terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Angola | PARA UM BALANÇO NECESSÁRIO!


Martinho Júnior | Luanda | 

Alguns de “nova geração” julgam que antes de 1985 não havia esforços de luta pela ética, pelo rigor, nem havia todavia combate à corrupção, esquecendo-se que para se construir socialismo o grau de exigência é maior, por que tem de haver coerência histórica e dialética face aos desafios que são encarados de outra maneira, mas tornam-se bem identificáveis e claros, por que implicaram deveres e práticas revolucionárias clarividentes, lúcidas e constantes!...

Em socialismo tem de haver coerência em relação à construção da própria sociedade, quando das palavras obrigatoriamente se tinha de passar aos actos e quando “de peito feito”, por via da situação continuada da luta contra o “apartheid”, se exclamava alto e bom som que “o mais importante é resolver os problemas do povo”, “Angola é trincheira firme da revolução em África” e “na Namíbia, no Zimbabwe e na África do Sul está a continuação da nossa luta”!...

Aqueles que alimentaram substantivamente essa trilha foram muitos deles politicamente "trucidados" e assim desapareceu o Partido do Trabalho, alterou-se profundamente para pior o carácter da Segurança do Estado e, em Bicesse, finalmente pôs-se fim às gloriosas FAPLA, provavelmente por que o Comandante-em-Chefe de então não fez parte do grupo de Comandantes que assinaram, no seguimento da Conferência de Lusaka, a sua proclamação!...

Foi não só Savimbi que ganhou imenso espaço nas disputas que então surgiram sobre as áreas diamantíferas, a ponto de poder levar a cabo a "somalização" de Angola durante dez sangrentos anos, a ponto de fazer surgir um contraditório “contra-natura”, entre os que se barricavam para fazer a inesperada guerra nos rendimentos do petróleo, contra ele que se barricava nos rendimentos dos diamantes, mas ganhou espaço também o clube dos umbigos grandes de outros, auto apelidando-se como os 100 (novos) "ricos", por que perdendo-se os aliados históricos do movimento de libertação em África (à excepção de Cuba), após Bicesse se escancararam as portas de Angola ao capitalismo neoliberal que estimulou a barbárie nas relações humanas, culminando com a terapia que está identificável e visível país fora, tornando a especulação e a corrupção num cancro dilacerante, bárbaro e continuado que parece não ter fim!...

A desvalorização, ou mesmo o pendente colapso da moeda angolana, está intimamente associado a isso, quando se retira o Kwanza da produção nacional, do trabalho, dos circuitos económicos mais florescentes, da indexação dele ao padrão ouro, para colocá-lo nos espaços dum simples papel-moeda inscrito na sua própria especulação, nos nocivos tráficos de variada natureza (de moeda, de diamantes, de droga…), na posse de quem alimenta compadrio, corrupção, ingerência e manipulação, como mercenários agentes de interesses externos a Angola e como sempre ávidos de rapina!...

Sempre considerei que pessoas com essa apetência são a outra face da mesmíssima moeda que motivava os “revolucionários da ocasião”, cujo espectro de mobilização se estendia a franjas de algumas sensibilidades sócio-políticas correntes!

…De facto o primeiro acto de corrupção tem que ver com o fim das potencialidades socialistas, para que nascesse um capitalismo cujo única e irremediável desembocadura é a “crise que estamos com ela”, ela própria espelho dos parâmetros da crise global contemporânea!

Que é feito dos "trucidados" de então?...

Por que mesmo dando “oficial e eleitoralmente” inicio à luta contra a corrupção, até agora se tem sido incapaz de reconhecer os que, sendo parte integrante da história do MPLA, estando alguns deles vivos, foram "trucidados" apenas por que procuraram ser patriotas dignos, íntegros, incorruptíveis e fieis?...

Acaso se acha que este assunto deva continuar a ser tabu, não deva ser levantado, a fim de não quebrar unidade e coesão?...

Acaso se acha que o aparente silêncio de muitos desses vivos que atravessaram desertos de mais de 30 anos, não teve em conta a necessidade de se cultivar paz, identidade nacional, unidade e coesão?

Se assim for que paz, unidade e coesão se pretende e até onde irá de facto a luta contra a corrupção?

Ficar-se-á a solução pela folhagem, passará para o tronco, alcançará as raízes equacionadas dos problemas?

Apesar das muitas perguntas intensas que se têm de fazer, próprias das consciências incomodadas com os processos antropológicos e históricos contemporâneos numa África subdesenvolvida e ultraperiférica em relação ao sistema económico globalizado, não há que conceder mais espaço aos acomodados da terapia neoliberal, aos processos de assimilação por eles cultivados em benefício de ingerências e manipulações vindas de fora!...

Que tudo isso se faça de acordo com a pedagogia que patriota algum pode subverter: “de Cabinda ao Cunene e do mar ao leste, um só povo, uma só nação”!

Martinho Júnior - Luanda, 15 de Dezembro de 2017

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