Os trabalhadores das profissões
artísticas trocaram os palcos pelas ruas para afirmar a necessidade de uma nova
política para a cultura. «Isto não acaba aqui, é apenas o início» – disse-se.
Ainda bem.
Foram milhares os profissionais
das Artes e da Cultura que se manifestaram em seis cidades do país (Lisboa,
Porto, Coimbra, Beja, Ponta Delgada e Funchal), em protesto contra décadas de
sub-financiamento do sector artístico e as políticas de sucessivos governos em
matéria de apoio às artes – nomeadamente quanto ao desenho e resultados dos
concursos no âmbito do Programa de Apoio Sustentado às Artes – e em defesa de
uma política que dignifique a cultura e permita a esta desempenhar o papel, que
constitucionalmente lhe incumbe, de motor do desenvolvimento cultural da sociedade
portuguesa.
Lisboa
Em Lisboa – como nas outras
cidades – nem a chuva, nem as tentativas de apaziguamento dos últimos dias
desmobilizaram os manifestantes, que se concentraram no Rossio, frente ao
Teatro Nacional D. Maria II, respondendo ao apelo do CENA-STE, da Rede-Associação
de Estruturas para a Dança Contemporânea, da Plateia-Profissionais Artes
Cénicas, do Manifesto em Defesa da Cultura.
A concentração reuniu «cerca de
mil e quinhentos profissionais da cultura», das artes performativas mas também
«das artes plásticas e de outras áreas da cultura», – segundo André Albuquerque
(CENA-STE) declarou ao AbrilAbril.
Os manifestantes encheram «mais
de metade da praça do Rossio» – segundo a LUSA – com panos, faixas e cartazes
(muitos deles artesanais), entoando repetidamente palavras de ordem como
«quero, quero, quero, cultura acima de zero», «queremos um, por cento para a
cultura», «governo sem cultura, cava a sua sepultura», ou «um por cento, já
neste orçamento».
As emotivas intervenções foram
muito aplaudidas e frequentemente interrompidas pelos presentes para gritarem
palavras de ordem que expressavam as suas principais reivindicações.
Registámos intervenções de Victor
Pinto Ângelo (Teatro Extremo), Cíntia Gil (directora do DOC Lisboa), Leonor
Teles (realizadora), José Russo (Centro Dramático de Évora-CENDREV), Luís
Castro (Karnarte), Martim Pedroso (Nova Companhia ), Miguel Partidário
(Intervalo Grupo de Teatro)
André Albuquerque e Joana Manuel falaram em nome dos organizadores, com esta última a encerrar a acção com a leitura do comunicado da plataforma Apelo pela Cultura.
Além da reafirmação das
exigências já formuladas:
- Definição de uma Política
Cultural, criação de um novo modelo de Apoio às Artes e respectivos
instrumentos de financiamento;
- Aumento imediato do orçamento
dos Apoios às Artes para 25 milhões de euros (valores de 2009 + ponderação da
inflação);
- Combate à precariedade na
actividade artística e estabilidade do sector;
- Compromisso com o patamar
mínimo de 1% do OE para a Cultura, já em 2019;
Joana Manuel
terminou dizendo: «isto não acaba aqui», isto «é o princípio.
Uma larga participação
Os profissionais das artes
marcaram encontro na concentração
Entre as muitas personalidades da cultura que estiveram presentes na concentração, segundo a LUSA, contam-se Carlos Avillez, Jorge Silva Melo, Rodrigo Francisco, Maria João Luís, Filomena Cautela, José Mata, Mariana Monteiro, Maria Rueff, Miguel Guilherme, Isabel Medina, Ricardo Neves-Neves, Martim Pedro, Marina Albuquerque, Fernando Sena, Diogo Infante, Mónica Calle, Mónica Garnel, Joaquim Horta, Carla Chambel, João Botelho, Pedro Penilo, António Pires, Miguel Seabra, Rita Blanco, Jorge Silva, Leonor Teles, Cíntia Gil, Tiago Torres da Silva e João Lourenço.
Carlos Avillez, Jorge Silva Melo,
Rodrigo Francisco prestaram declarações aos jornalistas.
As forças políticas que têm
apoiado as lutas dos profissionais da cultura fizeram-se representar. Com os
manifestantes estiveram Heloísa Apolónia (PEV), Catarina Martins e Mariana
Mortágua (BE) Jerónimo de Sousa, Jorge Pires e Ana Mesquita (PCP).
Em declarações aos jornalistas, Jerónimo de Sousa considerou uma prioridade o «reforço da dotação orçamental», lamentando a «via restritiva» que o governo aplicou à proposta do PCP de «uma verba de 25 milhões de euros», que repunha o valor apresentado em 2009, proposta que foi recusada pelo PS com a abstenção do PSD e do CDS.
«Um novo modelo de apoio às
artes», continuou, «poderia responder a muitos dos problemas a que hoje se
assiste» e preocupam «os homens e mulheres da cultura». Referiu ainda ser
necessário, «contando com a opinião e a participação dos homens e das mulheres
da cultura e das artes, recriar e reinventar um novo modelo de apoio às artes».
Por fim saudou a «mobilização
inédita» dos profissionais das Artes e da Cultura.
A contestação do actual modelo de
financiamento não é de hoje e vai prosseguir
De há muito que os trabalhadores
das Artes e da Cultura lutavam contra a crónica desorçamentação do sector, que
atingiu um dos seus pontos mais críticos em 2012, quando o governo PSD/CDS
reduziu em 30 milhões de euros o orçamento da cultura, prestando-se o
secretário de Estado à altura, Francisco José Viegas, a defender arrogantemente essa decisão
junto das estruturas artísticas e dos profissionais da cultura: «Que parte é
que não percebeu? Não há dinheiro».
O Programa de Apoio Sustentado às
Artes 2018-2021 envolve seis áreas artísticas: circo contemporâneo e artes de
rua, dança, artes visuais, cruzamentos disciplinares, música e teatro.
As estruturas artísticas e os
profissionais do sector contestaram as verbas e o modelo de atribuição de
apoios ainda o mesmo estava em discussão pública. À estranheza manifestada pelo
governo PS por só agora serem levantados problemas relativamente ao modelo e
critérios do concurso, Pedro
Rodrigues, da Escola da Noite (Coimbra) respondeu, em artigo recente no AbrilAbril,
que «foram ignorados (e em alguns casos ostensivamente contrariados) os
principais contributos da sociedade civil». Referia-se à crítica ao baixo
volume do financiamento mas também à insistência em «continuar a colocar no
mesmo concurso estruturas de criação e de programação» e à constituição de
júris recrutados sem «acautelar a qualificação e o reconhecimento público dos
seus membros» – a partir de uma «bolsa de voluntários».
A gota de água
A gota de água foi a apresentação
dos resultados provisórios do concurso, que provocaram a indignação geral do
sector e tiveram o raro condão de concitar as críticas, também generalizadas,
do meio artístico, das autarquias e da generalidade das bancadas parlamentares.
Das 241 candidaturas admitidas
apenas 140 teriam financiamento – ainda assim, por vezes, em valor inferior ao
anteriormente recebido.
Fora dos subsídios ficariam 100
companhias, na maioria com provas dadas, seja na produção de espectáculos seja
na organização de Festivais, entre as quais – e apenas a título de exemplo – o
Teatro Experimental de Cascais, o Teatro Experimental do Porto, as únicas
estruturas profissionais de Évora (Centro Dramático de Évora) e de Coimbra
(Escola da Noite e O Teatrão), o TAS de Setúbal, além de projectos como a
Orquestra de Câmara Portuguesa, a Bienal de Cerveira e o Chapitô.
Tratar-se-ia da redução brutal da
oferta cultural em diversas zonas do país, deixando desamparados inúmeros
profissionais do sector e as comunidades que servem.
Não menos grave foram os termos
em que muitas destas decisões foram fundamentadas, considerados ofensivos para
várias das companhias afectadas – ainda por cima por parte de júris pouco
competentes para se pronunciarem sobre a matéria artística.
Nem a intervenção pessoal de
António Costa, aumentando na mesma semana as verbas a distribuir,
comprometendo-se a não deixar de fora nenhuma companhia com um histórico
relevante e a dialogar com os profissionais do sector para modificar o modelo
de atribuição de apoios, desmobilizou os trabalhadores das artes.
Os concursos do Programa de Apoio
Sustentado da DGArtes, para os anos de 2018-2021, partiram com um montante
global de 64,5 milhões de euros, em outubro, subiram aos 72,5 milhões, no
início desta semana, perante a contestação no setor e, na quinta-feira, o
Governo anunciou o reforço para um total de 81,5 milhões de euros.
Foto: Milhares de trabalhadores
das Artes e da Cultura manifestaram-se no país por uma nova política para a
cultura. Em Lisboa foram mais de um milhar que se concentraram no Rossio, em
frente ao Teatro Nacional D. Maria II (6 de Abril de 2018). CréditosJoão
Barreiros / CENA-STE
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