Afonso Camões* | Jornal de Notícias
| opinião
Quando dentro de dias se sentarem
um diante do outro, sabem Rui Rio e António Costa que a história é escrita
pelos vencedores. Na política como na guerra, não há bons nem maus, mas
vencedores e vencidos. Em democracia, a razão por que às vezes ganham os menos
simpáticos é cristalina: é porque votamos neles. Ora, Rio chegou até aqui pela
simples razão de que tem ganho as batalhas em que se tem metido. Hoje, porém, é
outra história. O novo chefe da Oposição herda um PSD dividido e cansado, cego
por um longo estado de negação, perante um país rendido a resultados concretos
de quem está de turno no Governo: economia a crescer, desemprego a baixar, os
melhores resultados em 20 anos.
Rio tem, pois, tudo para perder.
E é também por isso que pode ganhar. A nossa marinhagem provou há séculos como
ir à bolina, contra o vento. Não basta confiar na teoria da gravitação, tão
antiga quanto as nossas caravelas, acreditando que a maçã do poder socialista
vai cair devido ao seu próprio peso e que isso vai permitir ao PSD regressar a
S. Bento, mesmo fazendo de morto. Dentro do partido, ele tem de saber sacudir a
miríade de cortesãos habituados a viver à babugem do poder que se lhe atiçam à
perna. E, virado para fora, menorizar os resultados do Governo PS e convencer
os portugueses de que é possível e desejável fazer melhor.
A eleição direta e antecipada dos
líderes retirou aos congressos partidários, como o que hoje termina, o picante
imprevisível de outrora. À parte a habitual liturgia, o que dali se espera é
que eles sejam de consagração ou de renovação. De consagração, se fosse para
festejar, e não é o caso. De renovação, é o que estamos para ver, depois de a
história recente ter demonstrado que uma democracia madura não tolera
ressabiados, antes reclama uma Oposição forte, capaz de acenar com futuro,
alternativas e esperança. Ora, se há um sinal que Rui Rio deixa muito claro no
final deste congresso esse é a necessidade de o país avançar para reformas
estruturais há muito tempo adiadas e a disponibilidade do seu PSD para acordos
de regime, em nome do "interesse nacional".
Os anos de austeridade não deram
margem para as reformas que Portugal precisa, as mais importantes das quais
exigem consensos alargados e maiorias qualificadas. E tal só é possível com uma
Oposição ao mesmo tempo firme e cooperante, que saiba, ao menos, ir à boleia do
presidente da República. A cooperação é a arte de viver em desacordo. E não há
democracia sem incerteza e sem conflito. Rio não tem muito tempo. Mas tem de
rodear-se dos bons e chamar para si os melhores. A próxima campanha eleitoral
já começou. Hoje é o primeiro dia.
*Diretor do JN
Foto: Rui Rio | de Paula Nunes em ECO
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