À luz da ofensiva de combate à
corrupção desencadeada por João Lourenço, é inevitável mexer nos
interesses de Isabel dos Santos em Portugal, dizem analistas. Prevê-se redução
do poder da empresária angolana em Portugal.
Quando em 2014 Francisco Louçã
publicou o livro "Os Donos Angolanos de Portugal", em coautoria com
Jorge Costa e João Teixeira Lopes, era muito significativo o poder e a
influência do capital angolano. Estavam em foco as relações dos grupos económicos
portugueses com o então regime de José Eduardo dos Santos.
Hoje, o economista, que já foi
líder do Bloco de Esquerda, considera que a figura de Isabel dos Santos perdeu
relevância, não tanto em Portugal, mas certamente em Angola. Tanto por ter sido
afastada da administração da Sonangol como pelo facto de a própria família ter,
atualmente, um peso económico e político bastante menor.
"Ela tem um investimento
significativo em Portugal, tanto no BCP como na EFACEC, entre outros setores, e
isso creio que continuará. Qual a estratégia que ela vai seguir no futuro não
sabemos e é muito importante que haja alguma definição, mas os empresários
portugueses, angolanos, chineses ou norte-americanos têm que cumprir as mesmas
regras", disse Francisco Louçã à DW África.
Fim dos "anos de
glória"
Passados os anos de glória do
investimento angolano em Portugal, o Presidente de Angola, João Lourenço, quer
limitar os poderes de Isabel dos Santos, principalmente na petrolífera
portuguesa Galp e na EFACEC.
De acordo com a última edição do
semanário português Expresso, João Lourenço tem uma estratégia que
visa destroçar financeiramente a "mulher mais rica de África". A
questão que os observadores levantam é se Isabel dos Santos conseguirá manter o
seu império empresarial em Portugal?
Para o jornalista angolano
Armindo Laureano, a saída da Sonangol foi o ponto de partida para a perda
da "ascensão que tinha". "E agora começam a aparecer estes casos
da notícia que fala da delimitação do seu poder em Portugal. Porque o Estado
angolano começa a agir, nomeadamente nos negócios que tinha com ela a nível da
Galp. Até há a notícia de que a Sonangol exige a devolução de 70 milhões de
dólares. Isso já foi comunicado e até advogados da Sonangol já contactaram os
advogados de Isabel dos Santos para a devolução dos dividendos da Galp",
conta o jornalista.
Poderes reduzidos
Armindo Laureano não tem dúvidas
que a redução dos poderes da filha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos em
Portugal começa a ser uma evidência.
"Durante muito tempo, Isabel
dos Santos foi vista como a afirmação empresarial angolana no exterior,
nomeadamente em Portugal. Era ela que aparecia à frente dos grandes negócios.
Creio que, nos próximos anos, os cifrões, os zeros vão começar a diminuir nas contas
de Isabel dos Santos", disse.
O jornalista sublinha que não se
trata de uma ação pessoal de João Lourenço contra Isabel dos Santos. Trata-se,
sim, de uma estratégia do Executivo angolano visando acabar com certos grupos
dominantes. "Isabel dos Santos estava à frente de muitos interesses
corporativos ou de grupos", esclareceu.
"A própria entrada dela como
presidente do Conselho de Administração da Sonangol foi um bocado para proteger
certos interesses seus, pessoais e até de grupos. E isso começou-se a ver mesmo
a nível daquilo que é a Unitel e depois em relação ao próprio negócio da
Galp", acrescentou Armindo Laureano.
Nesta ofensiva contra a corrupção
em Angola, é inevitável mexer nos interesses de Isabel dos Santos, afirma João
Paulo Batalha, presidente da Associação Cívica Transparência e Integridade
Portugal (TIAC).
"Justamente porque os
grandes investimentos que Isabel dos Santos fez em Portugal ao longo dos
últimos anos foram feitos sob uma suspeita basilar sobre a origem do dinheiro
que ela trouxe para Portugal. Portanto, muitos dos investimentos, nomeadamente
na Galp, mas, enfim, em todos os outros, foram feitos ou com empréstimos de
empresas públicas angolanas ou com capital adquirido através dos negócios de
favor que ela fez com o Estado angolano", explica à DW África.
"Por isso, todo o império de
Isabel dos Santos, numa lógica de transparência e de combate à corrupção, fica
posto em causa, incluindo as ramificações desse império em Portugal",
acrescentou João Paulo Batalha.
Portugal vai sentir consequências
O presidente da TIAC reconhece
que as medidas que o Presidente João Lourenço têm vindo a tomar para esclarecer
a origem da fortuna de Isabel dos Santos também terão implicações em Portugal.
"Deve ser um aviso para as
autoridades portuguesas, quer as autoridades judiciais quer as autoridades
políticas, para, no momento em que querem inaugurar uma nova fase de boas
relações com Angola, fazermos nós próprios, aqui em Portugal essa investigação
à origem dos capitais e à lisura dos negócios de Isabel dos Santos para que
possamos assistir o Estado angolano numa potencial reversão de capitais de
Isabel dos Santos para o Estado angolano. Porque, verdadeiramente, o
dinheiro que ela tem trazido para Portugal é dinheiro que pertence ao povo
angolano", lembra.
João Paulo Batalha acrescenta
que o poder político em Portugal sempre teve "uma relação
oportunista" com Angola, privilegiando ligações com a elite angolana,
independentemente, de considerações sobre corrupção ou abusos dos Direitos
Humanos.
Isabel dos Santos, que terá
viajado para Portugal, foi já notificada pela Procuradoria-Geral da República
de Angola.
"Há uma pressão que vem de vários lados", refere Armindo Laureano, para quem o corte do ponto de vista empresarial, por um lado, e, por outro, a ação por parte da justiça, põem em perigo o futuro do império da "mulher mais rica de África".
João Carlos (Lisboa) | Deutsche
Welle
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