sábado, 7 de abril de 2018

Novo Macau denuncia problemas do território ao Conselho dos Direitos Humanos da ONU


São temas que atravessam toda a sociedade de Macau, aqueles apresentados pela Associação Novo Macau num documento submetido à Revisão Periódica Universal do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. A associação quer que a ONU pressione o Governo para considerar os direitos humanos dos cidadãos e fez chegar ao organismo um guia que oferece soluções para os problemas que considera mais graves, para ser analisado no próximo mês de Novembro.

Recomendações sobre direitos políticos, liberdade de expressão e movimento, privacidade e vigilância, reconhecimento de género e violência doméstica foram submetidas pela Associação Novo Macau (ANM) à Revisão Periódica Universal (UPR, na sigla inglesa) do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. O documento, redigido por Jason Chao e Rocky Chan,  integra “recomendações tecnicamente alcançáveis, mensuráveis e calendarizáveis” e foi entregue no dia 28 de Março para chegar à 31ª sessão de trabalhos do organismo da ONU sobre a Região Administrativa Especial de Macau. A apresentação elenca informações sobre os cinco tópicos relacionados com Direitos Humanos e aponta as falhas detectadas pela associação pró-democrata do território no contexto da realidade local.

“Não queremos que a ONU oiça apenas a opinião ou o comentário do Governo, por isso devemos mostrar a nossa voz à comunidade internacional. Os direitos políticos e os dados e informações pessoais são os tópicos mais importantes e, ao mesmo tempo, mais perigosos. O Governo tem actualmente mais poder para controlar a nossa privacidade e os nossos direitos humanos e civis, algo que poderá piorar no futuro”, disse Sulu Sou, vice-presidente da ANM, ao PONTO FINAL.

A ANM começa por afirmar que “o direito à participação política é limitado em Macau”, e pede que o Conselho dos Direitos Humanos apele a Macau à implementação de eleições directas para o Chefe do Executivo, “o mais tardar em 2019”, para “todos os membros da Assembleia Legislativa, não depois de 2021” e para membros do instituto municipal que será criado futuramente.

“A vasta maioria dos cidadãos de Macau pode eleger 14 dos 33 membros da Assembleia Legislativa. Os responsáveis do Governo de Macau negaram repetidamente a introdução de sufrágio universal para as eleições do Chefe do Executivo e de todos os membros da Assembleia Legislativa”, refere o documento.

Quanto ao novo órgão municipal sem poder político – cuja criação foi anunciada em Outubro do ano passado e a respectiva proposta de lei, que prevê a sua constituição sem recurso a eleições directas, foi sujeita a consulta pública –, a ANM considera que a sua criação “não vai trazer qualquer mudança substancial que permita uma participação mais activa do público nos assuntos municipais”. A proposta de lei intitulada Criação do Instituto para os Assuntos Municipais foi ontem apresentada no hemiciclo.

A ANM lembra que no relatório final da consulta pública “o Governo reiterou a sua posição relativamente aos membros, tanto das comissões consultivas como das administrativas do futuro instituto municipal, não estarem sujeitos a eleições directas. Apesar do facto de a Lei Básica diferir a formação do instituto municipal não-soberano e a legislação local e não conter disposições que proíbam a eleição dos seus membros, o Governo insistiu que permitir eleições seria incompatível com a Lei Básica”.

A liberdade de expressão e de movimento

Garantir “soluções efectivas” às pessoas a quem é negada a entrada em Macau e o acesso às “razões reais para a recusa da sua entrada” são as recomendações deixadas no documento no que diz respeito à liberdade de expressão e de movimento no território. A ANM recorda os jornalistas, deputados, activistas, académicos e escritores que foram impedidos de entrar em Macau. “Os casos não foram pouco frequentes”, indica a associação. “A única justificação dada no aviso de recusa é que o visitante em questão ‘representaria uma ameaça à segurança interna de Macau’”, lê-se ainda no documento.

“O Governo de Macau alegou que as proibições de entrada foram realizadas ‘de acordo com a lei’ e ‘não tiveram nada a ver com a profissão dos visitantes’. No entanto, pessoas com bom senso veriam que essas afirmações são dificilmente convincentes”, escreve a ANM, recordando a situação em que jornalistas de Hong Kong não puderam entrar no território para fazer a cobertura dos danos deixados pela passagem do tufão Hato por Macau, em Agosto do ano passado, e o caso dos escritores cujo convite para participarem no Festival Literário de Macau – Rota das Letras foi cancelado por não lhes ser garantida a entrada na RAEM.

A privacidade e vigilância

“O mecanismo para proteger os dados pessoais dos cidadãos contra o abuso pelas autoridades é fraco. Embora Macau tenha adoptado uma lei de protecção de dados com raízes na Directiva Europeia de Proteção de Dados, as acções do Gabinete de Proteção de Dados Pessoais (GPDP) de Macau convocaram a sua sinceridade para proteger a privacidade dos cidadãos”, refere a Novo Macau no documento, frisando que o GPDP “tem histórico de repressão de iniciativas civis”.

Os pró-democratas querem que o Conselho de Direitos Humanos da ONU interceda junto do Governo, pedindo uma maior transparência, obrigando “as autoridades públicas a divulgarem informação verdadeira e completa sobre as capacidades das tecnologias de vigilância utilizadas na Lei da Cibersegurança [proposta pelo secretário para a Segurança]”.

O reconhecimento de género e a violência doméstica

Na lista de recomendações elaborada e assinada pela ANM, também a questão do reconhecimento de género mereceu atenção, já que “Macau não possui políticas que respeitem a identidade de género de pessoas transexuais”. Entre as 11 páginas que chegaram à ONU, lê-se que “as pessoas transexuais que mudaram os indicadores de género nos seus documentos de identidade de Macau foram recusadas devido à falta de base legal, no início de 2015”, e que a promessa feita pelo Executivo de permitir a mudança daqueles indicadores continua sem actualizações desde então.

A associação local defende a promulgação de uma lei que permita que pessoas transexuais, sem serem submetidas a um inquérito de esterilização, tenham as suas identidades de género reflectidas em documentos oficiais de identidade até ao ano de 2020.

No que respeita à violência doméstica, a ANM considera necessária a correcção da Lei de violência doméstica na sua próxima revisão (que acontece três anos após a sua entrada em vigor) no sentido de proteger os parceiros íntimos desde tipo de violência, independentemente da sua orientação sexual.

A maior associação pró-democrática do território salienta que “apesar da recomendação do Comité Contra a Tortura das Nações Unidas para que Macau promulgue uma lei de violência doméstica sem discriminação, o Governo de Macau recusou-se a conceder protecção igual contra a violência doméstica independentemente da orientação sexual. A actual lei protege parceiros íntimos não casados do sexo oposto. Os seus pares do mesmo sexo (parceiros íntimos não casados do mesmo sexo) são privados do mesmo nível de protecção legal”.

Ponto Final Macau | Foto: Eduardo Martins

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