Suplantados
econômica e cientificamente, EUA preparam-se para reagir no único terreno em
que mantêm supremacia. Mas os cenários para uma III Guerra Mundial sugerem: a
aposta pode estar furada. O que Pequim tem a ver com isso?
Alfred
W. McCoy, na edição inglesa do Le
Monde Diplomatique | em Outras Palavras | Tradução: Maurício Ayer
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Esse texto foi adaptado e expandido a partir do novo livro de Alfred W. McCoy, In the Shadows of the American Century: The Rise and Decline of U.S. Global Power [Nas sombras do século americano: Ascensão e Declílio do Poder Global dos EUA, sem edição em português], Haymarket Books, Chicago, 2017
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Esse texto foi adaptado e expandido a partir do novo livro de Alfred W. McCoy, In the Shadows of the American Century: The Rise and Decline of U.S. Global Power [Nas sombras do século americano: Ascensão e Declílio do Poder Global dos EUA, sem edição em português], Haymarket Books, Chicago, 2017
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Nos
últimos 50 anos, os governantes norte-americanos estiveram absolutamente
confiantes de que poderiam sofrer contratempos militares em lugares como Cuba
ou Vietnã sem ter seu sistema de hegemonia global, sustentado pela economia
mais rica e o mais sofisticado aparato militar do mundo, afetado. O país era,
afinal, a “nação indispensável” do planeta, como a secretária de Estado
Madeleine Albright proclamou em
1998 (e outros presidentes e políticos reiteraram desde então). Os EUA gozaram
da maior “disparidade de poder” com seus pretensos rivais do que qualquer
império que já tenha existido, como anunciou o historiador de Yale, Paul Kennedy, em 2002.
Certamente, poderia permanecer como “a única superpotência pelas próximas
décadas”, nos assegurou a revista Foreign Affairs no ano
passado. Ao longo da campanha de 2016, o candidato Donald Trump prometeu aos seus apoiadores que “nós vamos vencer com
força militar… vamos vencer tanto que vocês vão até ficar cansados de vencer”.
Em agosto, enquanto anunciava sua decisão de mandar mais tropas ao Afeganistão,
Trump asseverou à nação: “A cada geração, enfrentamos o mal,
e sempre o superamos”. Neste mundo em rápida mudança, apenas uma coisa era
certa: quando era para valer, os Estados Unidos nunca podiam perder.
Não
é mais assim.
A
Casa Branca de Trump pode ainda estar desfrutando do brilho da supremacia
global dos Estados Unidos, mas, do outro lado do condado de Potomac, o
Pentágono formou uma visão mais realista de sua decadente superioridade
militar. Em junho, o Departamento de Defesa expediu um grande
relatório intitulado Avaliação de Riscos em um Mundo Pós-Primazia,
opinando que a força militar dos EUA “já não goza de uma posição inatingível em
relação a Estados competidores”, e “não é mais capaz de gerar automaticamente
uma superioridade militar local sustentável em campo”. Esta avaliação sóbria
levou os altos estrategistas do Pentágono à “chocante consciência de que ‘nós
podemos perder’”. Cada vez mais, na visão dos planejadores do Pentágono, a
“autoimagem de um líder global incomparável” oferece “frágeis fundamentos para
uma estratégia de defesa com visão futura… em um contexto de pós-primazia”.
Este relatório do Pentágono também alertou que, como a Rússia, a China está
“engajada em um deliberado programa para demonstrar os limites da autoridade
dos EUA”; veja-se a aposta de Pequim pela “primazia no Pacífico” e sua
“campanha para expandir seu controle sobre o Mar da China do Sul”.
O
desafio da China
De
fato, tensões militares entre os dois países têm crescido no oeste do Pacífico
desde o verão de 2010. Da mesma forma que Washington usou sua aliança de guerra
com a Grã-Bretanha para se apropriar de muito do poder global daquele império
decadente depois da II Guerra Mundial, Pequim começou a usar seus lucros com a
exportação para os EUA para financiar o desafio militar ao seu domínio sobre as
vias navegáveis da Ásia e do Pacífico.
Alguns
números reveladores sugerem que a natureza da futura grande competição por
poder entre Washington e Pequim poderá determinar o curso do século 21. Em
abril de 2015, por exemplo, o Departamento de Agricultura relatou que
a economia dos EUA pode crescer próximo de 50% pelos próximos 15 anos, enquanto
a China pode expandir-se 300%, igualando ou superando os Estados Unidos por
volta de 2030.
De
maneira semelhante, na crucial corrida por patentes globais, a liderança
norte-americana em inovação tecnológica está claramente em declínio. Em 2008,
os Estados Unidos ainda detinham o segundo lugar atrás do Japão em solicitações
de patentes, com 232 mil. A China estava, de todo modo, aproximando-se rapidamente
com 195 mil, graças a um explosivo crescimento de 400% desde 2000. Em 2014, a
China efetivamente tomou a dianteira nessa categoria crítica com 801 mil
patentes, quase a metade do total mundial, comparado com apenas 285 mil para os
estadunidenses.
Com
a supercomputação agora ocupando um lugar crítico para tudo, desde a quebra de
códigos até produtos ao consumidor, o Ministério da Defesa da China superou o Pentágono pela primeira vez em 2010,
lançando o supercomputador mais rápido do mundo, o Tianhe-1A. Pequim produziu a
máquina mais rápida e no ano passado finalmente venceu de uma maneira que não poderia ser mais
crucial: com um supercomputador que tinha chips microprocessadores produzidos
na China. A essa altura, o país já tem a maioria dos supercomputadores, com 167
em comparação com 165 dos Estados Unidos e apenas 29 do Japão.
A
longo prazo, o sistema de educação estadunidense, essa fonte crítica de futuros
cientistas e inovadores, ficará para trás de seus competidores. Em 2012, a
Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico fez exames com meio
milhões de adolescentes de 15 anos em todo o mundo. Os de Xangai ficaram em primeiro lugar em matemática e ciência,
enquanto os de Massachusetts, “um estado dos EUA de forte desempenho”, ficaram
em 20º em ciência e 27º em matemática. Em 2015, a posição estadunidense caiu para 25º em ciência e 39º em matemática.
Mas
por que, você pode perguntar, alguém deveria se preocupar com um bando de
moleques de 15 anos com mochilas, aparelho nos dentes e cheios de atitude?
Porque em 2030 eles serão cientistas e engenheiros em meio de carreira,
determinando quais computadores sobreviverão aos ciberataques, os satélites de
quem vão escapar de ataques de mísseis, e a economia de quem tem o último
lançamento a apresentar.
Estratégias
das superpotências rivais
Com
seus recursos crescendo, Pequim tem reivindicado um arco de ilhas e águas que
vão da Coreia até a Indonésia, região por muito tempo dominada pela Marinha dos
EUA. Em agosto de 2010, depois que Washington expressou o “interesse nacional”
pelo Mar da China Meridional e conduziu exercícios navais ali para reforçar sua
reivindicação, o Global Times de Pequim respondeu com irritação que “a luta livre entre EUA e
China sobre o Mar da China Meridional elevou as apostas para se decidir quem
será o verdadeiro futuro governante do planeta”.
Quatro
anos depois, Pequim ampliou suas reivindicações territoriais sobre essas
águas, construiu uma base para submarino nuclear na ilha de
Hainan e acelerou a dragagem de sete atóis artificiais para
bases militares nas Ilhas Spratly Islands. Quando o Tribunal Permanente de
Arbitragem de Haia decidiu,
em 2016, que esses atóis não deram nenhum direito a reivindicação territorial
das áreas circundantes, o Ministério de Relações Exteriores de Pequim rejeitou a decisão.
Para
fazer face ao desafio da China em alto mar, o Pentágono começou a enviar uma série de porta-aviões em cruzeiros de
“liberdade de navegação” para o Mar da China Meridional. Também começou a
transferir seus equipamentos aéreos e marinhos de reposição para uma linha de
bases do Japão até a Austrália, apostando em fortalecer sua posição estratégica
ao longo do litoral asiático. Desde o fim da II Guerra Mundial, Washington
tentou controlar a estratégica massa de terra eurasiana a partir de uma rede de
bases militares da OTAN na Europa e uma cadeia de ilhas como bastiões no
Pacífico. Entre as “extremidades
axiais” deste vasto continente, Washington construiu, ao longo dos últimos
70 anos, sucessivas camadas de poder militar – bases aéreas e navais
durante a Guerra Fria e, mais recentemente, uma linha de 60 bases de drones que
se estende da Sicília até Guam.
Simultaneamente,
entretanto, a China conduziu o que o Pentágono chamou em 2010 de “abrangente
transformação de suas forças militares” voltada a preparar o Exército Popular
de Libertação (EPL) “para uma projeção de poder em um território expandido”.
Com “o mais ativo programa de mísseis balísticos e de cruzeiro de base
terrestre” do mundo, Pequim pode colocar como alvo de “suas forças nucleares
amplamente… a maior parte do mundo, inclusive a parte continental dos Estados
Unidos”. Enquanto isso, mísseis acurados hoje fornecem ao EPL a capacidade de
“atacar navios, inclusive porta-aviões, no oeste do Oceano Pacífico”. Em zonas
militares emergentes, a China começou a enfrentar o domínio estadunidense sobre
o ciberespaço e o espaço, com plano de dominar “o espectro da informação em
todas as dimensões do espaço de batalha moderno”.
O
exército da China desenvolveu um sofisticado poder de guerra cibernética por meio de sua Unidade
61398 e empresas aliadas que “cada vez mais focam… em empresas envolvidas na
infraestrutura crítica dos Estados Unidos – sua rede de energia elétrica,
gasodutos e abastecimento de água”. Depois de identificar essa unidade como
responsável por uma série de roubos de propriedade intelectual, Washington
assumiu uma medida inédita, em 2013, de entrar com ações criminais contra cinco
altos oficiais cibernéticos chineses da ativa.
A
China já realizou grandes avanços tecnológicos que poderiam se provar decisivos
em qualquer guerra futura contra Washington. Em vez de competir em todos os
flancos, Pequim, como muitos que adotaram tardiamente a tecnologia, escolheu
estrategicamente áreas chave para perseguir, em particular os satélites
orbitais, que são fulcrais para se defender efetivamente no espaço. Já em 2012,
a China havia lançado 14 satélites em “três tipos de órbitas” com “mais
satélites em alta órbita e… com mais poder anti blindagem do que qualquer
outro sistema”. Quatro anos depois, Pequim anunciou que estava a caminho de “cobrir o globo
inteiro com uma constelação de 35 satélites até 2020”, ficando atrás apenas dos
Estados Unidos no que se refere a sistemas de satélite operacionais.
Brincando
de pega-pega, a China recentemente alcançou avanços audaciosos em comunicação
segura. Em agosto de 2016, três anos depois de o Pentágono abandonar sua
própria tentativa de segurança por satélite em escala completa, Pequim lançou o primeiro satélite quântico do mundo, que
transmite fótons, tido como “invulnerável a hackers”, em vez de contar com as
ondas de rádio, mais facilmente violáveis. De acordo com um relatório científico, essa nova tecnologia irá “criar
uma rede de comunicações supersegura, potencialmente ligando as pessoas em
qualquer lugar”. A China estava planejando, conforme reportado, lançar 20 dos
satélites caso a tecnologia comprove seu completo sucesso.
Para
vigiar a China, Washington está construindo uma nova rede de defesa digital com
avançado poder de armas cibernéticas e robótica aeroespacial. Entre 2010 e
2012, o Pentágono estendeu as operações de drones até a exosfera, criando uma
arena para as guerras do futuro que não se parece com nada que tenha acontecido
antes. Já em 2020, se tudo correr como planejado, o Pentágono irá cobrir-se com
um escudo
em três camadas de drones não-tripulados cobrindo da estratosfera até
a exosfera, armados de mísseis ágeis, ligados por um sistema expandido de
satélites e operado por meio de controles robóticos.
Pesando
esse equilíbrio de forças, a RAND Corporation recentemente publicou um
estudo, War with China [Guerra com a China], prevendoque até 2025 “a China provavelmente terá mais e melhores
armas e maior número de mísseis, como mísseis balísticos e de cruzeiro;
defesas aéreas avançadas; caças de última geração; submarinos mais discretos;
mais e melhores sensores; comunicações digitais, poder de processamento e C2
[segurança cibernética] necessários para operar uma integrada cadeia da morte”.
No
caso de uma guerra total, sugeriu a RAND, os Estados Unidos devem sofrer
pesadas perdas em seus porta-aviões, submarinos, mísseis e aviões das forças
estratégicas chinesas, enquanto seus sistemas de computadores e de satélites
seriam deteriorados graças ao “aprimorado poder chinês para a guerra
cibernética e ASAT [antisatélite]”. Embora as forças estadunidenses pudessem
contra-atacar, sua “crescente vulnerabilidade” tem como consequência que a vitória
de Washington não estaria assegurada. Em um conflito como este, concluiu
o think tank, pode muito bem não haver um “claro vencedor”.
Não
se engane quanto ao peso dessas palavras. Pela primeira vez, um dois
principais think tanks estratégicos, muito alinhado com as forças
militares dos EUA e há muito tempo famoso pela influência de suas análises
estratégicas, vislumbrou seriamente uma grande guerra com a China que os
Estados Unidos poderiam não vencer.
Terceira
Guerra Mundial: cenário 2030
A
tecnologia da guerra espacial e cibernética é tão nova, ainda não testada, que
mesmo os cenários mais estranhos atualmente imaginados pelos planejadores
estratégicos podem logo ser superados por uma realidade ainda difícil de
conceber. Em um exercício de guerra nuclear em 2015, o Air Force
Wargaming Institute usou uma sofisticada modelagem computadorizada para imaginar “um cenário de 2030 em que a frota de B-52 da
Força Aérea era… atualizada com… armas aprimoradas” para patrulhar os céus
prontos para atacar. Simultaneamente, “mísseis balísticos intercontinentais
novinhos” estão prontos para serem lançados. Então, em uma arrojada jogada
tática, bombardeiros B-1 atualizados com “Estações de Batalha Integradas (IBS)
completas” deslizam sobre as defesas inimigas para devastadores ataques
nucleares.
Esse
cenário era sem dúvida útil para os planejadores das Forças Armadas, mas diziam
pouco sobre o verdadeiro futuro do poder global dos EUA. De modo similar, o
estudo da RAND War with Chinaapenas comparou os poderes militares, sem
avaliar as estratégias específicas que cada lado poderia usar em seu benefício.
Eu
posso não ter acesso à modelagem computadorizada do Wargaming Institute ou aos
renomados recursos analíticos da RAND, mas eu posso pelo menos levar o trabalho
deles um passo adiante imaginando um futuro conflito com um resultado
desfavorável para os Estados Unidos. Como potência global ainda dominante,
Washington deverá espalhar suas defesas por todos os domínios militares,
tornando sua força, paradoxalmente, uma fonte de potencial fraqueza. Como
desafiante, a China tem a vantagem assimétrica de identificar e explorar
algumas falhas estratégicas na globalmente esmagadora superioridade militar de
Washington.
Por
anos, proeminentes intelectuais chineses da defesa, como Shen
Dingli da Universidade de Fudan, rejeitaram a ideia de se contrapor
aos EUA com grande acúmulo de força naval e argumentaram em vez disso a favor de “ciberataques,
armas espaciais, lasers, pulsos e outros feixes de energia direcionada”. Em vez
de correr para lançar porta-aviões que “serão queimados” por lasers atirados do
espaço, a China deveria, segundo Shen, desenvolver armas avançadas “para fazer
outros sistemas de comando falharem”. Embora décadas distante de equiparar todo
o poder das forças militares globais de Washington, a China poderia, combinando
guerra cibernética, guerra espacial e supercomputadores, encontrar maneiras de
debilitar as comunicações militares dos EUA e então cegar suas forças
estratégicas. Com isso em mente, eis aqui um cenário possível para a III Guerra
Mundial:
São
11:59 da noite, na quinta-feira de Ação de Graças em 2030. Por meses, as
tensões cresceram entre as patrulhas chinesas e da Marinha estadunidense no Mar
da China Meridional. As tentativas de Washington de usar a diplomacia para
refrear a China mostraram-se um vergonhoso fracasso entre aliados de longa data
– com a OTAN debilitada por anos de apoio hesitante dos EUA, o Reino Unido,
agora uma potência de terceiro nível, o Japão com uma neutralidade funcional e
outros líderes internacionais frios em relação às preocupações de Washington
após sofrer por muito tempo com sua ciber-vigilância. Com a economia
estadunidense diminuída, Washington joga sua última carta de uma mão cada vez
mais fraca, deslocando seis de seus oito grupos de porta-aviões restantes para
o Pacífico Ocidental.
Em
vez de intimidar os líderes chineses, esses movimentos tornam-nos mais
belicosos. Voando a partir de suas bases nas Ilhas Spratly, seus caças logo
começam a zumbir sobre os navios da Marinha estadunidense no Mar da China
Meridional, enquanto as fragatas chinesas provocam dois dos porta-aviões em
patrulha, cruzando cada vez mais perto das suas miras.
Então
explode a tragédia. Às 4 horas, numa madrugada enevoada de outubro, o
porta-aviões gigante USS Gerald Ford picota a velha Fragata 536 Xuchang,
afundando o navio chinês com todos os seus 165 tripulantes. Pequim exige
desculpas e reparações. Quando Washington recusa, a fúria da China vem rápido.
Ao
bater a meia-noite da Black Friday, quando os ciber-compradores invadem os
portais da Best Buy em busca dos fortes descontos nos últimos eletrônicos
produzidos em Bangladesh, a equipe da Marinha do Telescópio de Vigilância
Espacial em Exmouth, na Austrália Ocidental, entra em choque. Suas
telas panorâmicas do céu do sul repentinamente ficam pretas. A milhares de
quilômetros dali, no centro de operações do CiberComando dos EUA, no Texas,
técnicos das Forças Aéreas detectam códigos binários maliciosos que, embora
inseridos anonimamente nos sistemas de armas estadunideneses em todo o mundo,
mostram as digitais que identificam o Exército Popular de
Libertação da China.
Naquela
que os historiadores chamarão de “Batalha dos Binários”, computadores da
CyberCom lançam seus contracódigos matadores. Enquanto alguns dos servidores
provinciais da China perdem dados administrativos de rotina, o sistema de
satélite quântico de Pequim, equipado com a supersegura transmissão por fótons,
se mostra impermeável aos hackers. Enquanto isso, uma armada de
supercomputadores maiores e mais rápidos subordinados à Unidade 61398 de armamento
cibernético de Xangai explode de volta com logaritmos impenetráveis de inédita
sutileza e sofisticação, infiltrando-se no sistema de satélites dos
EUA por meio de seus antiquados sinais de micro-ondas.
O
primeiro ataque aberto é tal que ninguém no Pentágono havia previsto. Voando a
20 mil metros acima do Mar da China Meridional, inúmeros drones MQ-25 Stingray baseados em porta-aviões dos
EUA, infectados por malware chineses, de repente disparam todos os
seus projéteis sob sua enorme envergadura em delta, enviando dezenas de mísseis
letais para mergulhar inofensivamente no oceano, efetivamente desarmando esses
armamentos formidáveis.
Determinada
a combater fogo com fogo, a Casa Branca autoriza um ataque em retaliação.
Confiante que seu sistema de satélites é impenetrável, os comandantes das
Forças Aéreas na Califórnia transmitem códigos robóticos a uma flotilha
de drones espaciais X-37B, orbitando a 400 quilômetros
acima da Terra, para lançar seus mísseis Triplo-Exterminadores em muitos
satélites de comunicação da China. A resposta é zero.
Quase
em pânico, a Marinha ordena seus destróieres classe Zumwalt a atirar seus mísseis mortais RIM-174 em sete satélites chineses em
órbitas geoestacionárias próximas. Os códigos de lançamento de repente se
mostram inoperantes.
Enquanto
os vírus de Pequim se espalham descontroladamente através da arquitetura de
satélites dos EUA, os supercomputadores de segunda-classe do país não conseguem
quebrar os códigos diabolicamente complexos dos malware chineses. Com
velocidade assombrosa, os sinais de GPS, cruciais para a navegação dos navios e
aviões estadunidenses em todo o mundo ficam comprometidos.
Através
do Pacífico, oficiais de convés da Marinha se atropelam atrás de seus
sextantes, lutando para relembrar as velhas aulas de navegação de Annapolis.
Guiando-se pelo sol e pelas estrelas, esquadrões de porta-aviões abandonam suas
estações próximas à costa da China e rumam a vapor para a segurança do Havaí.
Um
furioso presidente estadunidense ordena um ataque de retaliação em um alvo
chinês secundário, a Base Naval de Longpo na ilha de Hainan. Dentro de minutos,
o comandante da Base Aérea Andersen em Guam lança uma bateria de
supersecretos mísseis hipersônicos X-51 “Surfista” que se elevam a
25 mil metros e então viajam através do Pacífico a 6.400 quilômetros por
hora — muito mais rápido do que qualquer míssil de guerra ou ar-contra-ar
chinês. Dentro da Sala de Crise de Casa Branca o silêncio é sufocante enquanto
todos fazem a contagem regressiva de 30 curtos minutos antes que as ogivas
nucleares táticas choquem-se com os rígidos submarinos de Longpo, encerrando as
operações navais chinesas no Mar da China Meridional. Em meio ao voo, os
mísseis inopinadamente mergulham seus narizes no Pacífico.
Em
um bunker enterrado profundamente sob a praça Tiananmen, o sucessor do
presidente Xi Jinping, escolhido a dedo, Li Keqiang, ainda mais nacionalista
que o seu mentor, está indignado que Washington tenha tentado um ataque nuclear
tático ao território chinês. Quando o Conselho de Estado da China vacila ao
pensamento de uma guerra aberta, o presidente cita o antigo estrategista Sun
Tzu: “Os guerreiros vitoriosos vencem primeiro e depois vão à guerra, enquanto
os guerreiros derrotados vão à guerra primeiro e depois buscam a vitória”.
Entre o aplauso e o riso, o voto é unânime. É guerra!
Quase
imediatamente, Pequim escala de ciberataques secretos para ações abertas.
Dezenas de mísseis chineses SC-19 de última geração decolam para ataques em
satélites de comunicação chave dos EUA, obtendo um alto índice de mortes
cinéticas nessas desajeitadas unidades. Bruscamente, Washington perde
comunicação segura com centenas de bases militares. As esquadras de guerra dos
EUA em todo o mundo estão no solo. Dezenas de pilotos de F-35 que já estão no
ar são cegados quando a tela de seus capacetes equipados com visores aviônicos
fica escura, forçando-os a descer a 3 mil metros para ter uma visão clara
da terra. Sem navegação eletrônica, eles precisam seguir as rodovias e os
marcos terrestres de volta às suas bases como motoristas de ônibus nos céus.
Em
meio ao voo de patrulhas regulares ao redor do continente eurasiano, duas
dúzias de drones de vigilância RQ-180 repentinamente deixam de responder aos
comandos transmitidos por satélite. Eles voam sem objetivo na direção do
horizonte e se destroem quando acaba o combustível. Com surpreendente rapidez,
os Estados Unidos perdem controle daquilo que sua Força Aérea durante muito
tempo chamou de “alto solo definitivo”.
Com
a inteligência inundando o Kremlin de informações sobre a debilidade do
poder estadunidense, Moscou, ainda um aliado próximo dos chineses, envia uma
dúzia de submarinos nucleares classe Severodvinsk através do Círculo Ártico para
patrulhas provocativas permanentes entre Nova York e Newport News.
Simultaneamente, meia-dúzia de fragatas de mísseis classe Grigorovich da frota
russa do Mar Negro, acompanhadas de um número não revelado de submarinos de
ataque, dirigem-se ao Mediterrâneo ocidental para fazer sombra à Sexta Frota
dos EUA.
Dentro
de horas, o aperto estratégico de Washington nas extremidades axiais da Eurásia
— a pedra de toque de seu domínio global pelos últimos 85 anos — está quebrado.
Em rápida sucessão, os tijolos da frágil arquitetura do poder global dos EUA
começa a cair.
Cada
arma gera sua própria nêmesis. Exatamente como os mosqueteiros suplantaram os
cavaleiros montados, os tanques destruíram as trincheiras e os bombardeiros de
mergulho afundaram os navios de guerra, o superior poder cibernético da China
cegou os satélites de comunicação estadunidenses que eram os nervos de um
aparato militar outrora formidável, dando a Pequim uma assombrosa vitória nessa
guerra de robótica militar. Sem uma única vítima de combate em nenhum dos
lados, a superpotência que havia dominado o planeta por quase um século é
derrotada na III Guerra Mundial.
*
Alfred W. McCoy é historiador norte-americano e atual professor de História no
Centro para Estudos do Sudoeste Asiático, na Universidade de Wisconsi, Madison.
Pesquisa e escreve principalmente sobre a história das Filipinas e o comércio
de heroína e ópio no Triângulo Dourado. Seu livro "A Política da Heroína
no Sudeste Asiático" foi um marco documentando as interações entre a CIA e
os cartéis de droga na região.
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