Pedro Ivo Carvalho | Jornal de
Notícias | opinião
Até 2015, a União Europeia usou a
régua e o esquadro da teoria económica para regular o mercado leiteiro. As
quotas garantiram uma efetiva segurança aos países com índices mais baixos de
produção e menos eficientes. Para o bem, Portugal acostumou-se à lógica. Para o
mal, está a sentir agora os reflexos dessa mudança brusca. Com o consumo de
leite em decréscimo, parece hoje evidente que Bruxelas não soube acautelar o
dia seguinte ao fim das políticas protecionistas. Como bem notava ontem no JN o
ex-ministro da Agricultura Arlindo Cunha, a liberalização do mercado permitiu
que este se tornasse "selvagem". E quando assim é, a história é a que
vem nos livros: sobrevivem os fortes, desaparecem os fracos.
É, pois, com alguma incredulidade
que vemos os acionistas da Lactogal pagar aos fornecedores para deixarem de
produzir. Para desistirem de fazer o que sempre fizeram. Para abandonarem o
negócio de uma vida. No total, foram intimados a cortar 60 milhões de litros,
meta considerada satisfatória pela gigante dos laticínios para acomodar o
impacto negativo resultante do facto de Espanha estar a comprar menos leite e
evitar, por outro lado, descidas do preço. Detalhe: a Lactogal passou, há dias,
a pagar menos um cêntimo por litro.
Ora, perante isto, o Governo, que
tanto gosta de meter o bedelho naquilo que os portugueses consomem, vem dizer
que está de mãos atadas, porque a Lactogal é uma empresa privada. Resumir o
papel do Estado a essa perspetiva simplista de intervenção não é entendível à
luz da realidade económica e do impacto social desta medida num setor que vende
o leite como vida mas está a morrer lentamente. Produzimos leite a mais, mas
bebemos cada vez menos. Produzimos queijo e iogurtes a menos, mas consumimos
cada vez mais. Destruimos o valor acrescentado do que é português e ficamos
dependentes do exterior. De certeza que o Governo não quer preocupar-se com
isto?
*Subdiretor do JN
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