela foi expulsa sem uma razão adequada, já que os policias marroquinos se recusaram a explicar o que "razões de segurança "implicam .

Tone disse ao telefone que:

"A expulsão impediu-me de continuar a encontrar-me com os ativistas dos direitos humanos e de investigar se as violações dos direitos humanos fazem parte da vida quotidiana dos ativistas saharauis de direitos humanos.

Eu acho estranho que Marrocos, que em várias ocasiões alegou que a situação dos direitos humanos no território não autônomo do Sahara Ocidental não precisa ser monitorada pela MINURSO, força de paz da ONU, porque não há violação dos direitos humanos no Sahara Ocidental, sentem a necessidade de expulsar observadores internacionais.

Se a declaração de Marrocos representasse a realidade, não deviam ter nada a esconder. "

Isabel Lourenço | Pravda.ru | do original | POR UN SAHARA LIBRE .org

Angola | PARA UM BALANÇO NECESSÁRIO!


Martinho Júnior | Luanda | 

Alguns de “nova geração” julgam que antes de 1985 não havia esforços de luta pela ética, pelo rigor, nem havia todavia combate à corrupção, esquecendo-se que para se construir socialismo o grau de exigência é maior, por que tem de haver coerência histórica e dialética face aos desafios que são encarados de outra maneira, mas tornam-se bem identificáveis e claros, por que implicaram deveres e práticas revolucionárias clarividentes, lúcidas e constantes!...

Em socialismo tem de haver coerência em relação à construção da própria sociedade, quando das palavras obrigatoriamente se tinha de passar aos actos e quando “de peito feito”, por via da situação continuada da luta contra o “apartheid”, se exclamava alto e bom som que “o mais importante é resolver os problemas do povo”, “Angola é trincheira firme da revolução em África” e “na Namíbia, no Zimbabwe e na África do Sul está a continuação da nossa luta”!...

Aqueles que alimentaram substantivamente essa trilha foram muitos deles politicamente "trucidados" e assim desapareceu o Partido do Trabalho, alterou-se profundamente para pior o carácter da Segurança do Estado e, em Bicesse, finalmente pôs-se fim às gloriosas FAPLA, provavelmente por que o Comandante-em-Chefe de então não fez parte do grupo de Comandantes que assinaram, no seguimento da Conferência de Lusaka, a sua proclamação!...

Foi não só Savimbi que ganhou imenso espaço nas disputas que então surgiram sobre as áreas diamantíferas, a ponto de poder levar a cabo a "somalização" de Angola durante dez sangrentos anos, a ponto de fazer surgir um contraditório “contra-natura”, entre os que se barricavam para fazer a inesperada guerra nos rendimentos do petróleo, contra ele que se barricava nos rendimentos dos diamantes, mas ganhou espaço também o clube dos umbigos grandes de outros, auto apelidando-se como os 100 (novos) "ricos", por que perdendo-se os aliados históricos do movimento de libertação em África (à excepção de Cuba), após Bicesse se escancararam as portas de Angola ao capitalismo neoliberal que estimulou a barbárie nas relações humanas, culminando com a terapia que está identificável e visível país fora, tornando a especulação e a corrupção num cancro dilacerante, bárbaro e continuado que parece não ter fim!...

A desvalorização, ou mesmo o pendente colapso da moeda angolana, está intimamente associado a isso, quando se retira o Kwanza da produção nacional, do trabalho, dos circuitos económicos mais florescentes, da indexação dele ao padrão ouro, para colocá-lo nos espaços dum simples papel-moeda inscrito na sua própria especulação, nos nocivos tráficos de variada natureza (de moeda, de diamantes, de droga…), na posse de quem alimenta compadrio, corrupção, ingerência e manipulação, como mercenários agentes de interesses externos a Angola e como sempre ávidos de rapina!...

Sempre considerei que pessoas com essa apetência são a outra face da mesmíssima moeda que motivava os “revolucionários da ocasião”, cujo espectro de mobilização se estendia a franjas de algumas sensibilidades sócio-políticas correntes!

…De facto o primeiro acto de corrupção tem que ver com o fim das potencialidades socialistas, para que nascesse um capitalismo cujo única e irremediável desembocadura é a “crise que estamos com ela”, ela própria espelho dos parâmetros da crise global contemporânea!

Que é feito dos "trucidados" de então?...

Por que mesmo dando “oficial e eleitoralmente” inicio à luta contra a corrupção, até agora se tem sido incapaz de reconhecer os que, sendo parte integrante da história do MPLA, estando alguns deles vivos, foram "trucidados" apenas por que procuraram ser patriotas dignos, íntegros, incorruptíveis e fieis?...

Acaso se acha que este assunto deva continuar a ser tabu, não deva ser levantado, a fim de não quebrar unidade e coesão?...

Acaso se acha que o aparente silêncio de muitos desses vivos que atravessaram desertos de mais de 30 anos, não teve em conta a necessidade de se cultivar paz, identidade nacional, unidade e coesão?

Se assim for que paz, unidade e coesão se pretende e até onde irá de facto a luta contra a corrupção?

Ficar-se-á a solução pela folhagem, passará para o tronco, alcançará as raízes equacionadas dos problemas?

Apesar das muitas perguntas intensas que se têm de fazer, próprias das consciências incomodadas com os processos antropológicos e históricos contemporâneos numa África subdesenvolvida e ultraperiférica em relação ao sistema económico globalizado, não há que conceder mais espaço aos acomodados da terapia neoliberal, aos processos de assimilação por eles cultivados em benefício de ingerências e manipulações vindas de fora!...

Que tudo isso se faça de acordo com a pedagogia que patriota algum pode subverter: “de Cabinda ao Cunene e do mar ao leste, um só povo, uma só nação”!

Martinho Júnior - Luanda, 15 de Dezembro de 2017

Angola | Discurso de João Lourenço trouxe desafios e interrogações


O rescaldo do recente seminário do MPLA, que teve por base o combate à corrupção, ao nepotismo e ao branqueamento de capitais, poderá ter sido mais amargo para algumas pessoas e militantes do partido do que a iniciativa fazia prever.

Se na abertura do Seminário, José Eduardo dos Santos, enquanto presidente do MPLA, defendeu que os militantes deveriam dar um claro apoio ao Executivo, saído das eleições de 23 de Agosto no combate à corrupção e ao nepotismo no país e que o MPLA tem de liderar uma “sociedade mais justa”, algo que já defendera em recentes discursos ao País de Ano Novo e na AN, saltou igualmente à vista dos analistas a total omissão do nome do líder do Executivo e o ênfase ao caminho do partido.

Por isso era esperada com alguma curiosidade as palavras de encerramento de João Lourenço, Presidente da República, líder do Executivo e vice-presidente do MPLA. E elas não decepcionaram; e começou logo pela saudação onde o ricochete da “lapada” se fez sentir: o “Camarada Presidente” foi omitido!


Mas o mais importante que sobressaiu das palavras de Lourenço foram, ou acabaram por ser, além do sublinhar dos combates que o Seminário abordava, foi o repto aos capitais nacionais expatriados retornarem a Angola, sem custos ou penalizações, para serem reinvestidos em empresas geradoras de bens, de serviços, indústrias e outras para benefício dos angolanos.

E sublinhou que esse retorno não só não implicaria algum tipo e investigação – tipo “caça às bruxas” – sobre a forma como teriam sido obtidos esses capitais e como teriam saído, como seria um certo incentivo ao investimento externo no País. E sublinhou que esta exigência não tinha qualquer ideia subentendida de perseguição aos ricos ou a famílias abastadas, mas um claro combate à corrupção.

As dúvidas que se põem prendem-se em duas pertinentes questões: i) findo um prazo apresentado e não havendo cumprimento do livre retorno dos capitai, como é que o Estado angolano poderá considerar, estes, dinheiro de Angola e dos angolanos e como tal agir junto das autoridades dos países de domicílio, para tê-lo de volta, e como é que isso se poderá concretizar, de facto, o seu retorno? ii) e em que medida esta decisão envolverá Portugal, considerado como um dos destinos preferenciais de capitais angolanos?

Duas questões que só as relações jurídicas entre os Estados poderão resolver, depois do Executivo legislar sobre esta matéria. E, no caso de Portugal, será mais interessante, tendo em conta o caso Fizz/Manuel Vicente.

Finalmente, outro facto importante, ou talvez, ainda mais, nas palavras de João Lourenço. O “exigir” que a AN cumpra a sua função de exercer “de facto a sua função fiscalizadora do Executivo, nos termos previstos na Constituição e na Lei”. Ora, sabe-se que o Tribunal Constitucional, a pedido do Executivo de dos Santos declarou que o Parlamento não (de)tinha essa competência. Fica a questão.

Publicado no jornal português Público, em 15 de Dezembro de 2017, página 4, sob o título «Discurso de João Lourenço trouxe desafios e interrogações»; e, na véspera, ao princípio da noite, no portal: https://www.publico.pt/2017/12/14/economia/opiniao/discurso-de-joao-lourenco-trouxe-desafios-e-interrogacoes-1796046

*Investigador do Centro de Estudos Internacionais (CEI-IUL)

**Eugénio Costa Almeida – Pululu - Página de um lusofónico angolano-português, licenciado e mestre em Relações Internacionais e Doutorado em Ciências Sociais - ramo Relações Internacionais - nele poderão aceder a ensaios académicos e artigos de opinião, relacionados com a actividade académica, social e associativa.

Angola | CAIR NA REAL

Víctor Silva | Jornal de Angola | opinião |

A situação económica e social do país não se alterou pelo simples facto de ter havido eleições e ter sido eleito um novo Presidente da República.


O quadro continua difícil para as contas públicas, em que a falta de recursos tem condicionado a concretização de diversos programas e projectos, sobretudo virados para a  minimização das dificuldades por que passam a maioria dos cidadãos e suas famílias num quotidiano de quase sobrevivência.

Os períodos eleitorais prestam-se a muitas promessas, uma boa parte das quais sem sustentação face à crueza da realidade dos números. Essa realidade revela que não houve, nem o tempo permitia que fosse de outra forma, qualquer mudança substancial na melhoria das receitas, para se conseguir uma maior folga orçamental que permita dar algum avanço na melhoria da qualidade de vida dos angolanos. Se é certo que a principal fonte de receitas do país, a produção e exportação de petróleo, tem conhecido dias melhores, não é menos verdade que esse ligeiro aumento ainda está muito longe das reais necessidades de tesouraria.

De Agosto até  hoje, só um milagre poderia fazer com que os cofres voltassem a estar folgados e assim estar à altura de ir respondendo às inúmeras situações de aflição, cada uma mais prioritária que a outra, por que passam todos os sectores económicos e sociais do país, incluindo o petrolífero.

Como milagres só mesmo na literatura ficcionada, a realidade leva a que se tenha de ir acostumando a viver com o pouco, numa base mais equitativa de sacrifícios e benefícios, seguindo uma política mais racional e menos emocional, cortando com alguns erros do passado que contribuíram para que, independentemente da crise, o país caísse tão fundo.

Fica evidente que há um novo paradigma e é na base desse quadro com o qual se terá de encarar os desafios do futuro, que todos reconhecem não serem fáceis.

Em pouco mais de dois meses de vida, seria impensável exigir ao novo governo que cumprisse o que foi prometido na campanha. Contudo, esses primeiros tempos da nova governação vêm acumulando um capital talvez tão importante quanto o vil metal, que vai no sentido da moralização da sociedade através do resgate das boas práticas e da correcção de erros que vinham de trás e que provaram ser factores de estrangulamento, ao contrário da imagem de empoderamento que alguns propalavam. Seguramente que uns poucos beneficiavam dessas práticas, sobrepondo-se a uma maioria que assume cada vez mais os princípios de cidadania,  e não se contenta em ver a caravana passar, reclamando direitos e exigindo uma maior participação na discussão das políticas e na solução dos problemas que a afligem.

E tem sido em resposta a essa realidade que acompanhamos um novo paradigma de governação, de maior interacção entre governantes e governados, apesar do pouco tempo que leva a legislatura, procurando-se definir balizas para este ciclo político de transição. Pode parecer um contra-senso estar a impor limites quando em democracia as barreiras devem ser eliminadas, mas é preciso entender que na nova realidade há que procurar fazer um corte com o passado, sem que isso signifique uma "caça às bruxas", uma purga ao passado recente, como alguns querem fazer crer, entre elementos da oposição e mesmo da situação.

Até agora, o capital de esperança tem sido alimentado quase que exclusivamente pela acção do Presidente da República. Têm partido dele as iniciativas para procurar desenvencilhar o novelo do nosso quotidiano, marcado por colossais assimetrias de toda a ordem. Mas, paralelamente ao exercício de procurar colocar as pessoas certas nos lugares certos, um exercício que se tem mostrado bem mais difícil do que seria suposto, há um conjunto de medidas que estão a ser adoptadas por forma a reverter o quadro económico e social. Algumas dessas medidas, contidas no chamado plano intercalar, serão muito provavelmente impopulares, mas afiguram-se de todo necessárias para acompanhar o ritmo de mudanças e transformações por que passa a sociedade, onde as carências são vividas no dia-a-dia.

Quer no espaço doméstico, quer no domínio internacional a aposta é procurar fazer mais e melhor, com menos recursos e em menor tempo, até porque a normalidade constitucional do país não permite a repetição de cenários antigos.

Longe de uma cruzada contra figuras protagonistas do passado, o novo ciclo exige a responsabilização dos que, comprovadamente, agiram ou agem contra os interesses nacionais, naquilo que é a moralização da sociedade, com o fim da impunidade, passo importante no combate à corrupção, decididamente um dos piores males que afectam Angola nos dias de hoje.
Exige-se também o fim da megalomania, quase sempre transformada em elefantes brancos, e um maior realismo e pragmatismo na concepção das políticas e projectos, seja no plano interno, seja no elencar das parcerias internacionais, de que os recentes acordos com a África do Sul são um óptimo exemplo, que vai muito para além da supressão dos vistos de entrada para os cidadãos dos dois países.

Angola | SALÁRIOS PODEM AUMENTAR MAS A INFLAÇÃO DEVORA-OS

O Governo angolano admite aprovar um aumento de 15% nos salários mais baixos, entre outras medidas previstas na proposta de Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2018 com vista a reduzir as assimetrias sociais.

A medida consta da proposta de OGE que o Governo entregou na Assembleia Nacional, referindo o objectivo de “estudar a possibilidade de um ajustamento de 15% do salário nominal, para os funcionários com salários nas categorias mais baixas”.

Em todo o ano de 2017, segundo as projecções governamentais mais recentes, o Governo prevê gastar com vencimentos dos funcionários públicos 1,406 biliões de kwanzas (7,1 mil milhões de euros), valor que segundo a proposta do OGE aumentará para 1.544 biliões de kwanzas (7,8 mil milhões de euros) em 2018.

Além desta medida, a proposta de OGE, que começa a ser discutida no Parlamento a 5 de Janeiro, incorpora outras denominadas “acções de política para a redução das assimetrias sociais e a erradicação da fome”, como a revisão do Imposto sobre o Rendimento do Trabalho, “por forma a reduzir o esforço fiscal das famílias de baixo rendimento, ao mesmo tempo que se ajusta a sua progressividade”.

Também deverá avançar a aplicação de um sistema de afectação directa de rendimento às “famílias em situação de grande debilidade económica e social”, bem como a identificação e execução de acções para “eliminar as ocorrências de fome e de má nutrição, sobretudo nas zonas urbanas periféricas e nas zonas rurais” e a revisão das taxas aduaneiras que incidem sobre bens de primeira necessidade “ou que se demonstre serem mais consumidos pelas famílias de baixo rendimento”.

Na proposta de OGE, cuja votação final no Parlamento deverá acontecer até 15 de Fevereiro, o Governo angolano estima despesas e receitas de 9,685 biliões de kwanzas (49,4 mil milhões de euros) e um crescimento económico de 4,9% do Produto Interno Bruto (PIB).

Trata-se do primeiro OGE que João Lourenço, empossado a 26 de Setembro como terceiro Presidente da República e líder do Governo, leva ao Parlamento, depois de 38 anos de liderança em Angola a cargo de José Eduardo dos Santos.

O salário mínimo angolano por grupos de actividade aumentou em Junho último 10%, em média, o equivalente a 2.000 kwanzas (10 euros) mensais, passando a cifrar-se entre 16.500 e 24.754 kwanzas (84 a 126 euros), muito abaixo da inflação só de 2016.

De acordo com o decreto presidencial 91/17, de 7 de Junho, o salário mínimo nacional referente aos sectores do comércio e da indústria extractiva aumentou para 24.754,95 kwanzas mensais, face aos anteriores 22.504,50 kwanzas (115 euros), fixados há precisamente três anos.

Contudo, devido à crise financeira, económica e cambial que o país atravessa, só entre Janeiro e Dezembro de 2016 a inflação oficial em Angola foi superior a 40%.

O decreto assinado pelo então Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, aumentou ainda o valor do salário mínimo mensal para os sectores dos transportes, dos serviços e das indústrias transformadoras, que estava antes fixado em 18.754,00 kwanzas (95,5 euros) passando para 20.629,13 kwanzas (105 euros).

O mesmo acontece no salário mínimo para o sector da agricultura, que sobe dos anteriores 15.003,00 kwanzas 76,5 euros) para 16.503,30 kwanzas (84 euros).

Impostos com enorme buraco

OGoverno prevê também arrecadar em impostos, em 2017, mais de 2,946 biliões de kwanzas (15 mil milhões de euros), o que representa um buraco superior a 2.300 milhões de euros face ao Orçamento Geral do Estado em vigor.

A previsão reflecte uma quebra nos impostos provenientes do sector não petrolífero, que deverão ascender até final deste ano a 1,243 biliões de kwanzas (6.300 milhões de euros), contra os 1,708 biliões de kwanzas (8.700 milhões de euros) inicialmente previstos.

Em contrapartida, globalmente, o sector petrolífero deverá garantir em 2017 mais de 1,703 biliões de kwanzas (8.688 milhões de euros), de acordo com as projecções de fecho do Governo, que são assim mais optimistas face aos 1,695 biliões de kwanzas (8.648 milhões de euros) inicialmente inscritos no OGE para este ano.

No entanto, as receitas garantidas directamente pela Sociedade Nacional de Combustíveis de Angola (Sonangol), concessionária nacional para o sector petrolífero e que até Novembro último foi liderada pela empresária Isabel dos Santos, deverão ascender em 2017 a 1,088 biliões de kwanzas (5.551 milhões de euros), enquanto no OGE em vigor, preparado pelo Governo anterior, estava prevista uma verba de 1,216 biliões de kwanzas (6.204 milhões de euros).

Globalmente, entre o OGE aprovado há um ano, elaborado pelo Governo de José Eduardo dos Santos, e a projecção de fecho de 2017, feita pelo executivo actualmente liderado por João Lourenço, há uma diferença negativa em 458 mil milhões de kwanzas (2.336 milhões de euros) de impostos arrecadados durante todo o ano.

Na proposta de OGE para 2018, “que incorpora já informação substancial da execução fiscal” de 2017, como reconhece o Governo, mostra-se o mesmo que ficou “abaixo do programado”.

Para o próximo ano, o OGE prevê um cenário de aumento da receita fiscal de 35,4% face ao plano executado e de 20% para a receita prevista no OGE aprovado há um ano.

O Governo prevê assim arrecadar em impostos, durante todo o ano de 2018, mais de 4,139 biliões de kwanzas (21.100 milhões de euros), a quase totalidade das receitas correntes (excepto o endividamento).

Entre estes incluem-se 2,399 biliões de kwanzas (12.200 milhões de euros) de impostos do sector petrolífero, com os direitos da concessionária Sonangol a subirem para 1,538 biliões de kwanzas (7.800 milhões de euros), na mesma previsão do OGE.

Folha 8 com Lusa

A ECONOMIA GLOBAL À ESPERA DE OUTRA CRISE

Sob aparente calmaria, ressurgem condições para nova tempestade: cresce o endividamento e os fluxos de capital são mais voláteis que nunca. Nova onda atingiria em cheio países “em desenvolvimento”

Martin Khor, do South Centre | Outras Palavras | Tradução: Mauro Lopes |

A crise financeira asiática começou há 20 anos, enquanto a crise financeira global e a recessão estouraram nove anos atrás, em 2008. Quando uma nova crise financeira global sobrevier, os países em desenvolvimento serão ainda mais prejudicados do que na última, pois tornaram-se menos resistentes e mais vulneráveis. Eles precisam, portanto, se preparar para o que inevitavelmente virá.

O debate agora é sobre quando a nova crise explodirá.  A maioria dos economistas e comentaristas, entretanto, não raciocina nesses termos; para eles, estamos em meio a uma recuperação econômica, apesar de reconhecidamente fraca, nas economias desenvolvidas.

Na superfície, a atual situação parece bem boa. O mercado de ações dos EUA continua acumulando altas e o chefe do FED (Federal Reserve), o Banco Central americano, afirmou  recentemente que a economia dos EUA é robusta e o nível de crescimento do emprego é muito bom.

Outro dado apontado por eles: houve uma recuperação dos fluxos de capital estrangeiro para as economias emergentes no primeiro semestre de 2017, após dois anos de saídas.

Na última cúpula do G20, em Hamburgo, de 7 a 8 julho, seus líderes  concentraram-se nas mudanças climáticas, comércio e desentendimentos com os Estados Unidos e pareceram complacentes com a condição econômica do mundo; eles não se preocuparam com nenhuma crise iminente.

Mas, abaixo da superfície calma, as águas estão fervendo e se agitando. Como Shakespeare escreveu em Hamlet, “Há algo de podre no reino da Dinamarca”.

Ainda é difícil prever se a crise estourará em breve ou teremos o prolongamento desta “ferveção”; mas o fato é que a economia mundial está em apuros.

Em meio à fraca recuperação da economia global, muitos riscos sérios permanecem, escreveu em 5 de julho Martin Wolf, o principal comentarista financeiro do Financial Times:

“O risco mais provável é um colapso na cooperação global, talvez até mesmo um surto de conflitos”, escreveu. “Isso destruiria a estabilidade da economia mundial da qual todos dependem …”

Ainda segundo Wolf:

Nós, nos países que concentram a rende mundial, permitimos que o sistema financeiro desestabilizasse nossas economias. Em seguida, recusamos o recurso ao estímulo fiscal e monetário para sair rapidamente do mal-estar econômico pós-crise.
Quando uma nova crise financeira global explodir, os países em desenvolvimento serão mais prejudicados do que na última crise, pois se tornaram menos resistentes e mais vulneráveis. Eles precisam, portanto, se preparar para não se surpreenderem.

Nós falhamos e não conseguimos dar respostas às discrepâncias entre as diferentes economias, melhor e pior sucedidas. Isso foi um enorme erro. Agora, na medida em que as economias se recuperam, enfrentamos novos desafios: evitar a explosão da economia mundial, garantindo um crescimento compartilhado e sustentável. Infelizmente, parece que falharemos neste conjunto de desafios.

Uma análise abrangente e aprofundada da situação econômica global e da forma como afeta os países em desenvolvimento foi formulada em um artigo recente do economista-chefe do South Centre de Genebra, Yilmaz Akyuz.

Os EUA e a Europa geriram equivocadamente  as consequências da crise de 2008 com o uso de políticas que terão efeitos muito adversos na maioria dos países em desenvolvimento, de acordo com o documento A crise financeira e o Sul global: impacto e perspectivas(South Centre Research – Paper 76).

Os países em desenvolvimento passaram pela crise de 2008 sem prejuízos maiores devido a certas condições, que já não existem. De lá para cá, entretanto, surgiram nesses países vulnerabilidades novas e perigosas que os expõem a sérios riscos na próxima crise.

Portanto, escreveu Akyuz,  é imperativo que os países em desenvolvimento encarem de frente sua situação precária e atuem para proteger suas economias na medida do possível, para reduzir os efeitos da nova turbulência.

Para Akyuz, a crise pós-2008 transformou-se em uma terceira onda destrutiva para várias economias emergentes depois de ter varrido dos EUA para a Europa. Uma razão central foram as respostas equivocadas dos EUA e da Europa: “Há dois equívocos principais: a relutância em reduzir as dívidas através da reestruturação ordenada e a ortodoxia fiscal”.

Ainda segundo Akyuz:

Isso resultou em uma dependência excessiva da política monetária, com os bancos centrais entrando em águas inexploradas, lançando mão de taxas de juros zero e até negativas e expansão rápida de liquidez através de grandes aquisições de títulos.

Essas políticas não apenas fracassaram em garantir uma recuperação rápida, mas agravaram o hiato da demanda global, aumentando a desigualdade e a fragilidade financeira global ao produzir um crescimento brutal das dívidas e bolhas especulativas. Elas também geraram surtos  deflacionários e desestabilizadores para as economias dos países em desenvolvimento.

Quando surgir uma nova crise, os países em desenvolvimento serão mais atingidos do que em 2008. Sua resiliência aos choques externos está fragilizada devido a três fatores:

Em primeiro lugar, muitas economias dos países em desenvolvimento aprofundaram sua integração ao sistema financeiro internacional, resultando em novas vulnerabilidades e alta exposição a choques externos.

Suas corporações alavancaram suas dívidas desde a crise, chegando a US$ 25 trilhões (95% do total do PIB desses países); e os títulos das dívidas desses países passaram de US$ 500 bilhões em 2008 para US$ 1,25 trilhão em 2016, com incremento nas taxa de juros e risco cambial.

Além disso, a presença estrangeira nos mercados financeiros locais atingiu níveis sem precedentes, aumentando  sua susceptibilidade aos ciclos financeiros globais de expansão/contração.

Em segundo lugar, o saldo da balança de transações corrente e as posições líquidas de ativos estrangeiros de muitos países em desenvolvimento deterioraram-se significativamente desde a crise. Na maioria dos países, as reservas estrangeiras recentes advêm de entradas de capital em vez de excedentes comerciais. Este perfil é inadequado para enfrentar grandes saídas de capital.

Em terceiro lugar, os países agora têm opções de política econômica limitadas para responder a eventos adversos do exterior. Seu “espaço fiscal” para uma resposta da anticíclica aos choques deflacionários é muito mais limitado do que em 2009; eles perderam boa parcela da autonomia em política monetária e o controle sobre as taxas de juros, devido à sua profunda integração financeira global; e os regimes de taxa de câmbio flexível não são panaceia diante de choques financeiros.

“A maioria das economias em desenvolvimento está em uma posição frágil semelhante às décadas de 1970 e 1980, quando os booms nos fluxos de capital e os preços das commodities terminaram com uma crise da dívida depois da reviravolta brusca na política monetária dos EUA, custando-lhes uma década no desenvolvimento”, advertiu Akyuz.

Infelizmente, os países Sul não têm sido efetivos na reflexão sobre esses problemas nem na construção de uma ação coletiva.

São necessárias reformas globais para evitar que as potências transfiram os efeitos de suas políticas equivocadas aos países em desenvolvimento; igualmente, mecanismos globais são necessários para prevenir e gerenciar crises financeiras.

Houve muitas propostas de reforma no passado, mas quase nenhuma ação efetiva, devido à oposição dos países desenvolvidos.

“Agora, os riscos são altos demais para que os países em desenvolvimento continuem a deixar a gestão da economia global para uma ou duas grandes potências econômicas e para as instituições multilaterais que controlam”, concluiu Akyuz.

Se esta análise está correta, a crise que começou em 2008 entrará em território mais perigoso devido a novos fatores que atiçam as chamas neste momento.

As causas fundamentais da crise à frente são conhecidas, mas ainda é desconhecido que  evento específico irá desencadeá-la e inflamar a nova fase da crise, e quando isso acontecerá.

Os países em desenvolvimento terão de fato uma posição menos robusta para enfrenta-la em comparação com a de 2008, por isso deveria haver uma posição menos complacente agora.

Cada país deve analisar seus próprios pontos fortes e fracos, suas vulnerabilidades a choques externos e preparar ações para mitigar antecipadamente a crise, em vez de esperar passivamente que ela, soterrando sua economia.

*Martin Khor é diretor executivo do South Centre, uma organização intergovernamental de países em desenvolvimento, com sede em Genebra. É jornalista, economista e antigo diretor da Third World Network. É ativo nos movimentos da sociedade civil.

Forças especiais dos EUA: por que Washington envia seus melhores soldados à morte?


As forças especiais norte-americanas estão ficando cada vez menos "especiais", já que os estrategistas de Washington estão envolvendo cada vez mais este tipo de forças em quaisquer missões, mesmo as de menor importância.

Pela primeira vez na história, em 2016 as perdas das forças especiais dos EUA superaram as das tropas convencionais; a mesma estatística caracteriza o ano seguinte. Os melhores soldados estadunidenses lutam e morrem muito longe da sua Pátria. A edição russa Lenta.ru estudou como os EUA estão mudando seus métodos de guerra moderna e o que está acontecendo com os soldados norte-americanas mais corajosos.

"Não sabemos com precisão onde estamos presentes no mundo e o que lá fazemos", afirmou o senador Lindsey Graham, coronel norte-americano e membro do Comitê das Forças Armadas, que devia dispor de informações sobre a presença militar dos EUA por todo o mundo.

"Eu não sabia que temos mil soldados no Níger", confessou ele em entrevista à NBC News depois de os terroristas terem morto quatro soldados das forças especiais neste país africano.

Contudo, isso é explicável. De acordo com o Comando Conjunto de Operações Especiais (JSOC) dos EUA, as forças estadunidenses estão presentes em permanência em mais de 80 países do mundo. Elas ajudam a vigiar e eliminar terroristas, a combater o tráfico de drogas e a treinar os militares locais.


"O número do contingente das forças especiais dobrou, os soldados são enviados para missões com mais frequência e por prazos cada vez maiores. Hoje em dia, seu comando inclui quase 70 generais e almirantes, enquanto 10 anos atrás eles eram apenas 9", escreveu ainda em 2013 a funcionária da Rand Corporation, Linda Robinson.

Vale destacar que, em 2001, em várias partes do mundo operavam 2,9 mil soldados de forças especiais dos EUA; no momento, este número corresponde a 8 mil.

Soldados para todas as ocasiões

"É importante entender por que as forças especiais se transformaram de um meio de apoio em protagonistas principais. Assim será mais fácil entender por que os EUA passam dificuldades em suas campanhas militares atuais, no Afeganistão e Iraque, contra o Daesh e Al-Qaeda [duas organizações terroristas proibidas na Rússia e em vários outros países] e suas filiais na Líbia e Iêmen, e nas campanhas não declaradas nos países do Báltico, Polônia e Ucrânia, que não encaixam no modelo de guerra tradicional norte-americano", assinalou em entrevista ao Combating Terrorism Center o ex-chefe do JSOC, Charles Cleveland.

Há muitas vantagens em envolver as forças especiais: o custo de uma missão com sua participação é mais baixo do que enviar um enorme contingente militar. Os soldados deste tipo de forças são mais universais, sendo capazes de eliminar algum terrorista influente ou assegurar o cumprimento de qualquer acordo diplomático temporário entre os lados em confronto.

Além do mais, o envio de forças especiais não provoca um descontentamento público, já que aos conflitos em selvas distantes ou a desertos cheios de jihadistas não são enviados seus vizinhos, que se juntaram ao exército para conseguir um emprego ou formação académica gratuita, mas profissionais que combatem voluntariosamente em destacamentos de elite.

Sendo assim, os resultados dessa realidade são controversos. Os presidentes norte-americanos têm a tentação de resolver qualquer problema militar através do envolvimento de forças especiais a fim de evitar uma intervenção militar e negociar um compromisso político.

Soldados se cansaram

O uso ativo de forças especiais às vezes falha. Por exemplo, no fim de janeiro, durante um ataque contra objetivos da infraestrutura da Al-Qaeda no Iêmen, morreu um dos soldados dos Navy SEALs, a força de operações especiais da Marinha dos EUA, três outros ficaram feridos. Em outubro, quatro soldados norte-americanos morreram em resultado de um ataque terrorista no Níger.

Aparentemente, a eficácia das operações especiais vem diminuindo dramaticamente: desde 2001, os soldados estadunidenses eliminaram milhares de terroristas e seus chefes no Paquistão e Afeganistão, contudo, os talibãs continuam mais fortes do que nunca.

De acordo com os dados do Departamento de Estado, durante os últimos oito anos, apesar de mais de 200 ataques aéreos do JCOS e parcialmente da CIA, as forças da Al-Qaeda na península da Arábia subiu de algumas centenas para quatro mil.

Contudo, a culpa não é das próprias forças especiais, mas sim dos líderes políticos e comandantes de alto escalão, que não conseguem elaborar uma estratégia inteligente de utilização desses soldados de elevado profissionalismo.

Não é a nossa guerra

Por sua vez, a atitude dos norte-americanos comuns perante as tropas mais competentes do país vem mudando também.

"As forças especiais norte-americanas viraram uma espécie de versão da Legião Estrangeira francesa. A força da Legião é que ela é toda composta de estrangeiros. Os parisienses não ficarão preocupados se em algum lugar do mundo morrerem vários legionários, já que eles não são 'dos nossos'. As nossas forças especiais se tornaram em uma força desse tipo", assinalou em entrevista ao VICE um sargento norte-americano de forças especiais pedindo anonimato.

De acordo com ele, as forças especiais atuais dos EUA são percebidas como se fossem um exército composto de estrangeiros. Os cidadãos do país não sentem uma ligação com os combatentes. Por sua vez, os próprios soldados destas tropas não recebem o devido reconhecimento por parte das autoridades e da sociedade.

É difícil que alguma coisa mude no futuro mais próximo. Sendo assim, cedo ou tarde Washington vai ter de encarar a necessidade de reformar suas tropas mais competentes.


Fotos: 1 - Public domain. 2 -  AP PHOTO/ PFC. LANE HISER/ U.S. ARMY.

O DECLÍNIO DO IMPÉRIO MILITAR AMERICANO


Suplantados econômica e cientificamente, EUA preparam-se para reagir no único terreno em que mantêm supremacia. Mas os cenários para uma III Guerra Mundial sugerem: a aposta pode estar furada. O que Pequim tem a ver com isso?

Alfred W. McCoy,  na edição inglesa do Le Monde Diplomatique | em Outras Palavras | Tradução: Maurício Ayer |

Esse texto foi adaptado e expandido a partir do novo livro de Alfred W. McCoyIn the Shadows of the American Century: The Rise and Decline of U.S. Global Power [Nas sombras do século americano: Ascensão e Declílio do Poder Global dos EUA, sem edição em português], Haymarket Books, Chicago, 2017
Nos últimos 50 anos, os governantes norte-americanos estiveram absolutamente confiantes de que poderiam sofrer contratempos militares em lugares como Cuba ou Vietnã sem ter seu sistema de hegemonia global, sustentado pela economia mais rica e o mais sofisticado aparato militar do mundo, afetado. O país era, afinal, a “nação indispensável” do planeta, como a secretária de Estado Madeleine Albright proclamou em 1998 (e outros presidentes e políticos reiteraram desde então). Os EUA gozaram da maior “disparidade de poder” com seus pretensos rivais do que qualquer império que já tenha existido, como anunciou o historiador de Yale, Paul Kennedy, em 2002. Certamente, poderia permanecer como “a única superpotência pelas próximas décadas”, nos assegurou a revista Foreign Affairs no ano passado. Ao longo da campanha de 2016, o candidato Donald Trump prometeu aos seus apoiadores que “nós vamos vencer com força militar… vamos vencer tanto que vocês vão até ficar cansados de vencer”. Em agosto, enquanto anunciava sua decisão de mandar mais tropas ao Afeganistão, Trump asseverou à nação: “A cada geração, enfrentamos o mal, e sempre o superamos”. Neste mundo em rápida mudança, apenas uma coisa era certa: quando era para valer, os Estados Unidos nunca podiam perder.

Não é mais assim.

A Casa Branca de Trump pode ainda estar desfrutando do brilho da supremacia global dos Estados Unidos, mas, do outro lado do condado de Potomac, o Pentágono formou uma visão mais realista de sua decadente superioridade militar. Em junho, o Departamento de Defesa expediu um grande relatório intitulado Avaliação de Riscos em um Mundo Pós-Primazia, opinando que a força militar dos EUA “já não goza de uma posição inatingível em relação a Estados competidores”, e “não é mais capaz de gerar automaticamente uma superioridade militar local sustentável em campo”. Esta avaliação sóbria levou os altos estrategistas do Pentágono à “chocante consciência de que ‘nós podemos perder’”. Cada vez mais, na visão dos planejadores do Pentágono, a “autoimagem de um líder global incomparável” oferece “frágeis fundamentos para uma estratégia de defesa com visão futura… em um contexto de pós-primazia”. Este relatório do Pentágono também alertou que, como a Rússia, a China está “engajada em um deliberado programa para demonstrar os limites da autoridade dos EUA”; veja-se a aposta de Pequim pela “primazia no Pacífico” e sua “campanha para expandir seu controle sobre o Mar da China do Sul”.

O desafio da China

De fato, tensões militares entre os dois países têm crescido no oeste do Pacífico desde o verão de 2010. Da mesma forma que Washington usou sua aliança de guerra com a Grã-Bretanha para se apropriar de muito do poder global daquele império decadente depois da II Guerra Mundial, Pequim começou a usar seus lucros com a exportação para os EUA para financiar o desafio militar ao seu domínio sobre as vias navegáveis da Ásia e do Pacífico.

Alguns números reveladores sugerem que a natureza da futura grande competição por poder entre Washington e Pequim poderá determinar o curso do século 21. Em abril de 2015, por exemplo, o Departamento de Agricultura relatou que a economia dos EUA pode crescer próximo de 50% pelos próximos 15 anos, enquanto a China pode expandir-se 300%, igualando ou superando os Estados Unidos por volta de 2030.
De maneira semelhante, na crucial corrida por patentes globais, a liderança norte-americana em inovação tecnológica está claramente em declínio. Em 2008, os Estados Unidos ainda detinham o segundo lugar atrás do Japão em solicitações de patentes, com 232 mil. A China estava, de todo modo, aproximando-se rapidamente com 195 mil, graças a um explosivo crescimento de 400% desde 2000. Em 2014, a China efetivamente tomou a dianteira nessa categoria crítica com 801 mil patentes, quase a metade do total mundial, comparado com apenas 285 mil para os estadunidenses.

Com a supercomputação agora ocupando um lugar crítico para tudo, desde a quebra de códigos até produtos ao consumidor, o Ministério da Defesa da China superou o Pentágono pela primeira vez em 2010, lançando o supercomputador mais rápido do mundo, o Tianhe-1A. Pequim produziu a máquina mais rápida e no ano passado finalmente venceu de uma maneira que não poderia ser mais crucial: com um supercomputador que tinha chips microprocessadores produzidos na China. A essa altura, o país já tem a maioria dos supercomputadores, com 167 em comparação com 165 dos Estados Unidos e apenas 29 do Japão.

A longo prazo, o sistema de educação estadunidense, essa fonte crítica de futuros cientistas e inovadores, ficará para trás de seus competidores. Em 2012, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico fez exames com meio milhões de adolescentes de 15 anos em todo o mundo. Os de Xangai ficaram em primeiro lugar em matemática e ciência, enquanto os de Massachusetts, “um estado dos EUA de forte desempenho”, ficaram em 20º em ciência e 27º em matemática. Em 2015, a posição estadunidense caiu para 25º em ciência e 39º em matemática.

Mas por que, você pode perguntar, alguém deveria se preocupar com um bando de moleques de 15 anos com mochilas, aparelho nos dentes e cheios de atitude? Porque em 2030 eles serão cientistas e engenheiros em meio de carreira, determinando quais computadores sobreviverão aos ciberataques, os satélites de quem vão escapar de ataques de mísseis, e a economia de quem tem o último lançamento a apresentar.

Estratégias das superpotências rivais

Com seus recursos crescendo, Pequim tem reivindicado um arco de ilhas e águas que vão da Coreia até a Indonésia, região por muito tempo dominada pela Marinha dos EUA. Em agosto de 2010, depois que Washington expressou o “interesse nacional” pelo Mar da China Meridional e conduziu exercícios navais ali para reforçar sua reivindicação, o Global Times de Pequim respondeu com irritação que “a luta livre entre EUA e China sobre o Mar da China Meridional elevou as apostas para se decidir quem será o verdadeiro futuro governante do planeta”.

Quatro anos depois, Pequim ampliou suas reivindicações territoriais sobre essas águas, construiu uma base para submarino nuclear na ilha de Hainan e acelerou a dragagem de sete atóis artificiais para bases militares nas Ilhas Spratly Islands. Quando o Tribunal Permanente de Arbitragem de Haia decidiu, em 2016, que esses atóis não deram nenhum direito a reivindicação territorial das áreas circundantes, o Ministério de Relações Exteriores de Pequim rejeitou a decisão.

Para fazer face ao desafio da China em alto mar, o Pentágono começou a enviar uma série de porta-aviões em cruzeiros de “liberdade de navegação” para o Mar da China Meridional. Também começou a transferir seus equipamentos aéreos e marinhos de reposição para uma linha de bases do Japão até a Austrália, apostando em fortalecer sua posição estratégica ao longo do litoral asiático. Desde o fim da II Guerra Mundial, Washington tentou controlar a estratégica massa de terra eurasiana a partir de uma rede de bases militares da OTAN na Europa e uma cadeia de ilhas como bastiões no Pacífico. Entre as “extremidades axiais” deste vasto continente, Washington construiu, ao longo dos últimos 70 anos, sucessivas camadas de poder militar – bases aéreas e navais durante a Guerra Fria e, mais recentemente, uma linha de 60 bases de drones que se estende da Sicília até Guam.

Simultaneamente, entretanto, a China conduziu o que o Pentágono chamou em 2010 de “abrangente transformação de suas forças militares” voltada a preparar o Exército Popular de Libertação (EPL) “para uma projeção de poder em um território expandido”. Com “o mais ativo programa de mísseis balísticos e de cruzeiro de base terrestre” do mundo, Pequim pode colocar como alvo de “suas forças nucleares amplamente… a maior parte do mundo, inclusive a parte continental dos Estados Unidos”. Enquanto isso, mísseis acurados hoje fornecem ao EPL a capacidade de “atacar navios, inclusive porta-aviões, no oeste do Oceano Pacífico”. Em zonas militares emergentes, a China começou a enfrentar o domínio estadunidense sobre o ciberespaço e o espaço, com plano de dominar “o espectro da informação em todas as dimensões do espaço de batalha moderno”.

O exército da China desenvolveu um sofisticado poder de guerra cibernética por meio de sua Unidade 61398 e empresas aliadas que “cada vez mais focam… em empresas envolvidas na infraestrutura crítica dos Estados Unidos – sua rede de energia elétrica, gasodutos e abastecimento de água”. Depois de identificar essa unidade como responsável por uma série de roubos de propriedade intelectual, Washington assumiu uma medida inédita, em 2013, de entrar com ações criminais contra cinco altos oficiais cibernéticos chineses da ativa.

A China já realizou grandes avanços tecnológicos que poderiam se provar decisivos em qualquer guerra futura contra Washington. Em vez de competir em todos os flancos, Pequim, como muitos que adotaram tardiamente a tecnologia, escolheu estrategicamente áreas chave para perseguir, em particular os satélites orbitais, que são fulcrais para se defender efetivamente no espaço. Já em 2012, a China havia lançado 14 satélites em “três tipos de órbitas” com “mais satélites em alta órbita e… com mais poder anti blindagem do que qualquer outro sistema”. Quatro anos depois, Pequim anunciou que estava a caminho de “cobrir o globo inteiro com uma constelação de 35 satélites até 2020”, ficando atrás apenas dos Estados Unidos no que se refere a sistemas de satélite operacionais.

Brincando de pega-pega, a China recentemente alcançou avanços audaciosos em comunicação segura. Em agosto de 2016, três anos depois de o Pentágono abandonar sua própria tentativa de segurança por satélite em escala completa, Pequim lançou o primeiro satélite quântico do mundo, que transmite fótons, tido como “invulnerável a hackers”, em vez de contar com as ondas de rádio, mais facilmente violáveis. De acordo com um relatório científico, essa nova tecnologia irá “criar uma rede de comunicações supersegura, potencialmente ligando as pessoas em qualquer lugar”. A China estava planejando, conforme reportado, lançar 20 dos satélites caso a tecnologia comprove seu completo sucesso.

Para vigiar a China, Washington está construindo uma nova rede de defesa digital com avançado poder de armas cibernéticas e robótica aeroespacial. Entre 2010 e 2012, o Pentágono estendeu as operações de drones até a exosfera, criando uma arena para as guerras do futuro que não se parece com nada que tenha acontecido antes. Já em 2020, se tudo correr como planejado, o Pentágono irá cobrir-se com um escudo em três camadas de drones não-tripulados cobrindo da estratosfera até a exosfera, armados de mísseis ágeis, ligados por um sistema expandido de satélites e operado por meio de controles robóticos.

Pesando esse equilíbrio de forças, a RAND Corporation recentemente publicou um estudo, War with China [Guerra com a China], prevendoque até 2025 “a China provavelmente terá mais e melhores armas e maior  número de mísseis, como mísseis balísticos e de cruzeiro; defesas aéreas avançadas; caças de última geração; submarinos mais discretos; mais e melhores sensores; comunicações digitais, poder de processamento e C2 [segurança cibernética] necessários para operar uma integrada cadeia da morte”.

No caso de uma guerra total, sugeriu a RAND, os Estados Unidos devem sofrer pesadas perdas em seus porta-aviões, submarinos, mísseis e aviões das forças estratégicas chinesas, enquanto seus sistemas de computadores e de satélites seriam deteriorados graças ao “aprimorado poder chinês para a guerra cibernética e ASAT [antisatélite]”. Embora as forças estadunidenses pudessem contra-atacar, sua “crescente vulnerabilidade” tem como consequência que a vitória de Washington não estaria assegurada. Em um conflito como este, concluiu o think tank, pode muito bem não haver um “claro vencedor”.

Não se engane quanto ao peso dessas palavras. Pela primeira vez, um dois principais think tanks estratégicos, muito alinhado com as forças militares dos EUA e há muito tempo famoso pela influência de suas análises estratégicas, vislumbrou seriamente uma grande guerra com a China que os Estados Unidos poderiam não vencer.

Terceira Guerra Mundial: cenário 2030

A tecnologia da guerra espacial e cibernética é tão nova, ainda não testada, que mesmo os cenários mais estranhos atualmente imaginados pelos planejadores estratégicos podem logo ser superados por uma realidade ainda difícil de conceber. Em um exercício de guerra nuclear em 2015, o Air Force Wargaming Institute usou uma sofisticada modelagem computadorizada para imaginar “um cenário de 2030 em que a frota de B-52 da Força Aérea era… atualizada com… armas aprimoradas” para patrulhar os céus prontos para atacar. Simultaneamente, “mísseis balísticos intercontinentais novinhos” estão prontos para serem lançados. Então, em uma arrojada jogada tática, bombardeiros B-1 atualizados com “Estações de Batalha Integradas (IBS) completas” deslizam sobre as defesas inimigas para devastadores ataques nucleares.

Esse cenário era sem dúvida útil para os planejadores das Forças Armadas, mas diziam pouco sobre o verdadeiro futuro do poder global dos EUA. De modo similar, o estudo da RAND War with Chinaapenas comparou os poderes militares, sem avaliar as estratégias específicas que cada lado poderia usar em seu benefício.

Eu posso não ter acesso à modelagem computadorizada do Wargaming Institute ou aos renomados recursos analíticos da RAND, mas eu posso pelo menos levar o trabalho deles um passo adiante imaginando um futuro conflito com um resultado desfavorável para os Estados Unidos. Como potência global ainda dominante, Washington deverá espalhar suas defesas por todos os domínios militares, tornando sua força, paradoxalmente, uma fonte de potencial fraqueza. Como desafiante, a China tem a vantagem assimétrica de identificar e explorar algumas falhas estratégicas na globalmente esmagadora superioridade militar de Washington.

Por anos, proeminentes intelectuais chineses da defesa, como Shen Dingli da Universidade de Fudan, rejeitaram a ideia de se contrapor aos EUA com  grande acúmulo de força naval e argumentaram em vez disso a favor de “ciberataques, armas espaciais, lasers, pulsos e outros feixes de energia direcionada”. Em vez de correr para lançar porta-aviões que “serão queimados” por lasers atirados do espaço, a China deveria, segundo Shen, desenvolver armas avançadas “para fazer outros sistemas de comando falharem”. Embora décadas distante de equiparar todo o poder das forças militares globais de Washington, a China poderia, combinando guerra cibernética, guerra espacial e supercomputadores, encontrar maneiras de debilitar as comunicações militares dos EUA e então cegar suas forças estratégicas. Com isso em mente, eis aqui um cenário possível para a III Guerra Mundial:

São 11:59 da noite, na quinta-feira de Ação de Graças em 2030. Por meses, as tensões cresceram entre as patrulhas chinesas e da Marinha estadunidense no Mar da China Meridional. As tentativas de Washington de usar a diplomacia para refrear a China mostraram-se um vergonhoso fracasso entre aliados de longa data – com a OTAN debilitada por anos de apoio hesitante dos EUA, o Reino Unido, agora uma potência de terceiro nível, o Japão com uma neutralidade funcional e outros líderes internacionais frios em relação às preocupações de Washington após sofrer por muito tempo com sua ciber-vigilância. Com a economia estadunidense diminuída, Washington joga sua última carta de uma mão cada vez mais fraca, deslocando seis de seus oito grupos de porta-aviões restantes para o Pacífico Ocidental.

Em vez de intimidar os líderes chineses, esses movimentos tornam-nos mais belicosos. Voando a partir de suas bases nas Ilhas Spratly, seus caças logo começam a zumbir sobre os navios da Marinha estadunidense no Mar da China Meridional, enquanto as fragatas chinesas provocam dois dos porta-aviões em patrulha, cruzando cada vez mais perto das suas miras.

Então explode a tragédia. Às 4 horas, numa madrugada enevoada de outubro, o porta-aviões gigante USS Gerald Ford picota a velha Fragata 536 Xuchang, afundando o navio chinês com todos os seus 165 tripulantes. Pequim exige desculpas e reparações. Quando Washington recusa, a fúria da China vem rápido.

Ao bater a meia-noite da Black Friday, quando os ciber-compradores invadem os portais da Best Buy em busca dos fortes descontos nos últimos eletrônicos produzidos em Bangladesh, a equipe da Marinha do Telescópio de Vigilância Espacial em Exmouth, na Austrália Ocidental, entra em choque. Suas telas panorâmicas do céu do sul repentinamente ficam pretas. A milhares de quilômetros dali, no centro de operações do CiberComando dos EUA, no Texas, técnicos das Forças Aéreas detectam códigos binários maliciosos que, embora inseridos anonimamente nos sistemas de armas estadunideneses em todo o mundo, mostram as digitais que identificam o Exército Popular de Libertação da China.

Naquela que os historiadores chamarão de “Batalha dos Binários”, computadores da CyberCom lançam seus contracódigos matadores. Enquanto alguns dos servidores provinciais da China perdem dados administrativos de rotina, o sistema de satélite quântico de Pequim, equipado com a supersegura transmissão por fótons, se mostra impermeável aos hackers. Enquanto isso, uma armada de supercomputadores maiores e mais rápidos subordinados à Unidade 61398 de armamento cibernético de Xangai explode de volta com logaritmos impenetráveis de inédita sutileza e sofisticação, infiltrando-se no sistema de satélites dos EUA por meio de seus antiquados sinais de micro-ondas.

O primeiro ataque aberto é tal que ninguém no Pentágono havia previsto. Voando a 20 mil metros acima do Mar da China Meridional, inúmeros drones MQ-25 Stingray baseados em porta-aviões dos EUA, infectados por malware chineses, de repente disparam todos os seus projéteis sob sua enorme envergadura em delta, enviando dezenas de mísseis letais para mergulhar inofensivamente no oceano, efetivamente desarmando esses armamentos formidáveis.

Determinada a combater fogo com fogo, a Casa Branca autoriza um ataque em retaliação. Confiante que seu sistema de satélites é impenetrável, os comandantes das Forças Aéreas na Califórnia transmitem códigos robóticos a uma flotilha de drones espaciais X-37B, orbitando a 400 quilômetros acima da Terra, para lançar seus mísseis Triplo-Exterminadores em muitos satélites de comunicação da China. A resposta é zero.

Quase em pânico, a Marinha ordena seus destróieres classe Zumwalt a atirar seus mísseis mortais RIM-174 em sete satélites chineses em órbitas geoestacionárias próximas. Os códigos de lançamento de repente se mostram inoperantes.

Enquanto os vírus de Pequim se espalham descontroladamente através da arquitetura de satélites dos EUA, os supercomputadores de segunda-classe do país não conseguem quebrar os códigos diabolicamente complexos dos malware chineses. Com velocidade assombrosa, os sinais de GPS, cruciais para a navegação dos navios e aviões estadunidenses em todo o mundo ficam comprometidos.

Através do Pacífico, oficiais de convés da Marinha se atropelam atrás de seus sextantes, lutando para relembrar as velhas aulas de navegação de Annapolis. Guiando-se pelo sol e pelas estrelas, esquadrões de porta-aviões abandonam suas estações próximas à costa da China e rumam a vapor para a segurança do Havaí.

Um furioso presidente estadunidense ordena um ataque de retaliação em um alvo chinês secundário, a Base Naval de Longpo na ilha de Hainan. Dentro de minutos, o comandante da Base Aérea Andersen em Guam lança uma bateria de supersecretos mísseis hipersônicos X-51 “Surfista” que se elevam a 25 mil metros e então viajam através do Pacífico a 6.400 quilômetros por hora — muito mais rápido do que qualquer míssil de guerra ou ar-contra-ar chinês. Dentro da Sala de Crise de Casa Branca o silêncio é sufocante enquanto todos fazem a contagem regressiva de 30 curtos minutos antes que as ogivas nucleares táticas choquem-se com os rígidos submarinos de Longpo, encerrando as operações navais chinesas no Mar da China Meridional. Em meio ao voo, os mísseis inopinadamente mergulham seus narizes no Pacífico.

Em um bunker enterrado profundamente sob a praça Tiananmen, o sucessor do presidente Xi Jinping, escolhido a dedo, Li Keqiang, ainda mais nacionalista que o seu mentor, está indignado que Washington tenha tentado um ataque nuclear tático ao território chinês. Quando o Conselho de Estado da China vacila ao pensamento de uma guerra aberta, o presidente cita o antigo estrategista Sun Tzu: “Os guerreiros vitoriosos vencem primeiro e depois vão à guerra, enquanto os guerreiros derrotados vão à guerra primeiro e depois buscam a vitória”. Entre o aplauso e o riso, o voto é unânime. É guerra!

Quase imediatamente, Pequim escala de ciberataques secretos para ações abertas. Dezenas de mísseis chineses SC-19 de última geração decolam para ataques em satélites de comunicação chave dos EUA, obtendo um alto índice de mortes cinéticas nessas desajeitadas unidades. Bruscamente, Washington perde comunicação segura com centenas de bases militares. As esquadras de guerra dos EUA em todo o mundo estão no solo. Dezenas de pilotos de F-35 que já estão no ar são cegados quando a tela de seus capacetes equipados com visores aviônicos fica escura, forçando-os a descer a 3 mil metros para ter uma visão clara da terra. Sem navegação eletrônica, eles precisam seguir as rodovias e os marcos terrestres de volta às suas bases como motoristas de ônibus nos céus.

Em meio ao voo de patrulhas regulares ao redor do continente eurasiano, duas dúzias de drones de vigilância RQ-180 repentinamente deixam de responder aos comandos transmitidos por satélite. Eles voam sem objetivo na direção do horizonte e se destroem quando acaba o combustível. Com surpreendente rapidez, os Estados Unidos perdem controle daquilo que sua Força Aérea durante muito tempo chamou de “alto solo definitivo”.

Com a inteligência inundando o Kremlin de informações sobre a debilidade do poder estadunidense, Moscou, ainda um aliado próximo dos chineses, envia uma dúzia de submarinos nucleares classe Severodvinsk através do Círculo Ártico para patrulhas provocativas permanentes entre Nova York e Newport News. Simultaneamente, meia-dúzia de fragatas de mísseis classe Grigorovich da frota russa do Mar Negro, acompanhadas de um número não revelado de submarinos de ataque, dirigem-se ao Mediterrâneo ocidental para fazer sombra à Sexta Frota dos EUA.

Dentro de horas, o aperto estratégico de Washington nas extremidades axiais da Eurásia — a pedra de toque de seu domínio global pelos últimos 85 anos — está quebrado. Em rápida sucessão, os tijolos da frágil arquitetura do poder global dos EUA começa a cair.

Cada arma gera sua própria nêmesis. Exatamente como os mosqueteiros suplantaram os cavaleiros montados, os tanques destruíram as trincheiras e os bombardeiros de mergulho afundaram os navios de guerra, o superior poder cibernético da China cegou os satélites de comunicação estadunidenses que eram os nervos de um aparato militar outrora formidável, dando a Pequim uma assombrosa vitória nessa guerra de robótica militar. Sem uma única vítima de combate em nenhum dos lados, a superpotência que havia dominado o planeta por quase um século é derrotada na III Guerra Mundial.

* Alfred W. McCoy é historiador norte-americano e atual professor de História no Centro para Estudos do Sudoeste Asiático, na Universidade de Wisconsi, Madison. Pesquisa e escreve principalmente sobre a história das Filipinas e o comércio de heroína e ópio no Triângulo Dourado. Seu livro "A Política da Heroína no Sudeste Asiático" foi um marco documentando as interações entre a CIA e os cartéis de droga na região.

PORTUGAL | A morte de um empresário


Alfredo Maia | AbrilAbril | opinião |

Os obituários, em geral, e os grandes destaques, em particular, são espécies que justificam estudos e reflexões sobre as opções e práticas jornalísticas. Não apenas pelo que retêm e cristalizam dos aspectos conhecidos ou ignorados da biografia dos defuntos, mas também pelo consenso que constroem sobre boa parte das figuras desaparecidas e, sobretudo, pela glorificação em que redundam, por vezes, os registos editoriais, num exercício de independência no fio da navalha.

Por exemplo, a morte recente do empresário Belmiro de Azevedo, que ocupou em pleno os noticiários aos audiovisuais e dos meios de informação em linha de 29 e 30 de Novembro, bem como foi assunto principal dos jornais deste último dia, constitui um interessante caso que seria útil analisar com detalhe crítico – tarefa que não cabe neste artigo, nem a tal se propõe, mas que se sugere a académicos.

Um voo rasante sobre o conteúdo, os ângulos de abordagem e os qualificativos evidenciam, em geral, uma atitude encomiástica e uma dificuldade de descomprometido distanciamento dos media.

Não está em causa a relevância da personagem, inegável na história económica, social, política e cultural do país, assim como é inegável que o acontecimento teria de ser forçosamente notícia. A pergunta legítima consiste em saber se houve exagero no espaço e no «tom»…

Os jornais impressos, por exemplo. Os diários generalistas nacionais não regatearam as honras de primeira página com grandes destaques – a totalidade da mancha impressa, no caso do Público; cerca de 75% no caso do i; 60% no do Jornal de Notícias; 36% no do Correio da Manhã; e 34% no do Diário de Notícias.

Também não foram parcos em páginas noticiosas – 18 no Público, nove no JN, seis no i e quatro no DN e no CM (embora, nestes últimos, com um anúncio numa delas). Justificava-se? Pelo menos o facto de todos eles publicarem editorais (ou artigos de opinião do diretor ou de um adjunto) avaliza a importância transcendente conferida ao acontecimento.

É comum ouvir-se que, quando morre alguém, a imprensa não diz senão bem, ou pelo menos é comedida nas críticas, ou adia-as para outras oportunidades. Terá o vulgo razão? Em 57 peças (incluindo editoriais e artigos de opinião/depoimentos solicitados a personalidades), 38 citações/frases no discurso directo, seleccionadas de declarações antigas do próprio Belmiro de Azevedo, e 34 extraídas de reacções de personalidades, são raríssimas as expressões menos favoráveis.

O JN menciona a queixa de «desrespeito» do falecido em relação à viúva do banqueiro Pinto de Magalhães. O Público acrescentou, citando-a, naquela que é a única crítica em todas as peças publicadas nos cinco diários: «É uma pessoa dura, não tem coração». Ainda o JN menciona um reparo de um ex-eleito na freguesia natal do empresário ao que poderia ter feito pela terra e não fez. Já o CM inseriu, na sua selecção de frases do próprio: «Se não for a mão-de-obra barata, não há emprego para ninguém». E ficamos por aqui.

O consenso editorial em torno da figura segue em abundância de encómios e elogiosas referências ao percurso, ao carácter, à determinação, à coragem, às virtudes, tudo bem temperado de adjectivos e virtudes do empresário – «Mais do que um empresário, Belmiro foi um exemplo de exigência permanente, um homem livre e corajoso, amigo do risco, da disciplina interior, da educação pela vida fora, da "ética rigorosa"», escreve o Público – um dos mais ricos do país, digno de figurar no catálogo obsceno de fortunas da Forbes.

Na glorificação mediática do empresário («O maior empresário português no pós-25 de Abril», disse Daniel Bessa, no Público), assinale-se o singular destaque para a sua sobranceira relação com «os políticos», a que os mediapreferiram chamar «coragem» e «independência», como se tal «independência» não residisse de facto de estar, precisamente, no topo do poder económico.

«Belmiro de Azevedo/O Empresário que desafiou os políticos», titula o DN na primeira página, abrindo a peça principal, no interior, com este título «Belmiro de Azevedo: o empresário que reprovou todos os governantes». Os políticos, cita dele o JN, «falam do que não sabem, do que não tem a ver com a realidade e prometem o que não podem cumprir», pois «a sua postura na política foi sempre de "contrapoder", como fazia questão de assumir».

Ao longo dos textos, emerge a colecção de ditos caricaturizantes, alguns mesquinhos, de Belmiro sobre personalidades da vida política, incluindo o actual Presidente da República – que aliás não lhe poupou rasgadas loas –, como quem fixa na memória dos leitores uma espécie de herói que até ousou pôr na ordem os deputados da nação, «obrigando-os» a madrugarem em certa manhã parlamentar e a recebê-lo às 8 horas em comissão.

Se algum dia for realizado um estudo rigoroso, ou alguma reflexão aprofundada, sobre os obituários em geral e os destaques dos media à morte de poderosos, talvez compreendamos melhor essa espécie de fascínio pelo poder económico e um certo desdém por essa realidade democrática a que tantas vezes se referem como «os políticos»…  

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