Sob
aparente calmaria, ressurgem condições para nova tempestade: cresce o
endividamento e os fluxos de capital são mais voláteis que nunca. Nova onda
atingiria em cheio países “em desenvolvimento”
Martin
Khor, do South
Centre | Outras Palavras | Tradução: Mauro Lopes |
A
crise financeira asiática começou há 20 anos, enquanto a crise financeira
global e a recessão estouraram nove anos atrás, em 2008. Quando uma nova crise
financeira global sobrevier, os países em desenvolvimento serão ainda mais
prejudicados do que na última, pois tornaram-se menos resistentes e mais
vulneráveis. Eles precisam, portanto, se preparar para o que inevitavelmente
virá.
O
debate agora é sobre quando a nova crise explodirá. A maioria dos economistas
e comentaristas, entretanto, não raciocina nesses termos; para eles, estamos em
meio a uma recuperação econômica, apesar de reconhecidamente fraca, nas
economias desenvolvidas.
Na
superfície, a atual situação parece bem boa. O mercado de ações dos EUA
continua acumulando altas e o chefe do FED (Federal Reserve), o Banco Central
americano, afirmou recentemente que a economia dos EUA é robusta e o
nível de crescimento do emprego é muito bom.
Outro
dado apontado por eles: houve uma recuperação dos fluxos de capital estrangeiro
para as economias emergentes no primeiro semestre de 2017, após dois anos de
saídas.
Na
última cúpula do G20, em Hamburgo, de 7 a 8 julho, seus líderes
concentraram-se nas mudanças climáticas, comércio e desentendimentos com os
Estados Unidos e pareceram complacentes com a condição econômica do mundo; eles
não se preocuparam com nenhuma crise iminente.
Mas,
abaixo da superfície calma, as águas estão fervendo e se agitando. Como
Shakespeare escreveu em Hamlet, “Há algo de podre no reino da Dinamarca”.
Ainda
é difícil prever se a crise estourará em breve ou teremos o prolongamento desta
“ferveção”; mas o fato é que a economia mundial está em apuros.
Em
meio à fraca recuperação da economia global, muitos riscos sérios permanecem,
escreveu em 5 de julho Martin Wolf, o principal comentarista financeiro
do Financial Times:
“O
risco mais provável é um colapso na cooperação global, talvez até mesmo um
surto de conflitos”, escreveu. “Isso destruiria a estabilidade da economia
mundial da qual todos dependem …”
Ainda
segundo Wolf:
Nós,
nos países que concentram a rende mundial, permitimos que o sistema financeiro
desestabilizasse nossas economias. Em seguida, recusamos o recurso ao estímulo
fiscal e monetário para sair rapidamente do mal-estar econômico pós-crise.
Quando
uma nova crise financeira global explodir, os países em desenvolvimento serão
mais prejudicados do que na última crise, pois se tornaram menos resistentes e
mais vulneráveis. Eles precisam, portanto, se preparar para não se
surpreenderem.
Nós
falhamos e não conseguimos dar respostas às discrepâncias entre as diferentes
economias, melhor e pior sucedidas. Isso foi um enorme erro. Agora, na medida
em que as economias se recuperam, enfrentamos novos desafios: evitar a explosão
da economia mundial, garantindo um crescimento compartilhado e sustentável.
Infelizmente, parece que falharemos neste conjunto de desafios.
Uma
análise abrangente e aprofundada da situação econômica global e da forma como
afeta os países em desenvolvimento foi formulada em um artigo recente do
economista-chefe do South Centre de
Genebra, Yilmaz Akyuz.
Os
EUA e a Europa geriram equivocadamente as consequências da crise de 2008
com o uso de políticas que terão efeitos muito adversos na maioria dos países
em desenvolvimento, de acordo com o documento A crise financeira e o Sul
global: impacto e perspectivas(South Centre Research – Paper
76).
Os
países em desenvolvimento passaram pela crise de 2008 sem prejuízos maiores
devido a certas condições, que já não existem. De lá para cá, entretanto,
surgiram nesses países vulnerabilidades novas e perigosas que os expõem a
sérios riscos na próxima crise.
Portanto,
escreveu Akyuz, é imperativo que os países em desenvolvimento encarem de
frente sua situação precária e atuem para proteger suas economias na medida do
possível, para reduzir os efeitos da nova turbulência.
Para
Akyuz, a crise pós-2008 transformou-se em uma terceira onda destrutiva para
várias economias emergentes depois de ter varrido dos EUA para a Europa. Uma
razão central foram as respostas equivocadas dos EUA e da Europa: “Há dois
equívocos principais: a relutância em reduzir as dívidas através da
reestruturação ordenada e a ortodoxia fiscal”.
Ainda
segundo Akyuz:
Isso
resultou em uma dependência excessiva da política monetária, com os bancos
centrais entrando em águas inexploradas, lançando mão de taxas de juros zero e
até negativas e expansão rápida de liquidez através de grandes aquisições de
títulos.
Essas
políticas não apenas fracassaram em garantir uma recuperação rápida, mas
agravaram o hiato da demanda global, aumentando a desigualdade e a fragilidade
financeira global ao produzir um crescimento brutal das dívidas e bolhas
especulativas. Elas também geraram surtos deflacionários e
desestabilizadores para as economias dos países em desenvolvimento.
Quando
surgir uma nova crise, os países em desenvolvimento serão mais atingidos do que
em 2008. Sua resiliência aos choques externos está fragilizada devido a três
fatores:
Em
primeiro lugar, muitas economias dos países em desenvolvimento aprofundaram sua
integração ao sistema financeiro internacional, resultando em novas
vulnerabilidades e alta exposição a choques externos.
Suas
corporações alavancaram suas dívidas desde a crise, chegando a US$ 25 trilhões
(95% do total do PIB desses países); e os títulos das dívidas desses países
passaram de US$ 500 bilhões em 2008 para US$ 1,25 trilhão em 2016, com
incremento nas taxa de juros e risco cambial.
Além
disso, a presença estrangeira nos mercados financeiros locais atingiu níveis
sem precedentes, aumentando sua susceptibilidade aos ciclos financeiros
globais de expansão/contração.
Em
segundo lugar, o saldo da balança de transações corrente e as posições líquidas
de ativos estrangeiros de muitos países em desenvolvimento deterioraram-se
significativamente desde a crise. Na maioria dos países, as reservas
estrangeiras recentes advêm de entradas de capital em vez de excedentes
comerciais. Este perfil é inadequado para enfrentar grandes saídas de capital.
Em
terceiro lugar, os países agora têm opções de política econômica limitadas para
responder a eventos adversos do exterior. Seu “espaço fiscal” para uma resposta
da anticíclica aos choques deflacionários é muito mais limitado do que em 2009;
eles perderam boa parcela da autonomia em política monetária e o controle sobre
as taxas de juros, devido à sua profunda integração financeira global; e os
regimes de taxa de câmbio flexível não são panaceia diante de choques financeiros.
“A
maioria das economias em desenvolvimento está em uma posição frágil semelhante
às décadas de 1970 e 1980, quando os booms nos fluxos de capital e os
preços das commodities terminaram com uma crise da dívida depois da reviravolta
brusca na política monetária dos EUA, custando-lhes uma década no
desenvolvimento”, advertiu Akyuz.
Infelizmente,
os países Sul não têm sido efetivos na reflexão sobre esses problemas nem na
construção de uma ação coletiva.
São
necessárias reformas globais para evitar que as potências transfiram os efeitos
de suas políticas equivocadas aos países em desenvolvimento; igualmente,
mecanismos globais são necessários para prevenir e gerenciar crises
financeiras.
Houve
muitas propostas de reforma no passado, mas quase nenhuma ação efetiva, devido
à oposição dos países desenvolvidos.
“Agora,
os riscos são altos demais para que os países em desenvolvimento continuem a
deixar a gestão da economia global para uma ou duas grandes potências
econômicas e para as instituições multilaterais que controlam”, concluiu Akyuz.
Se
esta análise está correta, a crise que começou em 2008 entrará em território
mais perigoso devido a novos fatores que atiçam as chamas neste momento.
As
causas fundamentais da crise à frente são conhecidas, mas ainda é desconhecido
que evento específico irá desencadeá-la e inflamar a nova fase da crise,
e quando isso acontecerá.
Os
países em desenvolvimento terão de fato uma posição menos robusta para enfrenta-la
em comparação com a de 2008, por isso deveria haver uma posição menos
complacente agora.
Cada
país deve analisar seus próprios pontos fortes e fracos, suas vulnerabilidades
a choques externos e preparar ações para mitigar antecipadamente a crise, em
vez de esperar passivamente que ela, soterrando sua economia.
*Martin Khor é diretor executivo do South Centre, uma organização
intergovernamental de países em desenvolvimento, com sede em Genebra. É
jornalista, economista e antigo diretor da Third World Network. É ativo nos
movimentos da sociedade civil.
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