sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Sociedade civil denuncia corte e venda ilegal de madeira por parte do Governo guineense


Venda de madeira cortada de forma ilegal na Guiné-Bissau gera onda de contestação entre organizações da sociedade civil guineense que acusam Executivo de cometer um crime.

A organização da sociedade civil guineense,Tiniguena - "Esta Terra é Nossa", acusou nesta quinta-feira (25.01) o Governo demissionário da Guiné-Bissau de praticar um ato criminoso que viola a moratória que proíbe a venda ilegal e a exportação de madeiras preciosas apreendidas no país.

Na passada segunda-feira (22.01), o Governo de Umaro Sissoco Embaló iniciou a exportação de 1.500 contentores com madeira cortada de forma ilegal, apreendida, e que se encontrava espalhada pelas florestas da Guiné-Bissau.

Miguel de Barros, diretor-executivo da Tiniguena, uma das organizações envolvidas nas iniciativas de protesto, afirma que o ato é ilegal e prejudica gravemente o país. "Estranho o facto de o Governo tomar uma decisão de investimento público quando está numa situação de gestão. A medida não tem caráter retroativo e estando em vigor uma moratória que proíbe a comercialização e exportação de madeira, qualquer decisão contrária é ilegal e sem credibilidade", destacou.

Madeira apreendida entre 2012 e 2014

A madeira, espalhada pelas florestas e em contentores em Bissau, foi apreendida pelo Governo entre 2012 e 2014, na sequência de uma campanha de abate ilegal de árvores nas florestas da Guiné-Bissau por madeireiros nacionais e estrangeiros. Para estancar o abate de árvores, o Governo do então primeiro-ministro, Domingos Simões Pereira, decretou, em abril de 2015, uma moratória de cinco anos, como forma de atenuar os riscos que pusessem em causa o equilíbrio ambiental na Guiné-Bissau.

A decisão surgiu numa altura em que centenas de madeireiros nacionais e estrangeiros tinham licenças de exploração emitidas pelas autoridades de transição que geriram a Guiné-Bissau durante dois anos, na sequência do golpe militar de 2012.

Com a moratória ao abate de árvores, muita madeira que já tinha sido cortada não foi exportada.

Recorde-se que o CITES - Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e da Flora Selvagem Ameaçadas de Extinção - , sancionou a Guiné-Bissau, proibindo a exportação da madeira cortada naquele período.

Para o CITES aceitar o levantamento do embargo, o governo guineense teve que adequar a legislação interna aos princípios da organização.

Incentivar um novo abate de árvores?

Agora, com a decisão de comercialização e exportação de madeiras, o ativista da sociedade civil Miguel de Barros entende que o atual Governo de gestão está a incentivar um novo abate de árvores que poderá desestabilizar o país e gerar conflitos sociais, como aconteceu num passado recente.

"O Governo está a incentivar uma nova possibilidade de retorno ao ataque das nossas florestas com o abate de mais árvores. Se por um lado as leis não são respeitadas, por outro também não se cumpre a moratória. Assim sendo,  torna-se difícil acreditar que o encaixe financeiro que o Governo terá com a venda dessa madeira apreendida garanta a compensação da comunidade local. Questionamos como é que se pode pensar num perspetiva de comercialização sem a existência de um plano de investimento ao nível local e a restauração do ecossistema florestal. Não há mapeamento, desconhece-se a superfície da zona e das espécies que foram atingidas, não há nenhum plano de repovoamento, não existem planos de investimento nas estruturas de monitoria, de fiscalização e de vigilância do espaço florestal".

De acordo com o Director da Floresta e Fauna, Mamadu Camara, "com a venda da madeira apreendida, o Estado guineense deverá arrecadar cerca de 10,3 milhões de euros, sendo 35 por cento desse montante enviado para a Direção-geral das Florestas, através do Ministério da Agricultura, Florestas e Pecuária para a realização de um inventário florestal de repovoamento".

"Primeiro, temos que saber quais foram os danos causados e para tal necessitamos de efectuar um inventário. O resto do dinheiro será depositado no Tesouro Público", acrescenta.

Responsabilizar o Estado

Mesmo assim, Miguel de Barros entende que o Estado deve ser responsabilizado e encoraja as comunidades locais a moverem uma queixa-crime contra as autoridades que não zelarem para que o investimento seja feito por forma "a compensar as comunidades pelas perdas registadas com o abate de árvores, assumir a politica de gestão sustentável das florestas e fazer com que o investimento social seja compensável directamente daquilo que são madeiras em vias de exportação".

O diretor-executivo da Tiniguena afirma ainda que o negócio está a servir para grupos privados entrarem num espaço reservado à proteção ambiental de forma completamente anárquica e ilegal, financiando sistemas de partidos e políticos, para além de ser posta em causa a capacidade do Estado de cumprir a sua tarefa - uma postura que só aumenta o risco de conflitos sociais e a instabilidade politica.

"O que a Guiné-Bissau está a fazer no que concerne à gestão dos recursos florestais é algo que põe em causa a sua própria estabilidade política. É através deste negocio ilícito onde se tem acesso aos recursos financeiros que acabam por capturar o Estado naquilo que são as suas capacidades e responsabilidades. Nós vimos casos no interior do país, onde não havia mesquitas e foram pessoas ligadas ao negócio da madeira que financiaram a construção de mesquitas. É uma forma de corromper uma comunidade para se alienar dos seus recursos".

A China, o Vietname e a India são os principais destinos da madeira, constituída essencialmente por "pterocarpus violaceus", conhecido na Guiné-Bissau como "pau sangue", é a principal espécie cortada.

Braima Darame (Bissau) | Deutsche Welle

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