Domingos de Andrade | Jornal de
Notícias | opinião
Há sempre bolor na abertura
simbólica do Ano Judicial. Que nem a habitual afabilidade de Marcelo Rebelo de
Sousa conseguiu dissimular este ano. É o momento em que fica sempre evidente a
distância entre quem circula pelos corredores dos agentes da Justiça e os
cidadãos, a quem a justiça deve servir. E é pena. Porque à boleia de um pacto
hermético para supostamente melhorar a ação do Direito poderiam ter germinado
discursos para efetivamente mudar algo. Coisas pequenas.
Comecemos pelo Pacto, concertado
em pequeno comité representativo de magistrados, funcionários, solicitadores e
advogados. O acordo revela um passo importante para começar a tratar de um dos
setores mais vitais para o desenvolvimento da sociedade, mas que é dos que mais
enquistaram nos 43 anos de democracia. E esse é o sinal positivo. Ter havido
discussão e entendimento nalgumas áreas.
São 89 medidas, ainda à espera
que o poder político lhes abra a porta, das quais meia dúzia refletem, muito
parcialmente, as reais preocupações dos cidadãos. Que são fáceis de elencar: da
dilatação dos prazos, à morosidade da investigação, dos procedimentos
burocráticos labirínticos, ao segredo de Justiça, acabando na perceção de que a
Justiça serve melhor os que mais meios têm para litigar, contratar, contornar.
Os problemas reais que a Justiça
enfrenta vão ainda mais longe. E são sub-reptícios. Dos juízes que, ou pela
pressão das inspeções, ou pelo amontoar de casos, ou pelo simples cansaço da
profissão, despacham processos como se fossem papéis em pilha sem pessoas e
vidas e histórias envolvidas. Que fazem cópia de umas sentenças para as outras
como se fossem uma e a mesma coisa, deixando inúmeras vezes as vítimas e os
arguidos de casos anteriores. Dos magistrados que se embrulham no excesso de
processos nos tribunais administrativos e fiscais, numa avalancha que ganha
dimensão com o aumento de conflitos entre os cidadãos e o fisco.
Não são questões irresolúveis ou
magnos problemas. Mas fazia sentido que cada um deles estivesse em cima da
mesa, com clareza, com concretização. Ou corre-se o risco de os cidadãos
olharem para o Pacto como um encontro reservado, onde a solução para os
problemas que enfrentam acabará por se enredar nos entraves da Constituição e que
serviu apenas para resolver as questões de classe e de carreiras.
É pouco.
* Diretor-executivo do JN
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