No Continente, fugir aos impostos
é mais grave do que bater na mulher, mas menos grave do que a homossexualidade.
As conclusões são do estudo “The Ethics of Tax Evasion: An Empirical Study of
Chinese Opinion”, do académico Robert W. McGee que já está a trabalhar noutra
versão que inclui Taiwan e Hong Kong.
O objetivo do novo estudo é
comparar as opiniões sobre a fuga aos impostos de Taiwan, Hong Kong e do
Continente. Macau ficou de fora por não terem sido realizados no território
inquéritos da World Values Survey, nos quais se baseia o académico. O novo
estudo tem como ponto de partida as perguntas: se a visão sobre o crime difere
entre os territórios; se os mais velhos e mais novos, homens e mulheres têm uma
posição diferente; se a forma como se encara o delito mudou ao longo dos anos
e, caso tenha mudado, em que sentido.
Robert W. McGee decidiu avançar
com a pesquisa depois de ter realizado um estudo semelhante, mas só sobre o
continente. McGee e Zhaoxu Liu, ambos da Fayetteville State University, na
Carolina do Norte (EUA), decidiram avançar com “The Ethics of Tax Evasion: An
Empirical Study of Chinese Opinion” por constatarem que existem poucos estudos
sobre a forma como a população chinesa encara a fuga aos impostos em termos
éticos.
“Decidi realizar um estudo sobre
a China porque não é um país ocidental. Queria perceber se a visão sobre a fuga
aos impostos era muito diferente”, explica Robert W. McGee, depois de notar que
praticamente todos os inquéritos que conduziu até hoje foram realizados em
países ocidentais e que a bibliografia que encontrou sobre o assunto também tinha
apenas fontes do ocidente.
Participaram 1885 indivíduos de
várias partes do Continente no inquérito, publicado em finais de 2016, a partir
de informação recolhida por investigadores que contribuíram para o World Values
Survey (uma rede global de académicos de Ciências Sociais), em 2012. Ainda que
a amostra esteja muito aquém da população do Continente – atualmente com 1,3
mil milhões de habitantes, o académico garante que os resultados são “altamente
fiáveis”.
Robert W. McGee realça que os
investigadores procuraram recolher informação de um grupo diversificado de
pessoas com base na idade, género, condição social, nível salarial e
localização geográfica, entre outros critérios. O objetivo era ter pluralidade
para que os resultados fossem consistentes, válidos e pudessem ser sintomáticos
da visão nacional.
“Em estatística não é necessário
inquirir uma larga percentagem da população para que se obtenham resultados
fidedignos. Muitos inquéritos válidos foram conduzidos com base numa amostra de
apenas 300 a 500 participantes. Esta amostra tem 1885 participantes, o que é
muito superior ao que é preciso para se ter resultados credíveis”, assegura.
O estudo mostra que 43,4 por
cento dos inquiridos defende que a fuga aos impostos é inadmissível,
independentemente dos motivos. “O que quer dizer que quase 57 por cento
acredita que é justificável em alguns casos”, realça McGee, acrescentando que o
resultado não surpreende e que é similar ao de inquéritos realizados noutros
países.
A gravidade com que se encara o
incumprimento comparado com outras questões é talvez um dos pontos mais
curiosos do inquérito. De acordo com os dados do estudo, fugir aos impostos é
considerado ligeiramente mais grave do que bater na mulher e ligeiramente menos
grave que a homossexualidade. O roubo de propriedade, a prostituição e aceitar
subornos também são considerados comportamentos mais reprováveis do que a fuga
aos impostos. O mesmo não acontece com o suicídio, violência contra terceiros,
aborto ou eutanásia que, entre outros comportamentos, são considerados menos
condenáveis que o de não pagar os impostos. “O resultado também não me
surpreende, ainda que não soubesse o que esperar”, refere o também advogado.
A oriente não muda muito
Com o estudo, Robert W. McGee,
professor do departamento de Contabilidade da Fayetteville State University,
acabou por concluir que a postura não difere muito em relação ao ocidente. “A
oposição à fuga aos impostos é forte, em geral. Apesar de os chineses, tal como
praticamente em todo o lado, acreditarem que pode ser justificada em alguns
casos”, sublinha.
No que diz respeito ao género,
McGee diz não ter encontrado grandes diferenças na forma como mulheres e homens
olham para a conduta no Continente.
O académico explica que a
similitude ou diferença de opinião entre homens e mulheres sobre o tema muda de
país para país, mas que a tendência é para as opiniões serem parecidas ou de as
mulheres serem mais intransigentes do que os homens na matéria.
“Não é claro porque as mulheres
poderão ser mais contra a fuga aos impostos do que os homens em alguns países e
noutros não. Um dos motivos apresentados por investigadores é que, em culturas
patriarcais, a mulher tende a ter mais respeito pela autoridade e têm uma
posição mais vincada face ao desrespeito pela lei”, refere o académico. O mesmo
já não acontece em sociedades mais igualitárias, onde homens e mulheres tendem
a ter opiniões mais próximas.
Já no que diz respeito à idade, o
especialista refere que as posições dos mais velhos e mais novos não são muito díspares.
McGee confessa ter ficado surpreendido, tendo em conta os resultados obtidos
noutros territórios onde, por norma, a população mais adulta mostra mais
respeito pela autoridade e é mais inflexível no que toca a violar a lei.
“Uma das explicações possíveis
para esta diferença face a outros inquéritos pode estar relacionada com as
mudanças que o sistema económico chinês tem sofrido nas últimas décadas, e que
o aproxima cada vez mais de um sistema de mercado”, especula.
Outro dos dados que surpreendeu
Robert W. McGee foi o que estabelece a relação entre o nível de educação dos
entrevistados e a opinião sobre a fuga aos impostos. O estudo mostra que os
dois grupos com menos educação ficaram em lados opostos da lista. Os inquiridos
sem escolaridade são os mais transigentes, sendo que os que completaram apenas
o ensino primário são o grupo mais intransigente. Já o grupo de pessoas com
formação universitária ficou a meio da lista. Tendo em conta estudos que
estabelecem conclusões com base no mesmo critério, o académico explica que há
três padrões: os indivíduos com mais educação são os que mais se opõem; ou, os
com menos educação são os que se opõem mais; ou, não se confirma uma relação
entre o grau académico e a posição que se assume sobre a matéria. “Os resultados
deste estudo sobre a China não encaixam em qualquer um destes três padrões
dominantes”, ressalva o professor.
Ao contrário do que sucede com o
nível académico, Robert W. McGee não se mostra surpreso com o que estabelece a
relação entre a condição socioeconómica e a postura que se tem face à fuga aos
impostos. Os dois grupos de classe média são os que mais se opõem ao crime,
enquanto os entrevistados da classe mais alta são os mais tolerantes.
Robert W. McGee salienta também
que, ainda que a posição dos indivíduos entrevistados varie de região para
região, é na zona de Chongqing, no sudoeste do Continente, que se encontra mais
oposição à fuga aos impostos. Já os habitantes da província de Heilongjiang, no
nordeste, são os mais condescendentes, sendo que não foi recolhida informação
na região de Fujian.
O professor explica que no estudo
que realizou constatou ainda que indivíduos casados e viúvos tendem a opor-se
mais à evasão fiscal do que os solteiros ou indivíduos separados/divorciados, à
semelhança do que acontece na maioria dos territórios.
Em jeito de conclusão, Robert W.
McGee nota que há uma tendência para se relativizar cada vez mais a fuga aos
impostos. Ainda que se mantenha uma forte oposição, é menor face a 1990. Com
base em literatura histórica e filosófica, o académico considera plausível
concluir que as pessoas são cada vez mais tolerantes devido à perceção de que
os governos são corruptos, que os impostos são demasiado elevados ou de que o
que os contribuintes pagam não se reflete de forma proporcional no que
beneficiam no acesso a serviços e bens na sociedade.
Sou Hei Lam | Plataforma Macau
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