Afonso Camões* | Jornal de Notícias
| opinião
Têm a fama de ter sido eles a
descobrir que o segredo para se andar sobre as águas é saber onde estão as
pedras. Nem que tenham de comprá-las, e é o caso. A concretizar-se, esta compra
será uma das maiores operações de sempre na Bolsa nacional. Os acionistas
chineses, que já controlam quase 30% da EDP, acabam de lançar uma Oferta
Pública de Aquisição (OPA) sobre o restante capital da elétrica portuguesa. A
ideia, publicamente assumida, é fazer da EDP a plataforma chinesa para todos os
investimentos na área da energia para a Europa, Estados Unidos e Brasil. E só
lançaram o anúncio depois de garantirem o apoio ou a neutralidade do Governo
português no negócio.
Nós somos um país aberto, e os
chineses "têm sido bons investidores, respeitadores da legalidade",
responde o primeiro-ministro, António Costa, citando os exemplos da REN, EDP e
"outros setores": (A chinesa CTG é a maior acionista da EDP, enquanto
a State Grid controla a REN; é também chinês o acionista de referência na TAP;
a Fosun é o maior acionista do BCP, com 27% do capital, e controla 85% do
capital da Fidelidade...)
Como seria de esperar, franzem-se
por aí sobrolhos ao facto de gigantes estatais chineses estarem a comprar e
poderem passar a ter controlo absoluto de empresas estratégicas, cruciais para
o desempenho das incumbências constitucionais do Estado português. Acontece que
os chineses não chegaram aqui de assalto, foram convidados a vir, a pedido, em
sucessivas vagas de privatização lançadas por sucessivos governos, do PS e do
PSD. Ora, o capital não tem pátria mesmo quando se disfarça no preconceito. E
há que distinguir entre a tralha xenófoba que vocifera contra o investimento
chinês (noutros casos, angolano) e os que, apesar de tudo, sabem alguma coisa
da nossa História e procuram honrar os compromissos do Estado português.
Somos os europeus que eles melhor
conhecem, de uma mais longa e pacífica relação histórica. Para a China,
Portugal é mais uma porta de entrada para a maior zona de comércio livre do
Mundo. Na Europa, apenas o Reino Unido e a França ficam à frente de Portugal no
que toca ao investimento chinês. Desde que os dois países assinaram a Parceria
Estratégica Global, em 2005, o investimento total da China em Portugal terá
superado os nove mil milhões de euros. Ora, como se vê, aquela parceria está em
pleno vigor. Mas talvez seja preciso advertir uns e outros de que "a
árvore cresce inclinada se o vento sopra de uma única direção". E também
"não é a conversa que cozinha o arroz", digo eu, que aprendi uns
ditados chineses.
*Diretor do JN
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