Após vencer controversa consulta
popular sobre emendas à Constituição, presidente turco investe tudo para obter
ampla vitória nas eleições de 2019. De oposição, poucos sinais.
Recep Tayyip Erdogan detém o
poder na Turquia desde 2002. Há exatamente um ano, porém, em 16 de abril de
2017, ele obteve uma vitória que fortaleceu sua posição: num controverso
referendo constitucional, 52,1% dos eleitores concordaram que, a partir de
2019, o país passe do sistema parlamentarista para o presidencialista.
Isso significa que todas as
prerrogativas do Executivo serão transferidas do primeiro-ministro para o presidente,
e o Parlamento terá sua função debilitada. O principal apoiador de Erdogan
nessa manobra foi o partido ultranacionalista MHP, com 36 deputados no
Parlamento. Seu líder, Devlet Bahceli, foi quem abriu as portas para a consulta
e conclamou seu eleitorado a votar pelas mudanças.
AKP: vitória a qualquer preço
O jornalista Kemal Can escreve
para o jornal Cumhuriyet, como especialista no espectro político de
direita da Turquia. Sua avaliação é: a vitória na consulta popular não foi tão
ampla quanto Erdogan esperava. Por isso, toda sua energia, a política interna e
externa, a economia e a postura dele em relação à oposição estão dirigidas para
as eleições presidenciais e parlamentares de 2019.
Para o presidente, é importante
concentrar mais de 50% dos votos, e para tal ele necessita de todo o apoio
possível. Por isso há algum tempo o principal tema de conversas entre seu
partido conservador, o AKP, e o MHP é a assim chamada "Aliança
Popular", em que ambas as legendas pretendem unir suas forças para o pleito.
Em seguida ao referendo, os dois
partidos se concentraram em eliminar todos os artigos que representassem
obstáculo a uma cooperação. Em março foi aprovada uma lei que permite ao
AKP e o MHP formarem uma aliança.
No entanto a representação
parlamentar da legenda ultranacionalista estava em risco: a deputada Meral
Aksener a abandonou, fundando, ao lado de outros ex-membros, o novo Bom Partido
(İYİ Parti). O MHP corria o risco de cair abaixo do limite parlamentar mínimo
de 10%. O alívio veio com a aprovação do artigo sobre a aliança eleitoral,
estipulando: "Se um dos partidos da aliança estiver acima do teto de 10%,
isso vale para o outro partido."
Judiciário sitiado
Três dos 18 artigos votados no
referendo de 16 de abril entraram imediatamente em vigor. Foi fundado num prazo
de 30 dias o Conselho de Juízes e Promotores Públicos (HSK), responsável tanto
pela posse e destituição de promotores e juízes quanto por decisões
disciplinares.
O especialista em Direito Kerem
Altiparmak, da Faculdade Política da Universidade de Ancara, diagnostica uma
"crise jurídica na Turquia". Decerto havia problemas com a
independência da Justiça já antes do referendo, mas, com a criação do HSK,
tornou-se impossível romper o cerco em torno do Judiciário, afirma o
jurista.
Dos 13 integrantes do Conselho
– que incluem o ministro da Justiça e seu secretário de Estado – quatro
são indicados pelo presidente, e os demais são escolhidos pelo Parlamento. Para
Altiparmak, a "Aliança Popular" entre o AKP e o MHP se reflete no
HSK: "Hoje, um juiz não pode mais dizer 'vou tomar uma decisão justa',
pois está subordinado ao HSK, cujos 13 membros foram escolhidos por um líder
partidário e por membros de seu grupo político."
Ainda esperanças para a oposição?
Enquanto transcorrem os
preparativos do AKP e MHP para as eleições, surge a questão: o que faz a
oposição? Um ano após o referendo, o "bloco do não" ainda não
conseguiu formular uma meta política clara nem se organizar. Ouve-se com
frequência que, nos bastidores, os partidos oposicionistas se reúnem para
conversas, mas até o momento não há qualquer sinal de uma cooperação concreta.
"Do ponto de vista da
oposição, a consulta popular de 16 de abril foi apenas o começo, é de se
esperar que, em 2019, ela vá dar o troco", afirma o jornalista Kemal Can:
a oposição pode ainda não ter desencadeado um entusiasmo comparável ao do
referendo, mas tem potencial para isso.
A divisão 50/50 dos votos existe
ainda hoje, avalia Can. Se a oposição ainda não tomou a iniciativa, é porque os
detentores do poder determinam as áreas a serem discutidas e a forma como se
debate sobre determinados temas.
Política da Turquia após as
eleições
Em novembro de
2019 realizam-se no mesmo dia as eleições presidenciais e legislativas.
Diversos parágrafos da emenda constitucional só entrarão em vigor após os
escrutínios. O presidente governará a Turquia pelos cinco anos seguintes, com
as prerrogativas de que foi investido, inclusive a primazia sobre o Executivo.
O chefe de Estado escolhe seu
gabinete e dois vices, de fora do Parlamento. Com algumas restrições, ele tem
autoridade para expedir decretos. O número de deputados no Parlamento será
incrementado de 550 para 600, e o limite de idade para ser candidato cairá
para 18 anos.
Irfan Bozan (av) | Deutsche Welle
Sem comentários:
Enviar um comentário