segunda-feira, 9 de abril de 2018

União Europeia, espaço Schengen para as forças da NATO


Manlio Dinucci*

O plano de mobilidade militar apresentado pela Comissão Europeia demonstra, publicamente, como a União funciona desde a sua criação. Se dispõe de uma certa margem de manobra, ela é, fundamentalmente, o obstrutor civil da Aliança do Atlântico Norte. Até hoje, nenhuma das normas da União Europeia difere das normas estabelecidas, antecipadamente, pela NATO. Consequentemente, quaisquer que sejam os poderes do Parlamento e do Conselho Europeu, os mesmos são apenas os orgãos de registo das decisões da Aliança, o único poder verdadeiro de Bruxelas. A decisão da NATO de normalisar as estruturas da União Europeia, ocorreu apenas, tardiamente, em 2015, o que força a Comissão Europeia, três anos mais tarde, a exteriorizar a sua sujeição à Aliança.

Comissão Europeia apresentou, em 28 de Março, o Plano de Acção sobre a mobilidade militar [1]. “Ao facilitar a mobilidade militar dentro da União Europeia - explica a Alta Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e para a Política de Segurança, Federica Mogherini - podemos reagir mais eficazmente quando os desafios surgirem”. Mesmo que não o diga, a referência à “agressão russa” é evidente. O Plano de Acção foi decidido, na realidade, não pela União Europeia, mas pelo Pentágono e pela NATO.

Em 2015, o General Ben Hodges, Comandante das Forças Terrestres dos EUA na Europa (U.S. Army Europe), requisitou o estabelecimento de uma “Área Schengen militar” para que as forças dos EUA, a fim de enfrentar a “agressão russa”, pudessem deslocar-se rapidamente de um país europeu para outro, sem serem atrasadas pelas regulamentações nacionais e pelos procedimentos alfandegários.

Este pedido foi feito pela própria NATO: o Conselho do Atlântico Norte, reunido em 8 de Novembro de 2017, ao nível dos Ministros da Defesa, pediu oficialmente à União Europeia que “aplicasse leis nacionais que facilitassem a passagem das forças militares através das fronteiras” e, ao mesmo tempo, “melhorasse as infra-estruturas civis de modo a adaptá-las às necessidades militares” [2]. Em 15 de Fevereiro de 2018, o Conselho do Atlântico Norte, representado pelos Ministros da Defesa dos países membros, anunciou o estabelecimento de um novo Comando Logístico da NATO para “melhorar o movimento de tropas e equipamento essencial para a defesa, na Europa” [3]. Cerca de um mês depois, a União Europeia apresentou o Plano de Acção sobre mobilidade militar, que responde, exactamente, aos requisitos estabelecidos pelo Pentágono e pela NATO.

O mesmo prevê “simplificar as formalidades aduaneiras para as operações militares e para o transporte de mercadorias perigosas do tipo militar”. Assim, prepara-se a “Área Schengen militar” com uma diferença - para circular livremente, não se refere a pessoas mas a tanques. Entretanto, deslocar tanques e outros veículos militares nas estradas e caminhos de ferro não é o mesmo que fazer circular veículos e comboios normais. “Portanto, as barreiras existentes à mobilidade militar devem ser derrubadas” modificando-se as “infra-estruturas não adequadas ao peso ou dimensão dos meios militares, em particular pontes e caminhos de ferro com capacidade de carga insuficiente". Por exemplo, se uma ponte não for capaz de suportar o peso de uma coluna de tanques, deverá ser fortalecida ou reconstruída.

A Comissão Europeia irá “identificar as partes da rede europeia de transportes adequadas ao transporte militar, fazendo as mudanças necessárias”. Elas devem ser realizadas ao longo de dezenas de milhares de quilómetros da rede rodoviária e ferroviária. O que exigirá uma enorme despesa para os países membros, com uma “possível contribuição financeira da União Europeia para tais obras”.

No entanto, seremos sempre nós, os cidadãos europeus, a pagar estas “grandes obras”, inúteis para uso civil, com os consequentes cortes nos gastos sociais e investimentos em projectos de utilidade pública. Em Itália, onde os fundos para a reconstrução das zonas de terremotos são escassos, biliões de euros terão de ser gastos para reconstruir as infra-estruturas adequadas à mobilidade militar.

Os 27 países da União Europeia, 21 dos quais pertencem à NATO, são agora chamados a examinar o Plano. De facto, a Itália teria possibilidade de rejeitá-lo. Mas isso significaria, que o próximo governo, se opusesse não só à União Europeia, mas também à NATO sob comando USA, começando por se desvincular da estratégia que, com a invenção da ameaça russa, prepara a guerra, esta sim verdadeira, contra a Rússia. Seria uma decisão política fundamental para o nosso país, mas, dada a sujeição aos EUA, permanece no domínio da ficção política.

Manlio Dinucci* | Voltaire.net.org | Tradução Maria Luísa de Vasconcellos | Fonte Il Manifesto (Itália)

Foto: Recepção ao chefe da Comissão Europeia. Se, em Bruxelas, a União europeia é uma burocacia mais ou menos eficiente, o verdadeiro poder reside no exterior da cidade: na NATO.


*Geógrafo e geopolítico. Últimas publicações : Laboratorio di geografia, Zanichelli 2014 ; Diario di viaggio, Zanichelli 2017 ; L’arte della guerra / Annali della strategia Usa/Nato 1990-2016, Zambon 2016.

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