Venda de madeira cortada de forma
ilegal na Guiné-Bissau gera onda de contestação entre organizações da sociedade
civil guineense que acusam Executivo de cometer um crime.
A organização da sociedade civil
guineense,Tiniguena - "Esta Terra é Nossa", acusou nesta quinta-feira
(25.01) o Governo demissionário da Guiné-Bissau de praticar um ato criminoso
que viola a moratória que proíbe a venda ilegal e a exportação de madeiras
preciosas apreendidas no país.
Na passada segunda-feira (22.01),
o Governo de Umaro Sissoco Embaló iniciou a exportação de 1.500
contentores com madeira cortada de forma ilegal, apreendida, e que se
encontrava espalhada pelas florestas da Guiné-Bissau.
Miguel de Barros,
diretor-executivo da Tiniguena, uma das organizações envolvidas nas iniciativas
de protesto, afirma que o ato é ilegal e prejudica gravemente o país.
"Estranho o facto de o Governo tomar uma decisão de investimento
público quando está numa situação de gestão. A medida não tem caráter
retroativo e estando em vigor uma moratória que proíbe a comercialização e
exportação de madeira, qualquer decisão contrária é ilegal e sem
credibilidade", destacou.
Madeira apreendida entre 2012 e
2014
A madeira, espalhada pelas florestas
e em contentores em Bissau, foi apreendida pelo Governo entre 2012 e 2014, na
sequência de uma campanha de abate ilegal de árvores nas florestas da
Guiné-Bissau por madeireiros nacionais e estrangeiros. Para estancar o abate de
árvores, o Governo do então primeiro-ministro, Domingos Simões Pereira,
decretou, em abril de 2015, uma moratória de cinco anos, como forma de atenuar
os riscos que pusessem em causa o equilíbrio ambiental na Guiné-Bissau.
A decisão surgiu numa altura em
que centenas de madeireiros nacionais e estrangeiros tinham licenças de
exploração emitidas pelas autoridades de transição que geriram a Guiné-Bissau
durante dois anos, na sequência do golpe militar de 2012.
Com a moratória ao abate de
árvores, muita madeira que já tinha sido cortada não foi exportada.
Recorde-se que o CITES -
Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e da Flora
Selvagem Ameaçadas de Extinção - , sancionou a Guiné-Bissau, proibindo a
exportação da madeira cortada naquele período.
Para o CITES aceitar o
levantamento do embargo, o governo guineense teve que adequar a legislação
interna aos princípios da organização.
Incentivar um novo abate de
árvores?
Agora, com a decisão de
comercialização e exportação de madeiras, o ativista da sociedade
civil Miguel de Barros entende que o atual Governo de gestão está a
incentivar um novo abate de árvores que poderá desestabilizar o país e gerar
conflitos sociais, como aconteceu num passado recente.
"O Governo está a incentivar
uma nova possibilidade de retorno ao ataque das nossas florestas com o abate de
mais árvores. Se por um lado as leis não são respeitadas, por outro também não
se cumpre a moratória. Assim sendo, torna-se difícil acreditar que o
encaixe financeiro que o Governo terá com a venda dessa madeira apreendida
garanta a compensação da comunidade local. Questionamos como é que se pode
pensar num perspetiva de comercialização sem a existência de um plano de
investimento ao nível local e a restauração do ecossistema florestal. Não há
mapeamento, desconhece-se a superfície da zona e das espécies que foram
atingidas, não há nenhum plano de repovoamento, não existem planos de
investimento nas estruturas de monitoria, de fiscalização e de vigilância do
espaço florestal".
De acordo com o Director da
Floresta e Fauna, Mamadu Camara, "com a venda da madeira apreendida, o
Estado guineense deverá arrecadar cerca de 10,3 milhões de euros, sendo 35 por
cento desse montante enviado para a Direção-geral das Florestas, através do
Ministério da Agricultura, Florestas e Pecuária para a realização de um
inventário florestal de repovoamento".
"Primeiro, temos que saber
quais foram os danos causados e para tal necessitamos de efectuar um
inventário. O resto do dinheiro será depositado no Tesouro Público",
acrescenta.
Responsabilizar o Estado
Mesmo assim, Miguel de Barros
entende que o Estado deve ser responsabilizado e encoraja as comunidades locais
a moverem uma queixa-crime contra as autoridades que não zelarem para que o
investimento seja feito por forma "a compensar as comunidades pelas
perdas registadas com o abate de árvores, assumir a politica de gestão
sustentável das florestas e fazer com que o investimento social seja
compensável directamente daquilo que são madeiras em vias de exportação".
O diretor-executivo da
Tiniguena afirma ainda que o negócio está a servir para grupos privados
entrarem num espaço reservado à proteção ambiental de forma completamente
anárquica e ilegal, financiando sistemas de partidos e políticos, para além de
ser posta em causa a capacidade do Estado de cumprir a sua tarefa - uma postura
que só aumenta o risco de conflitos sociais e a instabilidade politica.
"O que a Guiné-Bissau está a
fazer no que concerne à gestão dos recursos florestais é algo que põe em causa
a sua própria estabilidade política. É através deste negocio ilícito onde se
tem acesso aos recursos financeiros que acabam por capturar o Estado naquilo
que são as suas capacidades e responsabilidades. Nós vimos casos no interior do
país, onde não havia mesquitas e foram pessoas ligadas ao negócio da madeira
que financiaram a construção de mesquitas. É uma forma de corromper uma
comunidade para se alienar dos seus recursos".
A China, o Vietname e a India são
os principais destinos da madeira, constituída essencialmente por
"pterocarpus violaceus", conhecido na Guiné-Bissau como "pau
sangue", é a principal espécie cortada.
Braima Darame (Bissau) | Deutsche
Welle
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