sábado, 10 de março de 2018

ESPANHA | Como se gestou a grande greve feminista


Para que multidões ocupassem as ruas em dezenas de cidades, no 8 de Março, foi preciso onze meses de preparação, muita criatividade, acordos com os movimentos sociais e sindicatos. Veja o relato e as fotos

Marta Borraz* | Outras Palavras | Tradução: Inês Castilho | Imagens: Público (ver galeria completa)

No ano passado bateu o desejo. Depois de uma manifestação que transbordou suas expectativas e algumas paralisações parciais isoladas, pressentiram que a ideia podia ganhar mais força. Um ano depois, o movimento feminista espanhol convocou uma greve em nível nacional que conta com o respaldo dos sindicatos da CGT (Confederação Geral do Trabalho), da CNT (Confederação Nacional do Trabalho) e da Confederação Intersindical, e à qual se somaram a UGT (União Geral de Trabalhadores) e a CCOO (Comissões Trabalhistas da Espanha) com paralisações do trabalho.

Pouco depois do 8M de 2017, umas tantas mulheres já começaram a reunir-se em Madri para preparar o 8M de 2018. Era o mês de abril e a primeira vez que o 8 de março começava a ser gestado com tanta antecedência.

“A manifestação em Madri e em outras cidades foi tão massiva que ficamos com vontade e com força para construí-la no ano seguinte”, explica a porta-voz Viviana Dipp Quitón. Não se entende a greve  sem um contexto internacional de explosão feminista, que colocou nas ruas as mulheres polonesas pelo aborto, as argentinhas com o #NiUnaMenos e as estadunidenses na Marcha das Mulheres.


Apesar do caldo de cultura, não houve margem de tempo suficiente para que na Espanha espalhasse uma convocatória de greve em 2017, e por isso se limitou em paralisações pontuais em algumas empresas, universidades e escolas. Mas o pavio já estava aceso. A primeira assembleia celebrada na capital para preparar o 8M de 2018 já tinha uma ideia clara: convocar uma greve feminista – trabalhista e estudantil, de cuidados e de consumo – a que se unisse o maior número de mulheres possível, de todos os setores.

“Não sabíamos muito bem o que ia acontecer, de modo que a primeira coisa que decidimos foi começar a caminhar pelos bairros”, diz Inês Gutiérrez, porta-voz do 8M. A intenção de descentralizar a proposta levou o movimento – que desde o princípio está aberto a qualquer mulher e atrás do qual não há nenhum coletivo – a realizar as assembleias todos os dias 8 de cada mês, junto a diferentes movimentos sociais da capital e a fazer um encontro nacional na cidade de Elche, em setembro, e convocar oficialmente uma assenbleia em Zaragoza, à qual assistiram umas 400 mulheres.

Com o passar dos meses foram se criando comissões, tanto em Madri como em nível nacional, até chegar a um grupo numeroso: comissão de organização, legal, sindical, de comunicação, estudantil, internacional etc. Cada vez mais mulheres foram se somando às assembleias, que viram-se obrigadas a buscar espaços mais amplos. “Foi bonito comprovar que não somos mais só umas poucas que saimos às ruas, mas ocorre algo que tem muito a ver com as redes sociais e o impulso de muitas mulheres jovens”, diz Dipp.

Desde o verão espanhol, o movimento feminista tinha uma coordenação nacional e a greve estava sendo convocada também em dezenas de cidades e municípios. Logo começou a crescer o manual, que é um documento vivo, mas está claro que se trata de um instrumento com enfoque global. “Ele não nos vale só para reivindicar o fim da desigualdade salarial, precisamos de um instrumento que consiga visibilizar tudo o que as mulheres fazemos, algo que o conceito tradicional de greve nunca incluiu”, relata Gutiérrez.

Não eram poucas as mulheres que nas primeiras reuniões expunham suas dúvidas sobre como explicar a manifestação, que não é uma greve trabalhista comum e que transcende esse instrumento usado pelos sindicatos. Foi quando começaram os primeiros debates sobre a necessidade das assembleias chegarem a um consenso: contar ou não contar com o guarda-chuva sindical. Houve um debate sobre rejeitar ou não esse tipo de estrutura, mas no final se acabou consensuando de que somos aliadas”, explica Henar Sastre, da comissão sindical do 8M.

O sujeito da mobilização

Depois de tomar consciência do marco legal com que se contava e quais eram suas possibilidades, o movimento feminista começou, em meados de dezembro, a dialogar com os sindicatos. Como pontesforam escolhidas as feministas das centrais sindicais, que tornaram-se uma peça chave para conseguir seu apoio. “Sua batalha foi muito importante porque empurraram a partir de dentro as estruturas sindicais, que muitas vezes são resistentes”, acrescenta Gutiérrez.

A ideia de transbordar o que tradicionalmente se concebeu como greve foi tomando forma, porque “o enfoque de sempre é muito masculinizado e vinculado ao campo do trabalho remunerado”, é sem dúvida “preciso ampliar esses instrumentos para visibilizar tanto o trabalho de cuidados que as mulheres costumamos fazer como a desigualdade que sofremos em todas as esferas”. Ao final, uma assembleia após a outra, o movimento foi desenhando esse novo instrumento, de alcance não só trabalhista como também político e social.


Quem é o sujeito da greve feminista? Contra quem fazemos greve? Foram algumas das perguntas que ficaram rondando as reuniões e que era necessário responder. Depois de vários meses de debate, o consenso acabou por reivindicar que as mulheres fazem greve para toda a sociedade, e que são as mulheres que estão sendo chamadas – a greve convocada pela CGT e a CNT é geral e as paralisações da UGT e da CCOO dirigem-se a todos, mas o movimento 8M está convocando as mulheres.

“Queremos que sejam elas a entrar em greve, porque a ideia é que todas parem por um dia para deixar claro o impacto do que fazemos, quando não estamos. É um dia sem mulheres também para que os homens se encarreguem de cuidar e fazer todas as tarefas que nós mulheres costumamos fazer”, insiste Gutiérrez. A convocação estendeu-se aos bairros para chegar a todas, também às mulheres eraue trabalham nos caixas de supermercados e não somente às que leem o Twitter. O objetivo é ampliar o poder de convocação e desafiar o simbólico para passar a uma greve real.

*Marta Borraz é jornalista, comprometida com os direitos humanos e o jornalismo com visão de gênero.


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