quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

São Tomé e Príncipe | O REI MOMO E O CARNAVAL

Adelino Cardoso Cassandra | Téla Nón | opinião

Nada de novo! O país continua na fase carnavalesca habitual, tendo, agora, o próprio presidente da república, como entertainer, apesar da época natalícia que vivemos, atualmente, propícia à manifestação de outros sentimentos e estados de alma.

De facto, desde a publicação do livro do atual ministro da educação cujo título é, se não me engano, “Para a Destruição Criativa de São Tomé e Príncipe”, que resolvemos trilhar este caminho de auto-flagelação, de forma acelerada, rumo ao abismo.

Grande parte das pessoas estão tão divertidas na festa, usando máscaras e outros artefactos adequados para a ocasião, que perdem ou mascaram a sua identidade quotidiana, como atores institucionais ou simplesmente comentadores e analistas políticos e aumentam, desta forma, o número de foliões nas ruas do país.

Com o carnaval ininterrupto no país e o circo montado,  está descoberta a receita que fará aumentar o fluxo de turismo para o nosso país. Teremos, a partir de agora, alguns dos nossos representantes políticos transformados em Reis e Rainhas do Carnaval nacional e este passará, deste modo,  a competir com o Carnaval Brasileiro pela atração de turistas de todo o mundo.

Estamos a ser, pela primeira vez na nossa história, exemplo de notoriedade imbatível, ultrapassando o Brasil que, até, então, era considerado o maior e mais atrativo “país do carnaval” no mundo. Conseguimos destronar o Brasil com a decisão de transformar a cidade de S.Tomé num Sambódromo de nível internacional e alguns dos nossos representantes políticos em foliões de qualidade imbatível.

Agora, é o próprio presidente da república, qual Rei Momo, que decidiu, também ele, saltar para a festa e promulgar um conjunto de Leis que permitirão a criação e funcionamento do Tribunal Constitucional não obstante tais diplomas estarem, naquele momento, ainda, sob alçada do Supremo Tribunal de Justiça, nas vestes do Tribunal Constitucional, para apreciação, decorrente do requerimento apresentado por alguns deputados da oposição.

Não é preciso ser um especialista em Ciência Política ou um estudante de direito para se constatar que tal facto encerra uma imprudência indesculpável. Ou o senhor presidente da república foi mal aconselhado para cumprir um objetivo político específico em proveito do ADI; ou, em alternativa, ele mesmo disponibilizou-se para fazer o papel do Rei Momo e ser, posteriormente, depois da festa, sacrificado brutalmente, no altar de Saturno, como se fazia na Roma antiga. Em qualquer das alternativas, o presidente da república ficou muito mal na fotografia e, com tal, perdeu, definitivamente, a confiança do povo.

Não me venham com a treta, agora, de que existem regulamentos, atos administrativos, procedimentais ou para-regulamentares, circulares ou instruções que justifiquem a atitude imprudente e ilegal do senhor presidente da república, cujos contornos, a existirem, configuram a existência de um metódico plano, urdido a montante, que sustentasse, juridicamente, esta imprudência e ilegalidade.

E isto é mais grave, ainda, num país onde ninguém cumpre as instruções, regulamentos nem qualquer ato administrativo ou procedimental e os próprios deputados da nação, por exemplo, não hesitam em sacar armas de fogo das algibeiras para ameaçar adversários políticos numa sessão de debate na Assembleia Nacional ou, ainda, os atos procedimentais relacionados, por exemplo, com a duração temporal dos mandatos dos autarcas não é cumprido, entre outras tantas irregularidades relacionadas com o incumprimento de atos administrativos ou procedimentos regulamentares.

Toda a gente sabia, até eu que vivo no exterior do país, que um grupo de deputados da oposição tinha apresentado requerimento ao Supremo Tribunal de Justiça, nas vestes do Tribunal Constitucional, com o propósito de suscitar a fiscalização de normas relacionadas com a criação do novo Tribunal Constitucional no país.

Portanto, o senhor presidente da república, como protagonista político neste processo, não pode vir agarrar neste aparente desconhecimento para justificar a fraude, ilegalidade e trapaça relacionadas com a sua atuação neste processo. E, até, existe informações, postas a circular, que o senhor presidente da república foi informado, pelo próprio Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que o processo em causa estava a ser analisado, por este órgão, decorrente do requerimento apresentado por alguns deputados da oposição.

E mesmo que o senhor presidente da república não fosse formalmente informado deste expediente, pedagogicamente, deveria tomar a iniciativa de pedir informações ao Supremo Tribunal de Justiça sobre o andamento do referido processo, antes da sua eventual promulgação, tendo em conta, até, o debate que se travou no país e fora dele relacionado com o processo em causa. O senhor é presidente de todos os Santomenses e não é presidente do ADI nem tão pouco está na presidência da república para defender os interesses do ADI.

O que o senhor presidente da república fez, de forma consciente ou inconsciente, foi colocar em causa o núcleo fundamental de competências de um outro órgão de soberania, pondo em jogo todo o sistema de legitimidade, responsabilidade, controlo e fiscalização de constitucionalidade inerente ao mesmo, assumindo-se, no entanto, ele mesmo, como detentor de todo o poder, desprezando, neste âmbito, a proteção jurídica fornecida pelos tribunais.

Com este expediente, e outros que foram acontecendo anteriormente, é o próprio Estado de Direito Democrático que ficou mais pobre porque este ato, singularmente considerado, configura uma arbitrariedade, um abuso, uma ilegalidade, uma fraude e, até, abertura de caminho para um golpe institucional no futuro.

Como é que se pode pedir ao “povo pequeno”, como o primeiro-ministro classificou a nossa gente, que cumpra as leis, se o próprio presidente da república, como o mais alto magistrado da nação, responsabilizou-se em dar um grande exemplo de incumprimento de obrigações neste âmbito específico?

Como é que se pode pedir ao “povo pequeno” que respeite os polícias, por exemplo, se o presidente da república é o exemplo mais flagrante de incumprimento da constituição da república que jurou defender?

Como é que se pode pedir aos nossos jovens que respeitem os professores na Escola se o exemplo que vem do mais alto magistrado da nação, em termos de respeito e cumprimento de regras constitucionais, denuncia arbitrariedades, fraude e ilegalidades?

Vivemos tempos muito complicados, como tenho sistematicamente referido em artigos anteriores, e alguns políticos irresponsáveis têm feito de tudo como contributo amplificador da desesperança e descrença no processo de consolidação da nossa, frágil ainda, democracia.

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