São temas que atravessam toda a
sociedade de Macau, aqueles apresentados pela Associação Novo Macau num
documento submetido à Revisão Periódica Universal do Conselho de Direitos
Humanos das Nações Unidas. A associação quer que a ONU pressione o Governo para
considerar os direitos humanos dos cidadãos e fez chegar ao organismo um guia
que oferece soluções para os problemas que considera mais graves, para ser
analisado no próximo mês de Novembro.
Recomendações sobre direitos
políticos, liberdade de expressão e movimento, privacidade e vigilância,
reconhecimento de género e violência doméstica foram submetidas pela Associação
Novo Macau (ANM) à Revisão Periódica Universal (UPR, na sigla inglesa) do
Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. O documento, redigido por Jason
Chao e Rocky Chan, integra “recomendações tecnicamente alcançáveis,
mensuráveis e calendarizáveis” e foi entregue no dia 28 de Março para chegar à
31ª sessão de trabalhos do organismo da ONU sobre a Região Administrativa
Especial de Macau. A apresentação elenca informações sobre os cinco tópicos
relacionados com Direitos Humanos e aponta as falhas detectadas pela associação
pró-democrata do território no contexto da realidade local.
“Não queremos que a ONU oiça
apenas a opinião ou o comentário do Governo, por isso devemos mostrar a nossa
voz à comunidade internacional. Os direitos políticos e os dados e informações
pessoais são os tópicos mais importantes e, ao mesmo tempo, mais perigosos. O
Governo tem actualmente mais poder para controlar a nossa privacidade e os
nossos direitos humanos e civis, algo que poderá piorar no futuro”, disse Sulu
Sou, vice-presidente da ANM, ao PONTO FINAL.
A ANM começa por afirmar que “o
direito à participação política é limitado em Macau”, e pede que o Conselho dos
Direitos Humanos apele a Macau à implementação de eleições directas para o
Chefe do Executivo, “o mais tardar em 2019”, para “todos os membros da
Assembleia Legislativa, não depois de 2021” e para membros do instituto
municipal que será criado futuramente.
“A vasta maioria dos cidadãos de
Macau pode eleger 14 dos 33 membros da Assembleia Legislativa. Os responsáveis
do Governo de Macau negaram repetidamente a introdução de sufrágio universal
para as eleições do Chefe do Executivo e de todos os membros da Assembleia
Legislativa”, refere o documento.
Quanto ao novo órgão municipal
sem poder político – cuja criação foi anunciada em Outubro do ano passado e a
respectiva proposta de lei, que prevê a sua constituição sem recurso a eleições
directas, foi sujeita a consulta pública –, a ANM considera que a sua criação
“não vai trazer qualquer mudança substancial que permita uma participação mais
activa do público nos assuntos municipais”. A proposta de lei intitulada
Criação do Instituto para os Assuntos Municipais foi ontem apresentada no
hemiciclo.
A ANM lembra que no relatório
final da consulta pública “o Governo reiterou a sua posição relativamente aos
membros, tanto das comissões consultivas como das administrativas do futuro
instituto municipal, não estarem sujeitos a eleições directas. Apesar do facto
de a Lei Básica diferir a formação do instituto municipal não-soberano e a
legislação local e não conter disposições que proíbam a eleição dos seus membros,
o Governo insistiu que permitir eleições seria incompatível com a Lei Básica”.
A liberdade de expressão e de
movimento
Garantir “soluções efectivas” às
pessoas a quem é negada a entrada em Macau e o acesso às “razões reais para a
recusa da sua entrada” são as recomendações deixadas no documento no que diz
respeito à liberdade de expressão e de movimento no território. A ANM recorda
os jornalistas, deputados, activistas, académicos e escritores que foram
impedidos de entrar em Macau. “Os casos não foram pouco frequentes”, indica a
associação. “A única justificação dada no aviso de recusa é que o visitante em
questão ‘representaria uma ameaça à segurança interna de Macau’”, lê-se ainda
no documento.
“O Governo de Macau alegou que as
proibições de entrada foram realizadas ‘de acordo com a lei’ e ‘não tiveram
nada a ver com a profissão dos visitantes’. No entanto, pessoas com bom senso
veriam que essas afirmações são dificilmente convincentes”, escreve a ANM,
recordando a situação em que jornalistas de Hong Kong não puderam entrar no
território para fazer a cobertura dos danos deixados pela passagem do tufão
Hato por Macau, em Agosto do ano passado, e o caso dos escritores cujo convite
para participarem no Festival Literário de Macau – Rota das Letras foi
cancelado por não lhes ser garantida a entrada na RAEM.
A privacidade e vigilância
“O mecanismo para proteger os
dados pessoais dos cidadãos contra o abuso pelas autoridades é fraco. Embora
Macau tenha adoptado uma lei de protecção de dados com raízes na Directiva
Europeia de Proteção de Dados, as acções do Gabinete de Proteção de Dados
Pessoais (GPDP) de Macau convocaram a sua sinceridade para proteger a
privacidade dos cidadãos”, refere a Novo Macau no documento, frisando que o
GPDP “tem histórico de repressão de iniciativas civis”.
Os pró-democratas querem que o
Conselho de Direitos Humanos da ONU interceda junto do Governo, pedindo uma
maior transparência, obrigando “as autoridades públicas a divulgarem informação
verdadeira e completa sobre as capacidades das tecnologias de vigilância
utilizadas na Lei da Cibersegurança [proposta pelo secretário para a
Segurança]”.
O reconhecimento de género e a
violência doméstica
Na lista de recomendações
elaborada e assinada pela ANM, também a questão do reconhecimento de género
mereceu atenção, já que “Macau não possui políticas que respeitem a identidade
de género de pessoas transexuais”. Entre as 11 páginas que chegaram à ONU,
lê-se que “as pessoas transexuais que mudaram os indicadores de género nos seus
documentos de identidade de Macau foram recusadas devido à falta de base legal,
no início de 2015”, e que a promessa feita pelo Executivo de permitir a mudança
daqueles indicadores continua sem actualizações desde então.
A associação local defende a
promulgação de uma lei que permita que pessoas transexuais, sem serem
submetidas a um inquérito de esterilização, tenham as suas identidades de
género reflectidas em documentos oficiais de identidade até ao ano de 2020.
No que respeita à violência
doméstica, a ANM considera necessária a correcção da Lei de violência doméstica
na sua próxima revisão (que acontece três anos após a sua entrada em vigor) no
sentido de proteger os parceiros íntimos desde tipo de violência,
independentemente da sua orientação sexual.
A maior associação
pró-democrática do território salienta que “apesar da recomendação do Comité
Contra a Tortura das Nações Unidas para que Macau promulgue uma lei de
violência doméstica sem discriminação, o Governo de Macau recusou-se a conceder
protecção igual contra a violência doméstica independentemente da orientação
sexual. A actual lei protege parceiros íntimos não casados do sexo oposto. Os
seus pares do mesmo sexo (parceiros íntimos não casados do mesmo sexo) são
privados do mesmo nível de protecção legal”.
Ponto Final Macau | Foto: Eduardo
Martins
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