Henrik Böhme (as) | opinião*
Volkswagen, Daimler e BMW são
acusadas de usar humanos como cobaias em testes para avaliar efeitos de gases
poluentes. Para o jornalista Henrik Böhme, mais uma vez não haverá
consequências.
Macacos trancados em pequenas
câmaras, nas quais é lançado dióxido de nitrogênio. Pessoas sentadas em salas e
submetidas, também, a uma alta concentração do mesmo gás. E
tudo isso em nome ou patrocinado por um grupo de pesquisa da indústria
automotiva alemã. Claro que, na cabeça de muitas pessoas, cenas como essas
criam as mais terríveis associações, por exemplo com as câmaras de gás de
Auschwitz-Birkenau, ou com a Ação T4 dos nazistas, o programa de eutanásia que
vitimou 70 mil pessoas com deficiências. São lembranças do capítulo mais
obscuro da história alemã.
E pensava-se que a coisa não
poderia ficar pior para o setor modelo da indústria alemã. O que começou com o
dieselgate da Volkswagen nos Estados Unidos espalhou-se depois por outras
montadoras, ampliou-se quando a revista Der Spiegel, em meados do ano passado,
revelou a maracutaia de anos das montadoras ("o
cartel dos automóveis") e alcançou agora um novo patamar.
Mesmo que ainda seja necessário
analisar com calma e esclarecer o que de fato ocorreu nesse teste com pessoas e
se não se trata de um procedimento experimental inofensivo que acabou sendo
exagerado (pessoas saudáveis, três horas no escritório com uma concentração de
poluentes que, para quem mora numa rua movimentada, é muito mais intensa), o
teste com animais é sobretudo uma coisa: desprezível e simplesmente idiota.
Ou talvez a casa já estivesse
pegando fogo de tal maneira na época da série de experimentos com os macacos
(2015) que, para as montadoras, tratava-se apenas de tentar ainda salvar a
cabeça. Aí, em setembro de 2015, a bomba explodiu, e o dieselgate começou.
Depois da revelação desse novo
escândalo pode-se observar sobretudo uma coisa: os rituais bem treinados
das montadoras estão funcionando muito bem. A Daimler se apressou a esclarecer
que está horrorizada com o que "foi feito em nome da indústria
automobilística alemã", distanciou-se e esclareceu que não foram
utilizados carros da empresa para a série de testes.
A BMW, claro, também se
distanciou, e afirmou ser contra qualquer tipo de testes com animais. E, é
verdade, teria sido melhor parar o projeto. Por fim, demorando um pouco mais, a
Volkswagen também saiu do seu canto e pediu desculpas, ainda que apenas pelo
"comportamento equivocado de alguns". Todas juntas querem agora
mandar investigar como se chegou a isso.
Como se chegou a isso? Que
pergunta mais idiota. Foram estas três montadoras que, junto com a fornecedora
de autopeças Bosch, fundaram em 2007 a Associação Europeia de Pesquisa em Meio
Ambiente e Saúde no Setor de Transportes (EUGT). Essa instituição, que nunca
foi nada mais que um grupo de lobby com um verniz científico para a campanha de
diesel limpo das montadoras alemãs, ordenou a série de testes. Ela também
patrocinou o teste em humanos, que originalmente nem havia sido pensado para a
indústria automobilística, mas que caía bem, pois "não pôde ser comprovada
nenhuma reação à inalação de NO² nas cobaias", como é possível ler no
relatório da EUGT.
Na direção dessa ominosa
associação de pesquisa – hoje já extinta – estavam, claro, diretores de alto
escalão das montadoras. Mas, assim como no caso do dieselgate, também agora a
argumentação deverá ser: a chefia não ficou sabendo de nada, apenas um certo
grupo de pessoas estava ocupada disso. Algum peixe pequeno será
sacrificado, como
o diretor da Volkswagen Oliver Schmidt, recentemente condenado nos
EUA, e pronto. O resto da tropa lava as mãos, inocente. Montadoras alemãs de
automóveis: verdadeiras mestres na arte da trapaça e da enganação.
O curioso nisso tudo é que os
consumidores parecem não estar nem aí. A Volkswagen teve um ano recorde em
2017, e a Daimler nada nas glórias de suas excelentes vendas. E, enquanto isso,
nas grandes cidades alemãs, pessoas moram em ruas com uma concentração de
poluentes no ar que nem macacos nem humanos jamais tiveram que experimentar em
testes.
*Deutsche Welle | Henrik Böhme é
jornalista de economia da DW
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