terça-feira, 5 de junho de 2018

MULTIPOLARISMO À FORÇA!...


Martinho Júnior | Luanda  

1- Cada vez há mais sinais que a hegemonia unipolar está a esvanecer-se a contragosto, por que o império não perdeu o seu carácter arrogante e decrépito, muito menos a aristocracia financeira mundial que nutre e se nutre dos seus conteúdos de domínio.

A gestão dos desequilíbrios, imposta através de instrumentos que têm no dólar estado-unidense a sua principal esteira (em função dos padrões seguidos de há décadas, praticamente desde a IIª Guerra Mundial), já não pode ser feita nos moldes que foram seguidos“tradicionalmente”: perdida a equivalência ao ouro, a arrogância tornou-se em si e por si, um convite à abstinência, à divergência, ou mesmo à completa desobediência dos outros…

A gestão militar, com 800 bases espalhadas pelo mundo e um cacete disponível em cada esquina, seja por via de “revoluções coloridas”, seja por via de malparadas “primaveras”, ao abrirem as portas ao caos, ao terrorismo e à desagregação, estimularam as resistências em todas e quaisquer transversalidades sociais e “frentes”, incluindo (parafraseando George W. Bush), nos “mais obscuros rincões do globo”…

A gestão da própria hegemonia do império, ao inebriar-se com o “esplendor” da década de ouro do capitalismo neoliberal, a década de 90 do século passado, esqueceu-se do potencial que as novas tecnologias permitiam a outros, com respostas de toda a ordem, capazes até de neutralizar o empertigamento de inteligência e militar, onde quer que isso se manifeste!...

2- É evidente que esses e muitos outros sinais, estão a conduzir à perda de capacidade geoestratégica no enorme continente euro-asiático!...

À impotência para fazer parar a projecção da rota da seda entre as costas do Pacífico e as do Atlântico, junta-se agora a impotência para aceitar um comércio justo em relação a um vassalo que está em vias de o deixar de ser e tudo isso com as grilhetas do sionismo de Israel, do wahabismo da Arábia Saudita, do tráfico de droga do Afeganistão, do neofascismo da Ucrânia e outros “derivados” do leste europeu, nos pés de apoio em equilíbrio instável!

O vigor proteccionista que a administração republicana de Donald Trump está a procurar vincular em todos os relacionamentos internacionais (“the americans first”), é por si outro sinal do esvair da hegemonia, que mesmo assim se arroga à resistência, face às emergências multipolares e à quebra das algemas da própria União Europeia!

Todos os sinais conjugados vão contribuindo para que a arrogância não seja levada nos termos de suas pretensões (lembram-se quando alguém referia que “os Estados Unidos são um tigre de papel”?) e nem a nível interno há aquele respeito de que se procura nutrir o poder das poderosas elites barricadas nas casas bancárias que tomaram de assalto a Reserva Federal (constate-se com o Wikileaks, ou a filtragem pública de muitos “segredos” do NSA).

O poder do império da hegemonia unipolar, que foi montado com os artifícios da revolução industrial e da revolução de novas tecnologias pelo capitalismo ao dispor da aristocracia financeira mundial, perde qualidade por que, esvaindo-se cada vez mais do real, está a entrar no campo do virtual sem poder mais sair dele!

O desprezo para com o respeito devido ao planeta, ao abandonar teatralmente o Acordo de Paris, está a conduzir a administração de turno para um campo virtual feito de conhecimentos ética e moralmente degradantes e obsoletos, ou cada vez mais incoerentes, que não conduzem ao conhecimento capaz de articulações saudáveis de que a Mãe Terra e a humanidade tanto carecem!

3- Sem recursos suficientes face às emergências multipolares articuladas, para fazer valer a sua vontade nos outros continentes e em todos os oceanos da Terra os Estados Unidos estão a regredir aos tempos da Doutrina Monroe, para se barricarem no vasto continente americano, de norte a sul, como se estivessem motivados a fazer um percurso histórico de retorno ao holocausto índio durante a “conquista do oeste”!

 Por isso os Estados Unidos estão a fazer o que melhor sabem desde a projecção do choque neoliberal a 11 de Setembro de 1973 no Chile: disseminar a subversão por via do caos, do terrorismo e da desagregação, recorrendo a correntes filosóficas e ideológicas mercenárias e contrarrevolucionárias servis ao modelo neoliberal, sobretudo contra o campo das resistências progressistas na América, de certo modo “tirando o pé” ali onde já está em desequilíbrio.

Esta reversão, no âmbito duma neo Doutrina Monroe, começou com o golpe de estado nas Honduras, a 29 de Junho de 2009 e, tornando-se crónica, está a procurar destruir, inviabilizar, ou vulnerabilizar as instituições internacionais progressistas da América Latina e cada um dos seus principais mentores: Cuba, Venezuela Bolivariana, Nicarágua Sandinista, Equador, Bolívia…

O domínio hegemónico na América Latina arrasta por um lado um cortejo de oligarquias vassalas, obstruindo as instituições democráticas e mantendo-as reféns, por outro promovem caos, terrorismo e desagregação, conforme os exemplos últimos na Venezuela e na Nicarágua!

A ameaça duma coligação de forças se atiçar contra os estados progressistas está a aumentar de intensidade desde a criação do“grupo de Lima” e entre os sucessos conta com a possível aderência duma Colômbia devassada pelos clãs da droga à NATO (reforçando o Comando Sul do Pentágono), ou um Brasil filtrado até à medula do poder de estado, Agência Brasileira de Inteligência incluída!

Os esforços da Venezuela e da Nicarágua para garantirem a paz, não se podem resumir assim ao enfrentamento que resolutamente travam face às oligarquias vassalas dos Estados Unidos, mas também face às tentativas múltiplas de “golpes de estado brandos” e ao risco dum embate militar, passando pela contínua desestabilização económica e financeira de que se tornaram dilectas vítimasnpor vontade do império da hegemonia unipolar.

A resistências dos progressistas latino-americanos é a única via de luta e o seu reforço deve ser uma prioridade para todos os emergentes que se articulam no multipolarismo, pois os Estados Unidos não podendo impor no mesmo pé a hegemonia unipolar como na década de 90 do século XX, está já forçado, ainda que não o reconheça, à oportunidade de integrar as múltiplas plataformas multipolares que se vão arquitectando em nome da paz por todos os continentes!

A fronteira entre a civilização e a barbárie, está bem nítida nos relacionamentos internacionais!

Martinho Júnior - Luanda, 3 de Junho de 2018

Fotografias:
Três primeiras fotos: os grandes lutadores progressistas da América Latina;
As duas últimas fotos foram por mim tiradas a 7 de Março de 2018, na sala do teatro Teresa Carreño em Caracas, no fecho do Foro Todos Somos Venezuela.

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