terça-feira, 1 de maio de 2018

UMA COMUNIDADE SACRIFICADA PELA ORGIA NEOLIBERAL – I


Martinho Júnior | Luanda

1- O Orçamento Geral do Estado angolano foi publicado de forma bastante completa no Diário da República Iª Série, nº 29, de 1 de Março de 2018, numa iniciativa que se coaduna com o rigor que se pretende instalar paulatinamente em relação aos órgãos que se constituem no fiel depositário dos interesses e das aspirações de todo o povo angolano.

Uma parte substancial da vida nacional reflete-se ali, algo que por si demonstra quão importante foi, é e vai continuar a ser o estado, nos termos de suas ingentes e insubstituíveis responsabilidades em relação a Angola, ao contrário do que alguns apregoam, motivados pela orgia dos “mercados” neoliberais e pelas mais diversas doutrinas, filosofias, ideologias e práticas alienadas, alienatórias e mercenárias.

Esses pretendem a todo o custo fazer crer o contrário e o argumento social-democrata, hipócrita e cínico, socorre-os: os fins justificam os meios.

Uma onda selvagem pretende socializar as perdas para o estado angolano e instituições afins (por exemplo, bancos), fazendo reverter os lucros de forma egoísta, apropriando e privatizando como uma autêntica “cosa nostra” no âmbito de processos mafiosos que refletem interesses de grupos quantas vezes ilegitimamente instalados nos próprios organismos e instituições do estado, a todos os níveis.

 Em seu reforço foi criada a figura “parcerias público-privadas”, para melhor sugar o estado angolano, num processo de osmose por assimilação às projecções inscritas na actuação dos que perfilhavam e perfilham (?) o “arco de governação” em Portugal,“facilitados” após o Acordo de Bicesse e aptos para a inteligência económica do âmbito da terapia neoliberal, obediente à hegemonia unipolar.

A terapia neoliberal tem vindo a atirar Angola para uma situação de contínuo desastre acicatado com a crise financeira por baixa do valor do barril de petróleo, assistindo-se à apropriação indevida de património e de bens, numa escala sem precedentes, particularmente visível em Luanda.

Esse “fenómeno” é agravado ainda pelo abismo em direcção ao desastre ambiental: a orgia do lucro fácil e especulativo, criou cada vez mais mercenários na saúde, na educação e implantou um “apartheid social” que não escapa ao observador ais atento do Google Earth: os ricos implantam-se junto às paradisíacas e arejadas praias do litoral e, ao desalojarem delas os pobres utilizando a seu favor um leque variado de expedientes que incluem os legais, atiram-nos para a fornalha da imensa planície que se estende até ao Dondo, sem se preocuparem em criar o mais pequeno parque natural para amenizar os ambientes que os recebem e colocando-os à mercê das doenças tropicais atiçadas pela escalada de aquecimento.

O argumento neoliberal pretende criar condições para a apropriação, revertendo com motivações mercenárias e oportunistas a favor de jogos de interesses de máfias egocentristas e egoístas, algo que se desajusta por completo em relação às responsabilidades sociais, provocando conflitos de interesses, desagregação intencional de estruturas e instituições, corrupção, cada vez mais cancerosa quão dilacerante, alienações de toda a ordem e por fim um “apartheid social” próprio duma situação neocolonial.

As responsabilidades sociais do estado angolano são inerentes a uma cultura de inteligência, de segurança e de paz, o que demonstra a sua importância além do mais como um factor de permanente mobilização na luta contra o subdesenvolvimento e seu caudal de fenómenos, que vão desde a pobreza, à educação e à saúde enquanto direitos inalienáveis e intransmissíveis, ou ao respeito para com todas as comunidades de antigos combatentes, em especial aquelas que serviram em tempo de guerra as sucessivas Repúblicas que tiveram de ser defendidas de armas na mão até 2002.

As práticas neoliberais têm sido levadas a cabo com todo o tipo de orgias financeiras, precisamente ao contrário das pretensões que justificam saudavelmente essas opções e contribuem para esmagar ou isolar qualquer tentativa no sentido da justiça social em relação a uma percentagem significativa das comunidades de antigos combatentes, particularmente dos que prestaram serviço na ex-Segurança do Estado!


2- Tem-se verificado que muitas acções que deveriam ser revertidas colectivamente em benefício da reintegração social de antigos combatentes, têm sido apropriadas por interesses mafiosos sem escrúpulos, por esse tecido canceroso que cultiva a “cosa nostra” ao invés de cultivar a paz, a justiça social e a luta contra o subdesenvolvimento.

Há alguns exemplos em relação à comunidade que serviu na ex-Segurança do Estado: aparecem com a capa de parceiros, ou beneméritos, ou até a coberto do associativismo, para atingirem a “abertura de portas” para as práticas de “cosa nostra”, numa espiral de “salve-se quem puder”!

Desse modo, aos traumas resultantes das situações de guerra enquanto estiveram no activo, juntam-se agora os traumas provocados pelo mercenarismo neoliberal e antipatriótico, sem qualquer respeito para com o percurso histórico que motivou solidária e colectivamente as primeiras gerações que se sacrificaram e “deram o litro” em prol da República Popular e da República de Angola.

(Continua)

Martinho Júnior - Luanda, 30 de Abril de 2018

Imagens 2 e 3 – Diário da República com o OGE (extractos);
Imagens 1 e 4 – Visita de dirigentes da comunidade de ex-membros da Segurança do Estado à Cooperativa de ex-combatentes do Colango na base da serra do Pundo, na Província de Benguela, no dia 30 de Abril de 2010, há 8 anos.

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