quarta-feira, 25 de abril de 2018

COLOCAR NOSSAS PERNAS TITUBEANTES NO FUTURO!


“A planificação geoestratégica do território tem obrigatoriamente que contar com uma outra abordagem em relação aos recursos hídricos do interior, uma planificação que irá influir nas planificações da economia diversificada que prime pela sustentabilidade e pelo respeito para com o homem e a natureza, que tenha como principal sustentáculo a agricultura e a pecuária, algo que já fazia parte das preocupações de Agostinho Neto.

A água é vida e por isso garante de todo o tipo de recursos, o que é tão importante para África, que assiste à expansão das áreas desérticas sobretudo a norte do Equador”...

In “Geoestratégia para um desenvolvimento sustentável” – http://paginaglobal.blogspot.pt/2016/01/geoestrategia-para-um-desenvolvimento.html

 Martinho Júnior | Luanda 

1- África jaz asfixiada pelo neocolonialismo tonificado com o vigor sem limites do capitalismo neoliberal.

É essa a situação que anima os propósitos mercantis da hegemonia unipolar, para exclusivamente oferecer de bandeja lucros de ordem geométrica à aristocracia financeira mundial e às venenosas elites e oligarquias criadas e recriadas à sua imagem e semelhança em todas as “transversalidades”, por isso mesmo incapazes de alguma vez sair do pântano da sua trágica manipulação“automaticamente” mercenária, assimilada, avassalada e rejeitando as alternativas que se identifiquem com os povos!

O poder dominante impõe os processos da revolução industrial e das novas tecnologias sob seu domínio e tutela, sem qualquer respeito quer para com o resto da humanidade, quer para com a Mãe Terra.

Os seus predadores fins são geradores de muitos lucros e tudo é reduzido à mercadoria, numa barbárie a caminho do esgotamento e do abismo.

África, com uma economia ultraperiférica, tem sido reduzida ao fornecimento forçado de matérias-primas e de mão-de-obra barata, ou escrava, a troco de raras migalhas e daí o subdesenvolvimento crónico, as tensões, os conflitos, as guerras, a corrupção, o caos, o terrorismo, a desagregação, as migrações, as doenças, a fome, a miséria e a morte!

África, continuam-na a dilacerar, ceifando tacitamente a população mais jovem, de forma a impedir que hajam pernas para alguma vez se poder dar um pequeno passo que seja na direcção certa, consolidada e fortalecida do futuro!

África, está incapaz de por si só levar por diante as ingentes missões de construção de estruturas, de infraestruturas e comunicações, absorvendo-as nos seus projectos integrados de luta contra o subdesenvolvimento e num quadro de desenvolvimento sustentável, por que de torpor em torpor, de facto África quantas vezes nem a si própria se conhece, ou reconhece, imersa que tem ficado em suas crises de obscurantismo, de identidade e de sobrevivência às portas da morte… em países tão decisivos como o Congo, ou Angola, as universidades e os centros de investigação só há pouco tempo têm sido criados e mesmo assim são espelhos de outros, sem poder reflectir o que a África inexoravelmente diz respeito, lhe está na génese, ou pertence!

Para alguma vez se avançar com uma cultura de inteligência e segurança, em África há que trabalhar com a juventude, com as forças armadas, com os serviços do interior, com os serviços administrativos, com as organizações sociais das áreas rurais, com todas as sensibilidades sócio-políticas e, da fibra humana desse cadinho assim mobilizado com espírito e vocação de missão, fazerem-se abrir as portas das universidades e dos centros de investigação, precisamente ao contrário do que se tem feito: primeiro há o conhecimento prático que só a experiência organizada, disciplinada, com planificação adequada e com sabedoria na orientação poderá gerar e não a injecção “automática” de teorias que arribaram ao sabor da terapia neoliberal, autênticos paliativos, alienações, ou diversões, quantas vezes em regime de lesa-pátria por que são mercenárias.

África, deve saber que o pior dos analfabetos não são os iletrados, mas aqueles que sabendo ler socorrem-se dessas teorias propositadamente injectadas através dos cenários neoliberais, a fim de gerar mercenários, vassalos e fantoches, arrogantes, estupidificados e acéfalos, servis ao “diktat” e ao pântano da hegemonia unipolar do império bastardo dos Estados Unidos e sua panóplia de meios.

2- Há que dar urgentemente um pequeno passo nas amplas avenidas espectáveis de futuro, mas para o dar, vínculo algum ao capitalista neoliberal deve ser cultivado. Não há soluções com egoísmos contra natura, quando o que está em jogo é um futuro solidário, integrador e com espaço vital!

Ninguém pode privatizar as fontes, os nossos caudalosos rios, o nosso espaço vital, ferindo de morte a geoestratégia de desenvolvimento sustentável, intimamente associada à lógica com sentido de vida!

Às forças armadas dos países africanos e às suas forças policiais e paramilitares, assim como a todos os que têm acesso directo às fontes hidrográficas, às correntes dos nossos rios e aos lagos, há toda uma imensa cultura civilizacional a desencadear, em nome de cada e de todas as identidades nacionais africanas!

Essa causa é tão mais premente quando, em íntima correlação ao espaço vital alimentado pela água interior do continente, há matérias-primas e riquezas fabulosas que urge investigar, controlar, cientificamente equacionar e gerir em estreita identidade com os interesses dos povos e comunidades carentes de recursos para levar por diante a luta contra o subdesenvolvimento em que secularmente vegetam.

Num país como Angola, em que além das kimberlites dispersas (ao que se faz constar 600) no vasto planalto em declive que descai de oeste para leste, a rosa-dos-rios está pejada de diamantes aluviais, de ouro e de outras riquezas geológicas e minerais, o controlo das nascentes e dos cursos de água assumem um carácter geoestratégico de grandeza vital.

É incumbência do estado angolano, fiel depositário dos interesses de todo o povo angolano, assumir a responsabilidade que lhe compete e cumprir com os deveres patrióticos inerentes a ela, algo que deve ser feito recorrendo à sensibilidade, à inteligência, ao rigor e ao amor que perfazem a cultura dos que a assumirem.


3- Estive no mês de Março na Venezuela Socialista e Bolivariana, onde assuntos desta natureza têm sido equacionados de tal forma que já permitiram tomar decisões, algumas delas decisões-chave para o exercício de independência e soberania, indispensáveis para fazer face a medidas de agressão externa, levadas a cabo numa frente alargada que abrange medidas de carácter sócio-politico, antropológico, psicológico, económico e financeiro.

No rico vale do Orinoco, um rio que se poderia considerar emparceirado com o Cuanza angolano em função de suas características em relação a um quadro de riquezas naturais exponenciais, o estado venezuelano entendeu estabelecer o Arco Mineiro do Orinoco, numa extensão de mais de 100.000 km2, atraindo interesses externos em termos de investimento e estabelecendo as normas e os critérios atractivos de emparceiramento, tudo isso acompanhado com um esforço inteligente, investigativo e de segurança, que conduz a políticas voltadas para um futuro gerador de capacidades de desenvolvimento sustentável, solidário e integrador.

Esse plano marca a fronteira entre os estados densamente povoados do norte e os estados onde é necessário levar a cabo a intervenção e o povoamento, algo que pode conduzir a que a Venezuela um dia coloque a sua capital num espaço vital situado bem no miolo desse esforço.

Quer as Forças Armadas Nacionais Bolivarianas, através das unidades de fuzileiros fluviais, quer os organismos do Interior (nos estados do Amazonas, do Orinoco e do Apure), constituem um esteio de vanguarda desse esforço, que implica desde logo reconhecimento profundo, investigação multidisciplinar e aquisição de conhecimento científico, para além da instalação propriamente dita de todo ou qualquer projecto que se venha a integrar.

É evidente que tudo isso é sentido de forma patriótica, por que os dividendos desse esforço, como acontece com a exploração de ouro, estão na base da constituição das reservas do Banco Central Venezuelano e ao mesmo tempo serve como padrão de indexação à cripto-moeda Petro, recentemente estabelecida para fazer face à agressão económica e financeira levada a cabo pelo império da doutrina Monroe contra o próprio povo bolivariano.

Com isso a Venezuela socialista e Bolivariana comprova que só com muita luta a independência e a soberania são-no muito para além do simples içar duma bandeira, constituindo um projecto nacional incontornável e imprescindível!


4- As políticas de paz encetadas em África desde o início do século XXI, abrem perspectivas muito alargadas que podem e devem levar em conta as lições que nesse aspecto a Venezuela Socialista e Bolivariana já tem para dar, até por que têm sido conseguidas “a quente”.

As ricas bacias de rios como o Congo, o Nilo, o Zambeze, ou o Níger, conjuntamente com os maiores lagos do continente africano, podem e devem ser melhor garantidas em termos de inteligência, de segurança, de projecções com vista à implantação de geoestratégias para um desenvolvimento sustentável, de busca de consensos e emparceiramentos…

Em relação à bacia do Congo, por exemplo, a RDC pode e deve tornar-se consensual e aberta a emparceiramentos em especial com os países seus limítrofes para garantir segurança, desenvolvimento sustentável a muito longo prazo e acabar de vez com a desagregação que se tem vindo a patentear como uma das heranças de mais difícil resolução que se está a herdar do passado colonial, reflectido pelo presente neocolonial.

Um consenso de interesses das nações, dos estados e dos povos que beneficiam do espaço vital dessa bacia, integrando também os Grandes Lagos, permitirá por outro lado responder a pressões demográficas que, injectadas por interesses nocivos, podem tender para engrossar os factores de desestabilização.

Nesse sentido, a reunião de Brazzaville de 25 de Abril corrente, que pode fazer um balanço preliminar sobre o conjunto de aspectos problemáticos inerentes às respostas humanas correntes em relação à bacia do Congo, pode-se tornar num virar de página na abordagem comum que África deve fazer em relação a si própria e um primeiro passo no sentido do seu renascimento.

Os africanos nesse sentido devem encontrar consensos entre si, sem influências externas, sabendo que potências como por exemplo a França, estão atentas para continuar a desempenhar o papel neocolonial que lhe está no cerne dos relacionamentos, agora atrelada que está ao “diktat” da hegemonia unipolar, aos Estados Unidos e ao AFRICOM.


5- No caso angolano, o estabelecimento dum organismo que seja capaz de dar início aos primeiros passos (inventário e reconhecimento inicial), instalando-o na Região Central das Grandes Nascentes (por exemplo na cidade do Kuito, ou mesmo no Município de Camacupa), será determinante.

É evidente que terá de ser definido o seu carácter geoestratégico, os parâmetros de suas missões, as fases de aplicação de suas acções, os cronogramas dessas acções, a estrutura de sua organização, as suas competências e correlacionamentos, o seu quadro humano inicial, os procedimentos para a recolha, a centralização e a utilização de dados, ou seja um sem número de questões em relação às quais se espelhem os atributos de responsabilidade geoestratégica em prol da independência, da soberania, da segurança, da formação duma cultura de inteligência nacional e dos interesses do povo angolano, de que o estado, dado o seu carácter, é a única entidade que pode ser incumbida.

A lógica com sentido de vida tem tudo a ver com isso, pois a água interior, inerente ao espaço vital, é por si o garante da sustentabilidade que deve ser alvo essencial de pesquisa científica, desde a matriz dos procedimentos a levar a cabo.

O facto da rosa-dos-rios angolana coincidir com o centro geográfico do país, tem por isso implicações de toda a ordem, inclusive na projecção para um desenvolvimento sustentável, tendo em conta a identificação das zonas de ocupação humana (a oeste da Região Central das Grandes Nascentes) e das zonas de intervenção (a leste).

O caudal informativo resultante dos primeiros passos a dar confirma o carácter e as obrigações do estado angolano, por isso exige-se que toda a estrutura inicial assuma um carácter patriótico, capaz de criar consensos com todo o tipo de sensibilidades, convencendo das responsabilidades de que um organismo dessa natureza se nutre.

É à juventude empenhada desde a matriz que se devem abrir as portas dos Institutos, dos organismos de investigação e das Universidades, pois a partir de sua experiência e sua prática, há que dar início às projecções geoestratégicas implicadas na cultura de inteligência nacional, um trabalho patriótico indispensável!

Uma vez que o rio Cuanza é inteiramente nacional e sua bacia, por si, possui um incalculável valor geoestratégico, a ponto de albergar as principais barragens hidroelétricas do país, deve ser considerado de prioritário no esforço a arrancar, uma vez que vai ser necessário levar em atenção as reduzidas capacidades à disposição do cumprimento das missões no início das tarefas.

É evidente que a seguir a ele devem ser melhor definidas as prioridades a estabelecer, tendo em conta que o que se fizer em relação à bacia do Cuanza, vai-se tornar numa experiência que servirá de exemplo, quando se aplicar a outras bacias e sistemas hidrográficos.

A bacia do Cuanza, no meu entender, deve ser equacionada em três sectores: da nascente ao Salto do Cavalo (início do Médio Cuanza), o Médio Cuanza (onde estão a ser construídas as 7 barragens do Gabinete do Médio Cuanza, GAMEK) e o curso final, entre Cambambe e a foz.

Todos os angolanos, duma forma ou de outra, estão assim perante um enorme e decisivo desafio: o de colocar as suas próprias pernas titubeantes num caminho com tanta responsabilidade em relação ao futuro!

Martinho Júnior - Luanda, 23 de Abril de 2018

Mapas:
Bacia do Congo, o segundo maior pulmão tropical do planeta e o coração de África, o continente com os maiores desertos quentes do globo;
O Leste Africano e os Grandes Lagos estão associados sob o ponto de vista físico-geográfico, à bacia do Congo;
Sumário do Rift e dos Grandes Lagos;
O Arco Mineiro do Orinoco, segundo projecção do Comandante Hugo Chavez;
A bacia do Cuanza, inteiramente angolana.

Nota:
Esta intervenção resulta de meus trabalhos anteriores indexados a “UMA GEOESTRATÉGIA PARA UM DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL”, assim como de fontes públicas referentes aos aspectos físico-geográficos de África, incluindo as iniciativas governamentais de âmbito regional em curso, com implicações na defesa da Paz em África, na RDC e em Angola.

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