quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Moçambique | Crise pode agravar-se se bancos não comprarem dívida


Analista alerta para o facto de o Governo continuar a ter dificuldades em pagar as contas. Financiamento externo não é opção por causa do escândalo das dívidas ocultas.

A crise financeira poderá agravar-se em Moçambique. Segundo  o jornal "@Verdade", os bancos moçambicanos estão a deixar de comprar títulos da dívida do Estado de Moçambique. Esta é uma péssima notícia para o Governo, pois como Moçambique está sem acesso a financiamento externo, devido ao endividamento ilegal na era do Presidente Guebuza, o Estado precisa urgentemente de se financiar através dos bancos comerciais.

Em entrevista à DW África, Adérito Caldeira, diretor-geral adjunto do jornal "@Verdade", parceiro online da DW África, explica que o facto dos bancos nacionais deixarem de confiar no próprio Estado moçambicano, poderá ser um entrave ao financiamento do défice orçamental do Governo.

DW África: Os problemas financeiros atuais do Governo de Moçambique contrastam com o discurso otimista do Executivo de Filipe Nyusi?

Adérito Caldeira (AC): A informação oficial dá ideia que a crise já passou e que a economia está a recuperar, mas, naquilo que é a economia real, principalmente a execução do orçamento de Estado, o Governo continua a ter dificuldades em pagar contas, e sei que o salário do mês de julho ainda não foi pago a todos os funcionários públicos.

DW África: É de prever que haverá mais salários em atraso no setor público nos próximos tempos?

AC: Ninguém sabe muito bem, porque as contas do Governo não são completamente públicas. Eu não tenho memória, nos últimos anos, dos salários públicos terem atrasado...
DW África: Até agora os bancos moçambicanos compravam Títulos do Tesouro moçambicano e ajudavam assim o Governo a financiar-se, mas isso está a alterar-se, correto?

AC: Exato, para este ano, o Orçamento de Estado 2018 tem um défice orçamental de 80 mil milhões de meticais [cerca de 1,2 mil milhões de euros]. É mais ou menos esse montante de Títulos do Tesouro que o Governo pediu autorização para colocar no mercado durante este exercício. Mas, desde maio, o Governo está aparentemente com dificuldades em colocar estes títulos no mercado. O Governo teve dificuldades em colocar Títulos do Tesouro nos últimos dois leilões feitos na Bolsa de Valores. Houve um leilão em maio em que o Governo estava a tentar financiar-se em 1,5 mil milhões de meticais [mais de 22 milhões de euros] e, numa segunda tentativa, acabou por aceitar emitir bilhetes para fazer cerca de 200 milhões de meticais. O mais recente de todos, que foi agora no mês de junho, teve uma procura de 12 milhões, a expetativa do Governo era de mil milhões [de meticais], mas o leilão foi suspenso por falta de procura. Em princípio, devem fazer uma nova tentativa nos próximos dias.

DW África: Havendo falta de financiamento interno, o Governo poderá recorrer ao financiamento de países externos?

AC: Não, formalmente o Governo de Moçambique ainda não se pode financiar no exterior por causa da questão das dívidas ilegais, que já não são ocultas. Há algum financiamento externo que está a entrar, mas é para programas específicos, particularmente no setor da educação, saúde e pouco mais. O Governo não tem muito por onde ir buscar [financiamento] neste momento.

DW África: Os problemas atuais do Governo de Filipe Nyusi são devidos à sua política orçamental ou já são problemas que vêm de trás - possivelmente do tempo de Armando Guebuza?

AC: Já vêm dessa altura, porque foram criados nessa altura. Embora o endividamento público, concretamente, não existisse nesta dimensão no tempo do Presidente Guebuza, muito do endividamento externo começou antes. De grosso modo, durante esta governação do Presidente Nyusi não tem havido grandes infraestruturas públicas a serem iniciadas - inclusivamente, as obras públicas é dos setores que menos orçamento tem tido nos últimos dois anos.

DW África: A sociedade civil e os próprios economistas estão conscientes do problema?

AC: Eles estão a par do problema, até porque tem estado a agravar-se, não é efetivamente novo. Mas tem havido muito pouco debate sobre este assunto. Creio que só esta semana é que, por exemplo, a confederação dos empresários alertou para esta questão do endividamento público do Estado, que está a tirar credibilidade financeira ao setor produtivo. Mas fala-se pouco do assunto - não porque não se sinta, mas fala-se pouco. Arrisco-me a dizer que tenho sido dos poucos que têm regularmente mantido o alerta sobre este assunto.

DW África: E o Governo tem encetado esforços no sentido de controlar as despesas públicas?

AC: Tem havido um esforço de aumentar as receitas, disso não há dúvida. A Autoridade Tributária, a cada período, vai aumentando a coleta, mas é sempre a apertar aos mesmos. Por exemplo, está a acontecer uma campanha grande de cobrança de receitas atrasadas da Segurança Social, porque muitas empresas não têm estado a pagar ao longo dos últimos tempos. Só que grande parte destas empresas que não pagaram a Segurança Social são empresas que têm a receber de obras e serviços que forneceram ao Estado há pelo menos quatro ou cinco anos e que até hoje não receberam. E o Estado afirma estar a fazer o levantamento para arranjar forma de pagar, só que, enquanto esse processo decorre, as empresas têm de sobreviver, e não havendo investimento direto estrangeiro, estando a economia como está, não há muitas opções ao cliente Estado neste momento.

António Cascais | Deutsche Welle

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