Janira Hopffer Almada, presidente
e líder parlamentar do PAICV, não poupa críticas ao governo liderado por
Ulisses Correia e Silva.
Nesta altura a pergunta óbvia é,
qual é o Estado da Nação?
O estado da Nação é um importante
marco político da governação que fazemos do país, dos balanços que fazemos, às
promessas, às políticas e às medidas, mas também tendo em conta o seu grau de
execução por um lado e o seu impacto na vida das populações. Enquanto oposição,
temos o papel de fiscalizar e avaliar o desempenho do governo com base em
elementos objectivos de verdade e de ética. Portanto, temos de ter em atenção,
primeiramente, toda a perspectiva de publicidade e propaganda que o governo vem
assumindo tentando criar nos cidadãos uma percepção que tudo está muito bem e
que a Nação está bem. Para o PAICV não é surpresa ouvir os membros do governo a
propalarem um país que no fundo não existe e a tentar uma situação que nenhum
cabo-verdiano sente no seu quotidiano, desde logo porque temos uma clara
degradação dos indicadores. Temos a dívida pública, cuja promessa era de
redução, a aumentar. O stock da dívida está a aumentar claramente e o recente
relatório do GAO confirma isso mesmo. Quer a dívida externa quer a dívida
interna. O PIB e o crescimento do país vêm sendo caracterizados de acordo com o
governo por estar a aumentar mas esse crescimento de 3,9% não se traduz na
melhoria da vida das populações. Não é um crescimento inclusivo, não é sentido,
sobretudo por quem mais precisa. O governo não faz qualquer referência às
contas das empresas públicas, o que não deixa de ser estranho para um país que
o governo diz estar bem. Os capitais próprios do Banco de Cabo Verde são
negativos. E um aspecto que assume grande preponderância é o facto de o Fundo
de Pensões dos funcionários estar a financiar a construção da sede do BCV,
pondo em risco o pagamento das pensões de reforma dada a situação financeira
actual do banco central. Também não podemos deixar de referir a perda de 10
lugares no ranking da percepção da corrupção em que Cabo Verde passou da
posição 38 em 2016 para a posição 48 em 2017. É claro que para além dos
indicadores, o país real que os cabo-verdianos sentem claramente não está bem.
A nação está deprimida, reprimida, consternada, mas sobretudo a nação não está
bem. Teimosamente o governo não presta informações, realiza negócios obscuros e
gere empresas públicas como se fossem empresas do MpD. E o negócio feito em
torno do mercado doméstico da aviação atribuindo-o a uma empresa privada sem
que tenha sido publicada uma única folha de papel sem que o parlamento tenha
sido informado, sem que a oposição tenha tido acesso aos documentos desse
negócio público são reveladores do modus operandi deste governo. Ou seja, trata
questões de Estado, trata negócios públicos, como se de negócios privados se
trate. Acrescentar a este negócio a questão da TACV Internacional. O país
assistiu no ano passado a um momento de grande celebração do contrato de gestão
feito com a Icelandair. Um contrato que ninguém conhece, ninguém sabe quanto
custou, o que o país ganhou e ninguém sabe quem pagou e quem ganhou com isso. O
facto é que um ano depois não temos parceria, não temos os 11 aviões, se calhar
não temos nem sequer um dos onze prometidos. A companhia já abandonou o país e
foram gastos 90 mil contos dos bolsos dos cabo-verdianos. Mas do contrato
ninguém sabe, ninguém viu, ninguém conhece, como se estivéssemos a falar de um
assunto privado e de um negócio particular. Se nos transportes aéreos a
situação é essa, nos transportes marítimos a situação não é melhor. Gostaríamos
de chamar o primeiro-ministro a este processo para nos vir explicar e explicar
aos cabo-verdianos o que está a acontecer com o concurso internacional que teve
o grave descuido de exclusão do empresariado nacional num autêntico passar de
atestado de menoridade aos empresários cabo-verdianos. No que respeita às
infraestruturas, o pipeline com as infraestruturas para o mandato deveria ter
sido entregue à casa parlamentar desde Dezembro de 2016. Passou todo 2017 e não
foi entregue e já estamos no mês de Julho de 2018. E das grandes promessas de
campanha, nomeadamente os aeródromos da Brava e Santo Antão e também do porto
do Maio, o que se sabe é o que se ouve na comunicação social. Não há nenhuma
informação oficial que permita saber qual a perspectiva deste governo. Nós
estamos neste ano a viver os impactos do mau ano agrícola. O PAICV avisou,
desde o início, que o plano de mitigação apresentado pelo governo não era o que
o país precisava para responder a este desafio e fazer face a estas
dificuldades. Teimosamente o governo insistiu em não ouvir. As consequências
são gravíssimas muito por descaso deste governo. E agora depois de o país ter
perdido 60% do gado que já morreu, o governo anuncia o aumento dos vales-cheque
para a ração. É claro que não podemos deixar de dizer que o governo anunciou
com pompa e circunstância na pessoa do primeiro-ministro, em Dezembro, que
mobilizou 1,1 milhões de contos para fazer face ao mau ano agrícola. Com cerca
de 400 mil contos para salvamento de gado, com cerca de 400 mil contos para a
geração de emprego e 300 mil contos para a mobilização de água. No périplo
feito por todas as ilhas, os agricultores estão desesperados, os criadores de
gado desanimados e as famílias deixadas à sua sorte e em grandes dificuldades.
E há outras promessas feitas desde as campanhas que foram retomadas no Programa
do Governo e, depois de terem sido já aprovados três Orçamentos do Estado, será
o momento de o governo pensar quando pretende cumprir essas mesmas promessas. O
aumento da Pensão Social Mínima tão prometida na campanha ainda não saiu do
papel, a actualização salarial anual ainda não saiu do papel, a actualização
das pensões anda não saiu do papel, o subsídio de inclusão social a ser
atribuído a cerca de 25 mil famílias ainda não saiu do papel – não temos
notícia de mais de mil pessoas terem sido beneficiadas – o compromisso de
redução da carga fiscal parece já ter sido arquivada, o subsídio de desemprego
não tem efectivação.
Temos um país com menos
liberdades?
Temos um país que não é de todos
neste momento. Temos um país para alguns, para muito poucos. E na saúde nem vou
falar na questão das evacuações. Cabo Verde não passou a ser ilhas em 2016.
Qualquer governo tem de ter a noção de que ainda não estão criadas todas as
condições em todas as ilhas. E para um país como Cabo Verde como é que se
consegue fazer a resposta chegar, em termos de saúde, aos que não têm nas suas
ilhas hospitais centrais e regionais? É através das evacuações internas. Não
tínhamos um sistema perfeito, mas tínhamos um sistema funcional com contributos
do Tesouro, do INPS e com um sistema nacional de saúde a funcionar com a
colaboração dos TACV. Evacuações, emergência médica num país não é uma questão
de hoje. Sempre foi. E um governo que atribui o mercado doméstico, em
monopólio, a uma empresa privada, sem essa responsabilidade, é um governo no
mínimo irresponsável, para não dizer absolutamente imponderado.
Como vê este memorando de
entendimento que o governo assinou com o INPS, as companhias de seguros e a
Guarda Costeira?
Primeiro é preciso dizer, sobre
os aviões CASA, que nós não nos podemos pronunciar porque nem a Agência de
Aviação Civil tem conhecimento. E nós fizemos questão de perguntar. Estranhamos
que o governo esteja a fazer toda essa negociação e a AAC não tenha nenhum
conhecimento, segundo nos informou. Depois é preciso dizer que este é um
governo reactivo. É um governo que reage sob pressão perante situações porque
não planifica, não tem visão e não está a ter noção de facto do que é governar
um país como Cabo Verde. O governo está em funções há dois anos e meio,
aproximadamente, se Cabo Verde não passou a ser ilhas nos últimos tempos, como
é que um governo governa todo esse tempo e só agora se lembra de assinar um
memorando de entendimento para resolver essa questão? Foi preciso morrer gente,
perdermos uma vida para o governo se lembrar que somos ilhas? Para o governo se
lembrar que não temos hospitais centrais e regionais em todas as ilhas? Isso é
de uma irresponsabilidade indescritível. Mais que irresponsabilidade, é de uma
falta de preparação, de um desconhecimento do país real e de uma falta de visão
que não são admissíveis em quem governa.
Em termos de segurança as coisas
têm andado agitadas.
A situação da Polícia Nacional
descreve um pouco o estado da Nação. Um país sem diálogo social, em que os
direitos, liberdades e garantias não são respeitados, uma nação em que o
governo se recusa a auscultar e a dialogar. Essa situação de instabilidade não
é só na Polícia Nacional, está a proliferar por todo o país, em todos os
sectores. Nunca Cabo Verde teve tantos pré-avisos de greve, tantas
manifestações, tantas insatisfações. Esta é que é a verdade que o governo quer
esconder instrumentalizando a televisão pública de Cabo Verde e, permita-me
dizer o seguinte: não se pode achar normal que uma instituição como a Polícia
Nacional, que em 147 anos nunca fez greve, num único ano já tenha feito
pré-aviso para a segunda greve. Algo vai muito mal. Mas o governo insiste no
erro, insiste em que tudo está bem e procura sempre atribuir as culpas à
governação anterior. O PAICV já não governa há dois anos e meio.
Texto originalmente publicado na
edição impressa do Expresso das Ilhas nº 869 de 25 de Julho de 2018.
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