quarta-feira, 7 de março de 2018

PORTUGAL | A Relação proíbe, a PJ investiga


Miguel Guedes* | Jornal de Notícias | opinião

A detenção por suspeita de suborno e gratificação de Paulo Gonçalves a três funcionários judiciais no sentido de obter peças processuais em segredo de justiça do denominado caso dos emails, não combina com jogo combinado. Seria argumento digno de um bem-aventurado Oscar. Por muito que alguns se esforcem, nenhum clube pode ser - perante a justiça - um Estado dentro do estado a que isto chegou. E, como tal, é difícil perceber que a reacção às investigações do caso E-Toupeira seja uma declaração "espanta-espíritos" a vociferar por uma audiência à PGR. No momento em que a PJ averigua o acesso ilegítimo a informação relativa a processos que correm nos tribunais, alguns dos quais relativos ao F. C. Porto e Sporting, ganham maior relevância as declarações lidas por Luís Filipe Vieira (LFV) há dias: "Não precisamos de andar a espreitar pela fechadura dos outros". As portas da percepção estão bem escancaradas.

É na negação veemente dos factos que encontramos o primeiro sinal de comprometimento com a verdade. Nos casos que têm vindo a ser denunciados, muito se diz sobre a forma. Sobre a matéria, zero. A tese da defesa é a da grande ilusão, esplendor da realidade alternativa. António Figueiredo, vivo e activo no ano de 2005 no Estoril, sugere a conveniência da justiça para que a investigação aconteça. Gaspar Ramos, assegura que não sabe "até que ponto o Benfica tem conhecimento das acções de Paulo Gonçalves". Percebe-se, a partir de agora, o direito de preferência a que o acusado tem direito. Mais do que assegurar direitos de preferência sobre jogadores adversários, competirá ao clube escolher os jogadores de preferência dentro da sua própria casa. À semelhança do que acontece no Poker, não poderão todos continuar a apostar "All-in" e haverá dispensáveis. Quase um ano após a primeira denúncia de Francisco J. Marques, há cada vez mais personagens do "House of cards" que podem ser afastados da série pelo receio de que a série tenha sequelas.

Vivemos num tempo que Kafka ou Orwell não teriam dificuldade em descrever. No momento em que a investigação é noticiada em jornais internacionais de referência como o "Washington Post", vivemos em Portugal com uma decisão judicial da senhora de outros tempos, irrazoável e desproporcionada, a proibir o Porto Canal de se referir às suspeitas que permitiram que agora tudo se investigue e se possa apurar a verdade. Lê-se que o braço-direito (a que alguns apelidam de mero "assessor jurídico") de LFV teve acesso ao caso dos emails uma semana após o início da investigação. Sempre, claro, a presunção de inocência. Mas como a justiça se faz no tempo, ainda vamos ouvir dizer por aí que com dois anos de F. C. Porto, seis de Boavista e 11 de Benfica, Paulo Gonçalves foi enviado por Pinto da Costa para o Benfica porque o presidente do F. C. Porto tinha saudades do tempo de Vale e Azevedo.

*Músico e advogado

 O autor escreve segundo a antiga ortografia

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