Capitalismo e barbárie:
Washington oferece contratos multimilionários para que corporações envolvidas em
guerras ganhem com o aprisionamento infantil. Prática remete a história oculta
do regime nazista
Marianna Braghini | Outras Palavras
Encarcerar crianças imigrantes,
em atentado aos direitos humanos, pode ser também fonte de lucros? No mês
passado o site norte-americano The Daily Beast publicou
reportagem denunciando algumas das empresas que ganham muito, com a
nova política de imigração do governo Trump. Como se sabe, elas vêm sendo
sistematicamente separadas de seus pais e abrigadas em instalações provisórias
do Estado. Conforme os relatos e imagens dos jornais, pode-se dizer, no mínimo,
que se trata de condições inadequadas para crianças em situação de
vulnerabilidade. Mas as revelações de agora fazem lembrar episódios mais
dramáticos: o papel de grandes empresas alemãs (como a Volkswagen e a Krupp) e
mesmo norte-americanas (Ford e General Motors) no apoio industrial e
tecnológico ao regime nazista – e a seus campos de concentração.
Escrito por Betsy Woodruff,
repórter de assuntos da política do portal, e Spence Ackerman, (integrante do
grupo que ganhou o Prêmio Pulitzer, pelas revelações de Edward Snowden), o
artigo revela os contratos milionários proporcionados pela detenção de crianças
imigrantes (ou refugiadas). Acrescentou que as empresas contratadas para
executar os diversos serviços não raro já estiveram envolvidas em escândalos de
corrupção.
Os famosos contractors, como
são chamados os agentes de companhias de segurança ou militar privadas, não são
novidade no âmbito da política de guerra dos EUA. Largamente utilizadas em
conflitos armados internacionais, ganharam maior notoriedade na guerra contra
Iraque e Afeganistão nos anos 2000, e continuam prosperando graças as agências
do governo norte americano, seja em matéria de “defesa” nacional ou segurança
interna, como mostra a reportagem do The Daily Beast.
Os jornalistas apontam: a nefasta
política de separar crianças imigrantes ou refugiadas de suas famílias é muito
lucrativa para o setor de segurança privada. Sua investigação mostra como
empresas vem anunciando uma série de vagas envolvendo trabalhos de supervisão
de procedimentos nos abrigos, transporte de jovens e crianças desacompanhadas,
coordenação de programas de apoio e etc. Uma das corporações, na qual se foca o
texto – a MVM Inc – já possui contratos com o governo que a colocam em
prontidão para corresponder às demandas criadas com a nova política de
imigração.
Seu envolvimento é repleto de
irregularidades. Em 2008 a empresa chegou a perder um contrato com a própria
CIA, em serviços no Iraque, por não fornecer o total de guardas de segurança
para o qual foi paga. Além disso, foi denunciada por orientar seus funcionários
a fazer a busca e porte de armamentos e explosivos não autorizados.
Recentemente, em 2017, foi processada, ao obrigar um de seus funcionários, um
muçulmano praticante, a raspar a barba – após o mesmo ter reportado um
supervisor por assédio.
Procurado para responder a
algumas perguntas dos jornalistas, o diretor da divisão de segurança nacional e
segurança pública da MVM, Joe Arabit, toma as acusações contra a companhia de
forma leviana. Repete jargões do mundo corporativo como ”A MVM se orgulha de
ser uma companhia inclusiva que cria um ambiente de trabalho receptivo e
diverso” e que procura o tipo de funcionário que “ama o desafio de encontrar
soluções criativas para questões dinâmicas e complexas”. A companhia já ganhou
43 milhões de dólares desde setembro de 2017. Um dos contratos prevê o serviço
de assistência em operações dos abrigos de emergência para crianças
desacompanhadas até setembro de 2022. Sugere que a política de separação das
crianças pode se prolongar por todo o governo Trump e mesmo depois. Vale
lembrar que ataques frontais dos EUA aos direitos humanos – o campo de torturas
de Guantánamo, por exemplo, surgiram em governos conservadores (no caso George
W. Bush), mas foram mantidos por seus sucessores “democratas” (Barack Obama).
Outra gigante da segurança
privada já vem movimentando o setor com anúncios de vagas, a General Dynamics é
a terceira companhia que mais lucra em contratos com o Estado norte-americano.
Somente em 2017, foram concedidos 15 bilhões de dólares para a prestação de
serviços. E não fica atrás no quesito corrupção: deve US$ 280,3 milhões em
multas por desvios de comportamento.
O advogado Matthew Kolken, que
costuma representar as crianças separadas de seus pais, expressa bem a
preocupação do envolvimento das companhias na situação: “Estou presumindo que
nas suas declarações de missão, um dos componentes centrais não é o cuidado com
crianças refugiadas(…) é inacreditável que este tipo de indústria seja
seriamente considerada para o cuidado com as crianças. Ela não tem o que é
preciso para realizar a tarefa. Você gostaria que seu filho fosse colocado nas
mãos desta indústria? Eu sei que eu não.”
Segundo a reportagem, como
relatado pelo The New York Times, já há 100 abrigos da agência responsável
– o Escritório de Reassentamento de Refugiados em – em pelo menos 17 estados.
Mais de 11 mil crianças estão sendo mantidas separadas de suas famílias.
A busca de lucros produziu em
outras épocas históricas tragédias humanitárias ainda mais graves. Em outubro
de 2016, a revista Superintessante resgatou
uma história há muito conhecida – mas frequentemente ocultada. O
regime de Adolf Hitler recebeu, ao longo de todo o seu percurso, o apoio
interesseiro de grandes corporações alemãs, suíças e norte-americanas. Os novos
fatos indicam que os tempos mudaram, mas a lógica central do capitalismo
continua cega e cúmplice dos grandes crimes contra a humanidade.
Fotos: 1 - Campo de detenção
infantil em Nogales, estado do Arizona, EUA. Aprisionadas, dezenas de crianças
dormem em celas coletivas e precárias; 2 - Hitler entusiasma-se com o protótipo
do Fusca. Durante a II Guerra, Volkswagen passaria a fabricar material militar,
empregando, como escravos, internos em campos de concentração nazistas
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