“A planificação geoestratégica do
território tem obrigatoriamente que contar com uma outra abordagem em relação
aos recursos hídricos do interior, uma planificação que irá influir nas
planificações da economia diversificada que prime pela sustentabilidade e pelo
respeito para com o homem e a natureza, que tenha como principal sustentáculo a
agricultura e a pecuária, algo que já fazia parte das preocupações de Agostinho
Neto.
A água é vida e por isso garante
de todo o tipo de recursos, o que é tão importante para África, que assiste à
expansão das áreas desérticas sobretudo a norte do Equador”...
In “Geoestratégia para um
desenvolvimento sustentável” – http://paginaglobal.blogspot.pt/2016/01/geoestrategia-para-um-desenvolvimento.html
Martinho Júnior | Luanda
1- África jaz asfixiada pelo
neocolonialismo tonificado com o vigor sem limites do capitalismo neoliberal.
É essa a situação que anima os
propósitos mercantis da hegemonia unipolar, para exclusivamente oferecer de
bandeja lucros de ordem geométrica à aristocracia financeira mundial e às
venenosas elites e oligarquias criadas e recriadas à sua imagem e semelhança em
todas as “transversalidades”, por isso mesmo incapazes de alguma vez sair
do pântano da sua trágica manipulação“automaticamente” mercenária, assimilada,
avassalada e rejeitando as alternativas que se identifiquem com os povos!
O poder dominante impõe os
processos da revolução industrial e das novas tecnologias sob seu domínio e
tutela, sem qualquer respeito quer para com o resto da humanidade, quer para
com a Mãe Terra.
Os seus predadores fins são
geradores de muitos lucros e tudo é reduzido à mercadoria, numa barbárie a
caminho do esgotamento e do abismo.
África, com uma economia
ultraperiférica, tem sido reduzida ao fornecimento forçado de matérias-primas e
de mão-de-obra barata, ou escrava, a troco de raras migalhas e daí o
subdesenvolvimento crónico, as tensões, os conflitos, as guerras, a corrupção,
o caos, o terrorismo, a desagregação, as migrações, as doenças, a fome, a
miséria e a morte!
África, continuam-na a dilacerar,
ceifando tacitamente a população mais jovem, de forma a impedir que hajam
pernas para alguma vez se poder dar um pequeno passo que seja na direcção
certa, consolidada e fortalecida do futuro!
África, está incapaz de por si só
levar por diante as ingentes missões de construção de estruturas, de
infraestruturas e comunicações, absorvendo-as nos seus projectos integrados de
luta contra o subdesenvolvimento e num quadro de desenvolvimento sustentável,
por que de torpor em torpor, de facto África quantas vezes nem a si própria se
conhece, ou reconhece, imersa que tem ficado em suas crises de obscurantismo,
de identidade e de sobrevivência às portas da morte… em países tão decisivos
como o Congo, ou Angola, as universidades e os centros de investigação só há
pouco tempo têm sido criados e mesmo assim são espelhos de outros, sem poder
reflectir o que a África inexoravelmente diz respeito, lhe está na génese, ou
pertence!
Para alguma vez se avançar com
uma cultura de inteligência e segurança, em África há que trabalhar com a
juventude, com as forças armadas, com os serviços do interior, com os serviços
administrativos, com as organizações sociais das áreas rurais, com todas as
sensibilidades sócio-políticas e, da fibra humana desse cadinho assim
mobilizado com espírito e vocação de missão, fazerem-se abrir as portas das
universidades e dos centros de investigação, precisamente ao contrário do que
se tem feito: primeiro há o conhecimento prático que só a experiência organizada,
disciplinada, com planificação adequada e com sabedoria na orientação poderá
gerar e não a injecção “automática” de teorias que arribaram ao sabor
da terapia neoliberal, autênticos paliativos, alienações, ou diversões, quantas
vezes em regime de lesa-pátria por que são mercenárias.
África, deve saber que o pior dos
analfabetos não são os iletrados, mas aqueles que sabendo ler socorrem-se
dessas teorias propositadamente injectadas através dos cenários neoliberais, a
fim de gerar mercenários, vassalos e fantoches, arrogantes, estupidificados e
acéfalos, servis ao “diktat” e ao pântano da hegemonia unipolar do
império bastardo dos Estados Unidos e sua panóplia de meios.
2- Há que dar urgentemente um
pequeno passo nas amplas avenidas espectáveis de futuro, mas para o dar,
vínculo algum ao capitalista neoliberal deve ser cultivado. Não há soluções com
egoísmos contra natura, quando o que está em jogo é um futuro solidário,
integrador e com espaço vital!
Ninguém pode privatizar as
fontes, os nossos caudalosos rios, o nosso espaço vital, ferindo de morte a
geoestratégia de desenvolvimento sustentável, intimamente associada à lógica
com sentido de vida!
Às forças armadas dos países
africanos e às suas forças policiais e paramilitares, assim como a todos os que
têm acesso directo às fontes hidrográficas, às correntes dos nossos rios e aos
lagos, há toda uma imensa cultura civilizacional a desencadear, em nome de cada
e de todas as identidades nacionais africanas!
Essa causa é tão mais premente
quando, em íntima correlação ao espaço vital alimentado pela água interior do
continente, há matérias-primas e riquezas fabulosas que urge investigar,
controlar, cientificamente equacionar e gerir em estreita identidade com os
interesses dos povos e comunidades carentes de recursos para levar por diante a
luta contra o subdesenvolvimento em que secularmente vegetam.
Num país como Angola, em que além
das kimberlites dispersas (ao que se faz constar 600) no vasto planalto em
declive que descai de oeste para leste, a rosa-dos-rios está pejada de
diamantes aluviais, de ouro e de outras riquezas geológicas e minerais, o
controlo das nascentes e dos cursos de água assumem um carácter geoestratégico
de grandeza vital.
É incumbência do estado angolano,
fiel depositário dos interesses de todo o povo angolano, assumir a
responsabilidade que lhe compete e cumprir com os deveres patrióticos inerentes
a ela, algo que deve ser feito recorrendo à sensibilidade, à inteligência, ao
rigor e ao amor que perfazem a cultura dos que a assumirem.
3- Estive no mês de Março na
Venezuela Socialista e Bolivariana, onde assuntos desta natureza têm sido
equacionados de tal forma que já permitiram tomar decisões, algumas delas
decisões-chave para o exercício de independência e soberania, indispensáveis
para fazer face a medidas de agressão externa, levadas a cabo numa frente
alargada que abrange medidas de carácter sócio-politico, antropológico,
psicológico, económico e financeiro.
No rico vale do Orinoco, um rio
que se poderia considerar emparceirado com o Cuanza angolano em função de suas
características em relação a um quadro de riquezas naturais exponenciais, o
estado venezuelano entendeu estabelecer o Arco Mineiro do Orinoco, numa extensão
de mais de 100.000 km2, atraindo interesses externos em termos de investimento
e estabelecendo as normas e os critérios atractivos de emparceiramento, tudo
isso acompanhado com um esforço inteligente, investigativo e de segurança, que
conduz a políticas voltadas para um futuro gerador de capacidades de
desenvolvimento sustentável, solidário e integrador.
Esse plano marca a fronteira
entre os estados densamente povoados do norte e os estados onde é necessário
levar a cabo a intervenção e o povoamento, algo que pode conduzir a que a
Venezuela um dia coloque a sua capital num espaço vital situado bem no miolo
desse esforço.
Quer as Forças Armadas Nacionais
Bolivarianas, através das unidades de fuzileiros fluviais, quer os organismos
do Interior (nos estados do Amazonas, do Orinoco e do Apure), constituem um
esteio de vanguarda desse esforço, que implica desde logo reconhecimento
profundo, investigação multidisciplinar e aquisição de conhecimento científico,
para além da instalação propriamente dita de todo ou qualquer projecto que se
venha a integrar.
É evidente que tudo isso é
sentido de forma patriótica, por que os dividendos desse esforço, como acontece
com a exploração de ouro, estão na base da constituição das reservas do Banco
Central Venezuelano e ao mesmo tempo serve como padrão de indexação à
cripto-moeda Petro, recentemente estabelecida para fazer face à agressão
económica e financeira levada a cabo pelo império da doutrina Monroe contra o
próprio povo bolivariano.
Com isso a Venezuela socialista e
Bolivariana comprova que só com muita luta a independência e a soberania são-no
muito para além do simples içar duma bandeira, constituindo um projecto
nacional incontornável e imprescindível!
4- As políticas de paz encetadas
em África desde o início do século XXI, abrem perspectivas muito alargadas que
podem e devem levar em conta as lições que nesse aspecto a Venezuela Socialista
e Bolivariana já tem para dar, até por que têm sido conseguidas “a quente”.
As ricas bacias de rios como o
Congo, o Nilo, o Zambeze, ou o Níger, conjuntamente com os maiores lagos do
continente africano, podem e devem ser melhor garantidas em termos de
inteligência, de segurança, de projecções com vista à implantação de geoestratégias
para um desenvolvimento sustentável, de busca de consensos e emparceiramentos…
Em relação à bacia do Congo, por
exemplo, a RDC pode e deve tornar-se consensual e aberta a emparceiramentos em
especial com os países seus limítrofes para garantir segurança, desenvolvimento
sustentável a muito longo prazo e acabar de vez com a desagregação que se tem
vindo a patentear como uma das heranças de mais difícil resolução que se está a
herdar do passado colonial, reflectido pelo presente neocolonial.
Um consenso de interesses das
nações, dos estados e dos povos que beneficiam do espaço vital dessa bacia,
integrando também os Grandes Lagos, permitirá por outro lado responder a
pressões demográficas que, injectadas por interesses nocivos, podem tender para
engrossar os factores de desestabilização.
Nesse sentido, a reunião de
Brazzaville de 25 de Abril corrente, que pode fazer um balanço preliminar sobre
o conjunto de aspectos problemáticos inerentes às respostas humanas correntes
em relação à bacia do Congo, pode-se tornar num virar de página na abordagem
comum que África deve fazer em relação a si própria e um primeiro passo no
sentido do seu renascimento.
Os africanos nesse sentido devem
encontrar consensos entre si, sem influências externas, sabendo que potências
como por exemplo a França, estão atentas para continuar a desempenhar o papel
neocolonial que lhe está no cerne dos relacionamentos, agora atrelada que está
ao “diktat” da hegemonia unipolar, aos Estados Unidos e ao AFRICOM.
5- No caso angolano, o
estabelecimento dum organismo que seja capaz de dar início aos primeiros passos
(inventário e reconhecimento inicial), instalando-o na Região Central das
Grandes Nascentes (por exemplo na cidade do Kuito, ou mesmo no Município de
Camacupa), será determinante.
É evidente que terá de ser
definido o seu carácter geoestratégico, os parâmetros de suas missões, as fases
de aplicação de suas acções, os cronogramas dessas acções, a estrutura de sua
organização, as suas competências e correlacionamentos, o seu quadro humano
inicial, os procedimentos para a recolha, a centralização e a utilização de
dados, ou seja um sem número de questões em relação às quais se espelhem os
atributos de responsabilidade geoestratégica em prol da independência, da
soberania, da segurança, da formação duma cultura de inteligência nacional e
dos interesses do povo angolano, de que o estado, dado o seu carácter, é a
única entidade que pode ser incumbida.
A lógica com sentido de vida tem
tudo a ver com isso, pois a água interior, inerente ao espaço vital, é por si o
garante da sustentabilidade que deve ser alvo essencial de pesquisa científica,
desde a matriz dos procedimentos a levar a cabo.
O facto da rosa-dos-rios angolana
coincidir com o centro geográfico do país, tem por isso implicações de toda a
ordem, inclusive na projecção para um desenvolvimento sustentável, tendo em
conta a identificação das zonas de ocupação humana (a oeste da Região Central
das Grandes Nascentes) e das zonas de intervenção (a leste).
O caudal informativo resultante
dos primeiros passos a dar confirma o carácter e as obrigações do estado
angolano, por isso exige-se que toda a estrutura inicial assuma um carácter
patriótico, capaz de criar consensos com todo o tipo de sensibilidades,
convencendo das responsabilidades de que um organismo dessa natureza se nutre.
É à juventude empenhada desde a
matriz que se devem abrir as portas dos Institutos, dos organismos de
investigação e das Universidades, pois a partir de sua experiência e sua
prática, há que dar início às projecções geoestratégicas implicadas na cultura
de inteligência nacional, um trabalho patriótico indispensável!
Uma vez que o rio Cuanza é
inteiramente nacional e sua bacia, por si, possui um incalculável valor
geoestratégico, a ponto de albergar as principais barragens hidroelétricas do
país, deve ser considerado de prioritário no esforço a arrancar, uma vez que
vai ser necessário levar em atenção as reduzidas capacidades à disposição do
cumprimento das missões no início das tarefas.
É evidente que a seguir a ele
devem ser melhor definidas as prioridades a estabelecer, tendo em conta que o
que se fizer em relação à bacia do Cuanza, vai-se tornar numa experiência que
servirá de exemplo, quando se aplicar a outras bacias e sistemas hidrográficos.
A bacia do Cuanza, no meu
entender, deve ser equacionada em três sectores: da nascente ao Salto do Cavalo
(início do Médio Cuanza), o Médio Cuanza (onde estão a ser construídas as 7
barragens do Gabinete do Médio Cuanza, GAMEK) e o curso final, entre Cambambe e
a foz.
Todos os angolanos, duma forma ou
de outra, estão assim perante um enorme e decisivo desafio: o de colocar as
suas próprias pernas titubeantes num caminho com tanta responsabilidade em
relação ao futuro!
Martinho Júnior - Luanda, 23 de Abril de 2018
Mapas:
Bacia do Congo, o segundo maior
pulmão tropical do planeta e o coração de África, o continente com os maiores
desertos quentes do globo;
O Leste Africano e os Grandes
Lagos estão associados sob o ponto de vista físico-geográfico, à bacia do
Congo;
Sumário do Rift e dos Grandes
Lagos;
O Arco Mineiro do Orinoco,
segundo projecção do Comandante Hugo Chavez;
A bacia do Cuanza, inteiramente
angolana.
Nota:
Esta intervenção resulta de meus
trabalhos anteriores indexados a “UMA GEOESTRATÉGIA PARA UM
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL”, assim como de fontes públicas referentes aos
aspectos físico-geográficos de África, incluindo as iniciativas governamentais
de âmbito regional em curso, com implicações na defesa da Paz em África, na RDC
e em Angola.
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