sábado, 28 de julho de 2018

Cabo Verde | Janira Hopffer Almada: “Temos um país para alguns, para muito poucos”


Janira Hopffer Almada, presidente e líder parlamentar do PAICV, não poupa críticas ao governo liderado por Ulisses Correia e Silva.

Nesta altura a pergunta óbvia é, qual é o Estado da Nação?

O estado da Nação é um importante marco político da governação que fazemos do país, dos balanços que fazemos, às promessas, às políticas e às medidas, mas também tendo em conta o seu grau de execução por um lado e o seu impacto na vida das populações. Enquanto oposição, temos o papel de fiscalizar e avaliar o desempenho do governo com base em elementos objectivos de verdade e de ética. Portanto, temos de ter em atenção, primeiramente, toda a perspectiva de publicidade e propaganda que o governo vem assumindo tentando criar nos cidadãos uma percepção que tudo está muito bem e que a Nação está bem. Para o PAICV não é surpresa ouvir os membros do governo a propalarem um país que no fundo não existe e a tentar uma situação que nenhum cabo-verdiano sente no seu quotidiano, desde logo porque temos uma clara degradação dos indicadores. Temos a dívida pública, cuja promessa era de redução, a aumentar. O stock da dívida está a aumentar claramente e o recente relatório do GAO confirma isso mesmo. Quer a dívida externa quer a dívida interna. O PIB e o crescimento do país vêm sendo caracterizados de acordo com o governo por estar a aumentar mas esse crescimento de 3,9% não se traduz na melhoria da vida das populações. Não é um crescimento inclusivo, não é sentido, sobretudo por quem mais precisa. O governo não faz qualquer referência às contas das empresas públicas, o que não deixa de ser estranho para um país que o governo diz estar bem. Os capitais próprios do Banco de Cabo Verde são negativos. E um aspecto que assume grande preponderância é o facto de o Fundo de Pensões dos funcionários estar a financiar a construção da sede do BCV, pondo em risco o pagamento das pensões de reforma dada a situação financeira actual do banco central. Também não podemos deixar de referir a perda de 10 lugares no ranking da percepção da corrupção em que Cabo Verde passou da posição 38 em 2016 para a posição 48 em 2017. É claro que para além dos indicadores, o país real que os cabo-verdianos sentem claramente não está bem. A nação está deprimida, reprimida, consternada, mas sobretudo a nação não está bem. Teimosamente o governo não presta informações, realiza negócios obscuros e gere empresas públicas como se fossem empresas do MpD. E o negócio feito em torno do mercado doméstico da aviação atribuindo-o a uma empresa privada sem que tenha sido publicada uma única folha de papel sem que o parlamento tenha sido informado, sem que a oposição tenha tido acesso aos documentos desse negócio público são reveladores do modus operandi deste governo. Ou seja, trata questões de Estado, trata negócios públicos, como se de negócios privados se trate. Acrescentar a este negócio a questão da TACV Internacional. O país assistiu no ano passado a um momento de grande celebração do contrato de gestão feito com a Icelandair. Um contrato que ninguém conhece, ninguém sabe quanto custou, o que o país ganhou e ninguém sabe quem pagou e quem ganhou com isso. O facto é que um ano depois não temos parceria, não temos os 11 aviões, se calhar não temos nem sequer um dos onze prometidos. A companhia já abandonou o país e foram gastos 90 mil contos dos bolsos dos cabo-verdianos. Mas do contrato ninguém sabe, ninguém viu, ninguém conhece, como se estivéssemos a falar de um assunto privado e de um negócio particular. Se nos transportes aéreos a situação é essa, nos transportes marítimos a situação não é melhor. Gostaríamos de chamar o primeiro-ministro a este processo para nos vir explicar e explicar aos cabo-verdianos o que está a acontecer com o concurso internacional que teve o grave descuido de exclusão do empresariado nacional num autêntico passar de atestado de menoridade aos empresários cabo-verdianos. No que respeita às infraestruturas, o pipeline com as infraestruturas para o mandato deveria ter sido entregue à casa parlamentar desde Dezembro de 2016. Passou todo 2017 e não foi entregue e já estamos no mês de Julho de 2018. E das grandes promessas de campanha, nomeadamente os aeródromos da Brava e Santo Antão e também do porto do Maio, o que se sabe é o que se ouve na comunicação social. Não há nenhuma informação oficial que permita saber qual a perspectiva deste governo. Nós estamos neste ano a viver os impactos do mau ano agrícola. O PAICV avisou, desde o início, que o plano de mitigação apresentado pelo governo não era o que o país precisava para responder a este desafio e fazer face a estas dificuldades. Teimosamente o governo insistiu em não ouvir. As consequências são gravíssimas muito por descaso deste governo. E agora depois de o país ter perdido 60% do gado que já morreu, o governo anuncia o aumento dos vales-cheque para a ração. É claro que não podemos deixar de dizer que o governo anunciou com pompa e circunstância na pessoa do primeiro-ministro, em Dezembro, que mobilizou 1,1 milhões de contos para fazer face ao mau ano agrícola. Com cerca de 400 mil contos para salvamento de gado, com cerca de 400 mil contos para a geração de emprego e 300 mil contos para a mobilização de água. No périplo feito por todas as ilhas, os agricultores estão desesperados, os criadores de gado desanimados e as famílias deixadas à sua sorte e em grandes dificuldades. E há outras promessas feitas desde as campanhas que foram retomadas no Programa do Governo e, depois de terem sido já aprovados três Orçamentos do Estado, será o momento de o governo pensar quando pretende cumprir essas mesmas promessas. O aumento da Pensão Social Mínima tão prometida na campanha ainda não saiu do papel, a actualização salarial anual ainda não saiu do papel, a actualização das pensões anda não saiu do papel, o subsídio de inclusão social a ser atribuído a cerca de 25 mil famílias ainda não saiu do papel – não temos notícia de mais de mil pessoas terem sido beneficiadas – o compromisso de redução da carga fiscal parece já ter sido arquivada, o subsídio de desemprego não tem efectivação.

Temos um país com menos liberdades?

Temos um país que não é de todos neste momento. Temos um país para alguns, para muito poucos. E na saúde nem vou falar na questão das evacuações. Cabo Verde não passou a ser ilhas em 2016. Qualquer governo tem de ter a noção de que ainda não estão criadas todas as condições em todas as ilhas. E para um país como Cabo Verde como é que se consegue fazer a resposta chegar, em termos de saúde, aos que não têm nas suas ilhas hospitais centrais e regionais? É através das evacuações internas. Não tínhamos um sistema perfeito, mas tínhamos um sistema funcional com contributos do Tesouro, do INPS e com um sistema nacional de saúde a funcionar com a colaboração dos TACV. Evacuações, emergência médica num país não é uma questão de hoje. Sempre foi. E um governo que atribui o mercado doméstico, em monopólio, a uma empresa privada, sem essa responsabilidade, é um governo no mínimo irresponsável, para não dizer absolutamente imponderado.

Como vê este memorando de entendimento que o governo assinou com o INPS, as companhias de seguros e a Guarda Costeira?

Primeiro é preciso dizer, sobre os aviões CASA, que nós não nos podemos pronunciar porque nem a Agência de Aviação Civil tem conhecimento. E nós fizemos questão de perguntar. Estranhamos que o governo esteja a fazer toda essa negociação e a AAC não tenha nenhum conhecimento, segundo nos informou. Depois é preciso dizer que este é um governo reactivo. É um governo que reage sob pressão perante situações porque não planifica, não tem visão e não está a ter noção de facto do que é governar um país como Cabo Verde. O governo está em funções há dois anos e meio, aproximadamente, se Cabo Verde não passou a ser ilhas nos últimos tempos, como é que um governo governa todo esse tempo e só agora se lembra de assinar um memorando de entendimento para resolver essa questão? Foi preciso morrer gente, perdermos uma vida para o governo se lembrar que somos ilhas? Para o governo se lembrar que não temos hospitais centrais e regionais em todas as ilhas? Isso é de uma irresponsabilidade indescritível. Mais que irresponsabilidade, é de uma falta de preparação, de um desconhecimento do país real e de uma falta de visão que não são admissíveis em quem governa.

Em termos de segurança as coisas têm andado agitadas.

A situação da Polícia Nacional descreve um pouco o estado da Nação. Um país sem diálogo social, em que os direitos, liberdades e garantias não são respeitados, uma nação em que o governo se recusa a auscultar e a dialogar. Essa situação de instabilidade não é só na Polícia Nacional, está a proliferar por todo o país, em todos os sectores. Nunca Cabo Verde teve tantos pré-avisos de greve, tantas manifestações, tantas insatisfações. Esta é que é a verdade que o governo quer esconder instrumentalizando a televisão pública de Cabo Verde e, permita-me dizer o seguinte: não se pode achar normal que uma instituição como a Polícia Nacional, que em 147 anos nunca fez greve, num único ano já tenha feito pré-aviso para a segunda greve. Algo vai muito mal. Mas o governo insiste no erro, insiste em que tudo está bem e procura sempre atribuir as culpas à governação anterior. O PAICV já não governa há dois anos e meio.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 869 de 25 de Julho de 2018.

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