Miguel Guedes* | Jornal de Notícias
| opinião
A detenção por suspeita de
suborno e gratificação de Paulo Gonçalves a três funcionários judiciais no
sentido de obter peças processuais em segredo de justiça do denominado caso dos
emails, não combina com jogo combinado. Seria argumento digno de um bem-aventurado
Oscar. Por muito que alguns se esforcem, nenhum clube pode ser - perante a
justiça - um Estado dentro do estado a que isto chegou. E, como tal, é difícil
perceber que a reacção às investigações do caso E-Toupeira seja uma declaração
"espanta-espíritos" a vociferar por uma audiência à PGR. No momento
em que a PJ averigua o acesso ilegítimo a informação relativa a processos que
correm nos tribunais, alguns dos quais relativos ao F. C. Porto e Sporting,
ganham maior relevância as declarações lidas por Luís Filipe Vieira (LFV) há
dias: "Não precisamos de andar a espreitar pela fechadura dos
outros". As portas da percepção estão bem escancaradas.
É na negação veemente dos factos
que encontramos o primeiro sinal de comprometimento com a verdade. Nos casos
que têm vindo a ser denunciados, muito se diz sobre a forma. Sobre a matéria,
zero. A tese da defesa é a da grande ilusão, esplendor da realidade
alternativa. António Figueiredo, vivo e activo no ano de 2005 no Estoril,
sugere a conveniência da justiça para que a investigação aconteça. Gaspar
Ramos, assegura que não sabe "até que ponto o Benfica tem conhecimento das
acções de Paulo Gonçalves". Percebe-se, a partir de agora, o direito de
preferência a que o acusado tem direito. Mais do que assegurar direitos de
preferência sobre jogadores adversários, competirá ao clube escolher os
jogadores de preferência dentro da sua própria casa. À semelhança do que
acontece no Poker, não poderão todos continuar a apostar "All-in" e
haverá dispensáveis. Quase um ano após a primeira denúncia de Francisco J.
Marques, há cada vez mais personagens do "House of cards" que podem
ser afastados da série pelo receio de que a série tenha sequelas.
Vivemos num tempo que Kafka ou
Orwell não teriam dificuldade em descrever. No momento em que a investigação é
noticiada em jornais internacionais de referência como o "Washington
Post", vivemos em Portugal com uma decisão judicial da senhora de outros
tempos, irrazoável e desproporcionada, a proibir o Porto Canal de se referir às
suspeitas que permitiram que agora tudo se investigue e se possa apurar a
verdade. Lê-se que o braço-direito (a que alguns apelidam de mero
"assessor jurídico") de LFV teve acesso ao caso dos emails uma semana
após o início da investigação. Sempre, claro, a presunção de inocência. Mas
como a justiça se faz no tempo, ainda vamos ouvir dizer por aí que com dois
anos de F. C. Porto, seis de Boavista e 11 de Benfica, Paulo Gonçalves foi
enviado por Pinto da Costa para o Benfica porque o presidente do F. C. Porto
tinha saudades do tempo de Vale e Azevedo.
*Músico e advogado
O autor escreve segundo a antiga ortografia
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