Em publicação de ontem podem ler
no PG, extraído do Diário de Notícias, acerca de Passos Coelho e o
despoletamento do abaixo-assinado dos alunos do ISCSP (também de professores)
contra a entrada de Passos como professor daquela instituição universitária,
para onde Passos foi alegadamente convidado na qualidade de professor catedrático
– coisa que nunca foi nem lhe é reconhecido tal mérito. É o nepotismo puro e
duro de uns quantos PSD e CDS em posição privilegiada no ISCSP. O desagrado por
tal decisão em admitir Passos está em crescendo na instituição, o
abaixo-assinado contra tal professor também vê os aderentes crescerem nas
assinaturas.
A polémica instalou-se e
revitalizou buscas de quem é Passos Coelho. Em tempo uma amiga de Passos
referia-o como um narcisista perigoso, um calculista que se fazia “amigo”
daqueles que eventualmente pudessem influir em vantagens e lucros que
pretendia. Disse-o sem pejo. Em carta que foi tornada pública brindava Passos
com “descascas” que deixaram muitos estupefactos. Em alguns que o conheceram
era comum terem a ideia de que Passos Coelho possuía a exclusividade de ser só
amigo dele próprio.
Sendo mais assim ou menos, como o
descrevem, optamos por reportar-nos a um trabalho de 2014 publicado na Visão,
sobre Passos Coelho. Cada um é como cada qual e tem a liberdade de ler e
interpretar como quiser. Nós republicamos esse trabalho da Visão de há quatro
anos atrás. É que com tanto narcisismo na bagagem, como dizem, e outras facetas
nada abonatórias, decerto que Passos não mudou. Há inclusive os que temem que
ele regresse à ribalta política por instintos de vingança, mostrando assim o
quanto de mal pensam dele.
Passemos ao trabalho da Visão, em
2014. Ali nem sequer vimos coisas tão terríficas quanto muitos vêem e opinam do
ex-primeiro-ministro e líder do PSD. Por nós, no PG, sempre o achámos indivíduo
sem mérito que ascende posições num enganoso jogo de espelhos. Um grande
oportunista. A vossa interpretação pessoal fica para os que lerem a seguir e
juntem o que sentem, assim como o que viram das suas atuações públicas, políticas
ou outras. (PG)
A vida "esquecida" de
Passos Coelho
Como presidente do Centro
Português Para a Cooperação, Passos Coelho viu amigos serem contemplados com
automóveis topo de gama para uso pessoal, viajou em executiva e, sobretudo,
mostrou que, aos 32 anos, já detinha uma agenda de contactos impressionante. Conheça
a história de bastidores do caso que agora incomoda o primeiro-ministro
A empatia foi imediata. No
primeiro almoço entre Fernando Madeira, fundador e patrão da Tecnoforma, e o
então deputado do PSD Pedro Passos Coelho, no início de 1996 (peixe grelhado
degustado num restaurante à beira-Tejo), um inesperado e agradável assunto de
conversa surgiu, antes de irem ao que interessava. Ambos descobriram que tinham
lido O Fenómeno Humano, do filósofo francês e padre jesuíta Theilhard de
Chardin (1881/1955), que exultava o "estofo" do Homem.
Theilhard de Chardin era um
otimista incorrigível, a ponto de acreditar que o Vaticano aceitaria a
equiparação que defendia entre a Razão material e o dogma da Fé - tese que lhe
valeu uma longa proscrição. Mas fiquemo-nos só pelo otimismo, para agarrar a
história de Fernando Madeira, alentejano de Evoramonte, com curso interrompido
de engenheiro no Instituto Superior Técnico, em Lisboa. Em fins dos anos 1970,
é formador profissional na Lisnave, que agonizava. Não hesitou um minuto, pois,
quando, em 1980, recebeu um convite para se tornar supervisor de formação da
Cabinda Gulf Oil, detida pela petrolífera americana Chevron, em Angola. Dois
anos depois, numa pequena sala alugada num prédio da Av. da República, no
centro de Lisboa, já trabalha sozinho na sua firma, a Ergoform, que fatura à
Cabinda Gulf Oil manuais, slides e outro material didático para os formandos da
companhia. Em 1984, arranca com a Tecnoforma e, em 1986, instala uma offshore
na ilha de Jersey (Inglaterra), a Form Overseas, Ltd., que se transforma na
placa giratória dos fluxos financeiros faturados à Cabinda Gulf Oil, 5 a 6
milhões de dólares por ano, na década de 1990, "nivelando por baixo",
corrige fonte conhecedora.
Foi este homem, com 52 anos em
1996, que o jovem deputado Passos Coelho, 20 anos mais novo, muito
impressionou, quando Fernando Madeira quis criar uma Organização Não
Governamental para o Desenvolvimento (ONGD), de que a Tecnoforma seria o
mecenas. Ao aceitar ser presidente do Centro Português Para a Cooperação
(CPPC), afinal o objetivo do almoço em que Theilhard de Chardin foi falado,
Passos Coelho começou de imediato a elencar as pessoas certas para o conselho
de fundadores. Formulou os convites, todos bem sucedidos, e explicou-os a
Fernando Madeira: alguém próximo do então PR, Jorge Sampaio (seria Júlio Castro
Caldas, à época bastonário da Ordem dos Advogados), do Governo de António
Guterres (o deputado do PS Fernando de Sousa), da oposição (Marques Mendes,
líder parlamentar do PSD), da Comunicação Social (Eva Cabral, na altura
jornalista do Diário de Notícias e hoje assessora política do
primeiro-ministro) e até um dirigente maçónico (coronel Oliveira Marques).
Vasco Rato, atual presidente da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento,
que tem sido mencionado como outro dos fundadores, não consta do documento
constitutivo, mas participava em refeições de trabalho, sobretudo jantares,
convidado por Passos Coelho.
De resto, vê-se agora que Passos
Coelho se socorreu, igualmente, de gente da sua confiança para a lista do CPPC,
como o gestor Luís Flores de Carvalho (hoje presidente da Parque Escolar) ou o
médico Jorge Penedo (atualmente assessor técnico do ministro Paulo Macedo e
membro da direção clínica do Centro Hospitalar de Lisboa Central). Juntaram-se-lhes
os juristas João Luís Gonçalves e Filipe Fraústo da Silva, secretário-geral e
presidente do Conselho de Jurisdição da JSD, respetivamente, quando Passos
Coelho dirigiu esta estrutura do PSD (1990/1995).
Foi, aliás, numa sala da
sociedade de advogados em que Fraústo da Silva trabalhava, na Av. da Liberdade,
em Lisboa, que a ?11 de outubro de 1996 ocorreu a constituição notarial do
CPPC. Ângelo Correia era suposto ser também um dos fundadores, mas, relatam
testemunhas, esteve ali poucos minutos: contou uma anedota sobre Guterres (um
pastor que, em vez de conduzir o rebanho, se colocava no meio das ovelhas) e
saiu, sem apor a sua assinatura no documento.
Sabe-se, de fontes fidedignas,
que João Luís Gonçalves, escolhido para diretor do CPPC, para coadjuvar
Fernando Madeira, viu ser-lhe atribuído um Audi de serviço, ?adquirido pela
Tecnoforma em regime de leasing. Também ao deputado do PS Fernando de Sousa,
eleito presidente da Assembleia Geral da ONGD, foi entregue um automóvel para
seu uso, no caso um BMW, comprado nas mesmas condições. Já o presidente, Passos
Coelho, afirmou e reafirmou ao Parlamento, recentemente, que trabalhou pro
bono, a propósito da controvérsia acerca do seu pedido de subsídio de
reintegração (cerca de €60 mil), concedido em 2000 pelo então presidente da AR,
Almeida Santos, após o atual primeiro-ministro ter declarado que, entre 1991 e
1999, desempenhou em regime de exclusividade as funções de deputado.
'OURO NEGRO' A FUGIR ENTRE OS
DEDOS
Fernando Madeira e a sua equipa
trabalharam no duro, para rapidamente cumprirem uma exigência do Governo de
Eduardo dos Santos - a "angolanização" dos quadros básicos e
intermédios das multinacionais petrolíferas que exploravam o ouro negro no
país. E a Cabinda Gulf Oil não podia ter ficado mais satisfeita. "Em 1986,
todos os operadores de produção já eram angolanos", conta um daqueles
elementos.
Como prémio, a participada da
Chevron libertou a Tecnoforma da "exclusividade" a que estava
amarrada, sem deixar de colaborar com a Cabinda Gulf Oil. Ou seja, a empresa de
Fernando Madeira podia trabalhar, em Angola, com outras petrolíferas. ?O
empresário costuma dizer que, por essa altura, a Cabinda Gulf Oil lhe
"impôs" a criação de uma offshore, vantajosa para todos. E, ainda em
1986, nasceu a já referida Form Overseas, Ltd., em Jersey, e com conta no
Barclays. A offshore transforma-se na placa giratória dos fluxos financeiros da
Tecnoforma - que passa a prestar serviços à Form Overseas e é paga por isso.
Milhões de dólares são anualmente faturados à Cabinda Gulf Oil/Chevron pela
Form Overseas, que faz chegar o dinheiro à Tecnoforma.
Os benefícios eram evidentes. Com
o ?outsourcing, a Cabinda Gulf Oil retirava da sua folha de salários duas
dezenas de funcionários estrangeiros ("angolanização" oblige); esses
formadores recebiam, em Portugal, os seus ordenados em dólares (e limpos),
provenientes da offshore, quando, na altura, as empresas do País estavam
proibidas de pagar aos trabalhadores em divisas estrangeiras; e a Tecnoforma
tinha uma carga fiscal mínima.
Até 1994, a empresa carburou ao
máximo. No Instituto Nacional de Petróleos (INP) de Angola, conseguiu chutar
uma subsidiária da multinacional italiana ENI e tomar-lhe o lugar na formação
profissional. Prestava serviços, além da Chevron, à ELF e BP. Para consolidar o
"bom nome", fazia quase de borla cursos administrativos, de inglês e
informática, no gabinete da Presidência da República, e nos Ministérios da
Agricultura e da Defesa.
Mas um dos grandes orgulhos de
Fernando Madeira, diz-se, foi a realização de uma conferência de dois dias (14
e 15 de julho de 1993), em Luanda, sobre Formação e Gestão em Angola, no 10.º
aniversário do INP. Estiveram presentes os embaixadores português, americano e
francês, e a então ministra angolana do Petróleo, Albina Assis.
Na sede da Tecnoforma no Pragal,
Almada, geriam-se, mediante o pagamento de uma comissão, bolsas de estudo a
angolanos enviados pela Sonangol (a empresa estatal de petróleo em Angola) ou
por multinacionais como a ELF, para ingressarem no ensino superior em Lisboa e
Coimbra. A empresa tratava-lhes da instalação, de assuntos vários e da gestão
das verbas.
Era a "angolanização"
em curso, que muito dinheiro deu a ganhar à Tecnoforma, mas que passa a ser uma
ameaça. Em 1995, aqueles e outros estudantes começaram a regressar e, de canudo
na mão, ocupavam ?lugares-chave nas petrolíferas - incluindo a formação
profissional. Fernando Madeira apercebeu-se de que o vento estava a virar e a
empresa precisava de mudar de agulha. Havia duas experiências anteriores promissoras.
Em 1992, logo após o fim da guerra civil em Moçambique, a Tecnoforma
concretizou naquele país, com financiamento do Instituto da Cooperação
Portuguesa, um programa de reintegração na vida civil de ex-militares do
Exército e de ex-guerrilheiros da Renamo. Em Angola, em 1994, com verbas do
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e da Organização
Internacional do Trabalho, fez um levantamento nacional das condições de
formação para o emprego.
Mas aquele começava a ser o tempo das ONGD, com estatuto de utilidade pública, isenção de IRC e acesso ao mecenato. ?E Fernando Madeira foi aconselhado a criar uma estrutura dessas, que se candidatasse a fundos comunitários e do Banco Mundial. É aqui que nasce o CPPC e, pouco depois, Passos Coelho atravessou-se-lhe no caminho.
Mas aquele começava a ser o tempo das ONGD, com estatuto de utilidade pública, isenção de IRC e acesso ao mecenato. ?E Fernando Madeira foi aconselhado a criar uma estrutura dessas, que se candidatasse a fundos comunitários e do Banco Mundial. É aqui que nasce o CPPC e, pouco depois, Passos Coelho atravessou-se-lhe no caminho.
O 'SALVADOR' PASSOS COELHO
Fernando Madeira diz a um dos
seus diretores, Sérgio Porfírio, que é preciso constituir uma ONGD. Por mero
acaso, Sérgio Porfírio conhece João Luís Gonçalves, que fora secretário-geral
da JSD, quando Passos Coelho dirigia a Jota do PSD. Diz-lhe que está envolvido
na montagem de uma ONGD e que necessita de um "político credível"
para presidente. João Luís Gonçalves sugere Passos Coelho. Sérgio Porfírio leva
o nome ao patrão da Tecnoforma, que o aprova. O que se passou logo a seguir
está atrás relatado.
Oficialmente, "o CPPC
procurava dar resposta a necessidades detetadas pela Tecnoforma em Angola, Cabo
Verde e Moçambique, para as quais a fórmula mais adequada seria uma ONGD".
No Pragal, na sede da empresa, o n.º 13 era o da Tecnoforma e o?n.º 9 o do
CPPC, mas, no interior das instalações, uma porta ligava os corredores de uma e
do outro.
Em março de 1997, Passos Coelho
voltou a impressionar Fernando Madeira quando lhe telefonou a dizer:
"Prepare-se que vamos a Bruxelas. O João de Deus Pinheiro vai
receber-nos." Voaram em executiva, no dia 10, e o então comissário europeu
deu-lhes uma indicação importante - havia verbas do Fundo Social Europeu
disponíveis para cursos de Função Pública em Cabo Verde e nos outros PALOP.
De seguida, Fernando Madeira e
João Luís Gonçalves puseram-se a caminho de Gaia, de carro, ao encontro do
professor Luís Mota de Castro, um contacto intermediado pelo deputado do PS
Fernando de Sousa. Mota de Castro havia sido docente na Universidade Eduardo
Mondlane, em Maputo, e podia fornecer um input relevante para o projeto de Cabo
Verde, dado o conhecimento que tinha da realidade africana. E assim aconteceu,
através de um documento que entregou ao CPPC.
A 1 de novembro de 1997, Passos
Coelho e Fernando Madeira voltaram a voar em executiva, agora com destino à
Cidade da Praia, capital cabo-verdiana. Esta diligência, porém, revelar-se-ia
um desastre. As autoridades pareceram não estar avisadas da visita, que
pretendia apresentar o projeto de um Instituto Superior de Formação em Gestão e
Administração Pública. O ministro cabo-verdiano da Educação encontrava-se em
Lisboa. Algo descortês, Passos Coelho deixou Fernando Madeira sozinho, durante
dias, e foi arejar para outras paragens da ilha de Santiago. Só foi possível
marcar uma reunião com o diretor-geral da Educação para a manhã do dia 4 - o
que parece ter resultado de um telefonema de Passos Coelho para o ausente
ministro cabo-verdiano. Mas Passos não acompanhou Madeira naquele encontro com
o dirigente cabo-verdiano.?O diretor-geral chumbaria o projeto do CPPC - queria
uma universidade e não um instituto de formação intermédia.
Um projeto para Angola, de
promoção de "emprego para o desenvolvimento", seria também chumbado.
Porém, Passos Coelho voltou a estar à altura do que Fernando Madeira dele
esperava quando foi preciso obter de Isaltino de Morais, presidente da Câmara
de Oeiras, uma "carta de interesse" por um curso de costura (que
começou em março de 1998), no então bairro de barracas da Pedreira dos Húngaros,
sobretudo habitado por cabo-verdianos, e subsidiado pelo Fundo Social Europeu
(FSE). Aquela "carta de interesse" de Isaltino, aliás, até chegou ao
CPPC antes mesmo de o autarca receber em audiência formal a ONGD, representada
por Passos e Madeira. Já a verba canalizada pelo FSE é, na verdade,
desconhecida. ?O Instituto do Emprego e Formação Profissional, após insistentes
pedidos de consulta da VISÃO, acabou por responder que não encontrava o
processo respetivo.
Passos ainda daria jeito ao
"patrão" da Tecnoforma na escrita do último relatório de atividades
do CPPC, relativo a 1998 e com uma projeção de orçamento para 1999. Fernando
Madeira pediu socorro ao deputado e presidente da ONGD, porque não sabia mesmo
como arrancar com o texto. Só o projeto da Pedreira dos Húngaros fora
concretizado, era muito pouco. Num ápice, Passos Coelho escreveu os dois
primeiros parágrafos do relatório. "O ano de 1998 não foi particularmente
feliz à concretização das atividades inicialmente projetadas", começava,
para depois destacar que, "independentemente de tais factos, não podemos
deixar de realçar os ensinamentos recolhidos da experiência adquirida".
Conta quem sabe: "Não se atrapalhou nada - num instante deu a volta
àquilo."
Fontes ligadas ao processo
estimam que a Tecnoforma injetou no CPPC cerca de €225 mil, no conjunto de três
anos - 1997, 1998 e 1999. É um montante muito acima das verbas inscritas nos
mapas contabilísticos da ONGD, arquivados no Instituto Camões e subscritos por
um técnico oficial de contas, José Duro, que faleceu em 2004. Em teoria, o
chamado Balancete Analítico é suposto ser mais pormenorizado e assertivo, mas
parece que, até ver, ninguém sabe onde tal documento se encontra.
Nas conversas mais distendidas, à
imagem daquela sobre Theilhard de Chardin, houve quem se apercebesse, à época,
que Passos Coelho falhara a leitura de O Príncipe, de Maquiavel. Uma lacuna
grave, dir-se-ia, em alguém que aspirava a altos voos políticos.
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