Adelino Cardoso Cassandra | Téla
Nón | opinião
Nada de novo! O país continua na
fase carnavalesca habitual, tendo, agora, o próprio presidente da república,
como entertainer, apesar da época natalícia que vivemos, atualmente, propícia à
manifestação de outros sentimentos e estados de alma.
De facto, desde a publicação do
livro do atual ministro da educação cujo título é, se não me engano, “Para a
Destruição Criativa de São Tomé e Príncipe”, que resolvemos trilhar este
caminho de auto-flagelação, de forma acelerada, rumo ao abismo.
Grande parte das pessoas estão
tão divertidas na festa, usando máscaras e outros artefactos adequados para a
ocasião, que perdem ou mascaram a sua identidade quotidiana, como atores
institucionais ou simplesmente comentadores e analistas políticos e aumentam,
desta forma, o número de foliões nas ruas do país.
Com o carnaval ininterrupto no
país e o circo montado, está descoberta a receita que fará aumentar o
fluxo de turismo para o nosso país. Teremos, a partir de agora, alguns dos
nossos representantes políticos transformados em Reis e Rainhas do Carnaval
nacional e este passará, deste modo, a competir com o Carnaval Brasileiro
pela atração de turistas de todo o mundo.
Estamos a ser, pela primeira vez
na nossa história, exemplo de notoriedade imbatível, ultrapassando o Brasil que,
até, então, era considerado o maior e mais atrativo “país do carnaval” no
mundo. Conseguimos destronar o Brasil com a decisão de transformar a cidade de
S.Tomé num Sambódromo de nível internacional e alguns dos nossos representantes
políticos em foliões de qualidade imbatível.
Agora, é o próprio presidente da
república, qual Rei Momo, que decidiu, também ele, saltar para a festa e
promulgar um conjunto de Leis que permitirão a criação e funcionamento do
Tribunal Constitucional não obstante tais diplomas estarem, naquele momento,
ainda, sob alçada do Supremo Tribunal de Justiça, nas vestes do Tribunal
Constitucional, para apreciação, decorrente do requerimento apresentado por
alguns deputados da oposição.
Não é preciso ser um especialista
em Ciência Política ou um estudante de direito para se constatar que tal facto
encerra uma imprudência indesculpável. Ou o senhor presidente da república foi
mal aconselhado para cumprir um objetivo político específico em proveito do
ADI; ou, em alternativa, ele mesmo disponibilizou-se para fazer o papel do Rei
Momo e ser, posteriormente, depois da festa, sacrificado brutalmente, no altar
de Saturno, como se fazia na Roma antiga. Em qualquer das alternativas, o
presidente da república ficou muito mal na fotografia e, com tal, perdeu,
definitivamente, a confiança do povo.
Não me venham com a treta, agora,
de que existem regulamentos, atos administrativos, procedimentais ou
para-regulamentares, circulares ou instruções que justifiquem a atitude
imprudente e ilegal do senhor presidente da república, cujos contornos, a
existirem, configuram a existência de um metódico plano, urdido a montante, que
sustentasse, juridicamente, esta imprudência e ilegalidade.
E isto é mais grave, ainda, num
país onde ninguém cumpre as instruções, regulamentos nem qualquer ato
administrativo ou procedimental e os próprios deputados da nação, por exemplo,
não hesitam em sacar armas de fogo das algibeiras para ameaçar adversários
políticos numa sessão de debate na Assembleia Nacional ou, ainda, os atos
procedimentais relacionados, por exemplo, com a duração temporal dos mandatos
dos autarcas não é cumprido, entre outras tantas irregularidades relacionadas
com o incumprimento de atos administrativos ou procedimentos regulamentares.
Toda a gente sabia, até eu que
vivo no exterior do país, que um grupo de deputados da oposição tinha
apresentado requerimento ao Supremo Tribunal de Justiça, nas vestes do Tribunal
Constitucional, com o propósito de suscitar a fiscalização de normas
relacionadas com a criação do novo Tribunal Constitucional no país.
Portanto, o senhor presidente da
república, como protagonista político neste processo, não pode vir agarrar
neste aparente desconhecimento para justificar a fraude, ilegalidade e trapaça
relacionadas com a sua atuação neste processo. E, até, existe informações,
postas a circular, que o senhor presidente da república foi informado, pelo
próprio Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que o processo em causa
estava a ser analisado, por este órgão, decorrente do requerimento apresentado
por alguns deputados da oposição.
E mesmo que o senhor presidente
da república não fosse formalmente informado deste expediente, pedagogicamente,
deveria tomar a iniciativa de pedir informações ao Supremo Tribunal de Justiça
sobre o andamento do referido processo, antes da sua eventual promulgação,
tendo em conta, até, o debate que se travou no país e fora dele relacionado com
o processo em causa. O senhor é presidente de todos os Santomenses e não é
presidente do ADI nem tão pouco está na presidência da república para defender
os interesses do ADI.
O que o senhor presidente da
república fez, de forma consciente ou inconsciente, foi colocar em causa o
núcleo fundamental de competências de um outro órgão de soberania, pondo em
jogo todo o sistema de legitimidade, responsabilidade, controlo e fiscalização
de constitucionalidade inerente ao mesmo, assumindo-se, no entanto, ele mesmo,
como detentor de todo o poder, desprezando, neste âmbito, a proteção jurídica
fornecida pelos tribunais.
Com este expediente, e outros que
foram acontecendo anteriormente, é o próprio Estado de Direito Democrático que
ficou mais pobre porque este ato, singularmente considerado, configura uma
arbitrariedade, um abuso, uma ilegalidade, uma fraude e, até, abertura de
caminho para um golpe institucional no futuro.
Como é que se pode pedir ao “povo
pequeno”, como o primeiro-ministro classificou a nossa gente, que cumpra as
leis, se o próprio presidente da república, como o mais alto magistrado da
nação, responsabilizou-se em dar um grande exemplo de incumprimento de
obrigações neste âmbito específico?
Como é que se pode pedir ao “povo
pequeno” que respeite os polícias, por exemplo, se o presidente da república é
o exemplo mais flagrante de incumprimento da constituição da república que
jurou defender?
Como é que se pode pedir aos
nossos jovens que respeitem os professores na Escola se o exemplo que vem do
mais alto magistrado da nação, em termos de respeito e cumprimento de regras
constitucionais, denuncia arbitrariedades, fraude e ilegalidades?
Vivemos tempos muito complicados,
como tenho sistematicamente referido em artigos anteriores, e alguns políticos
irresponsáveis têm feito de tudo como contributo amplificador da desesperança e
descrença no processo de consolidação da nossa, frágil ainda, democracia.
Sem comentários:
Enviar um comentário