Tiago Mota Saraiva |
jornal i | opinião
O
conhecimento que fui adquirindo sobre questões relacionadas com os incêndios
florestais faz-me escrever com mais dúvidas e pudor sobre o tema. Arrepia-me
ouvir o tempo de antena que é dado a disparatadas intervenções de especialistas
em “tudismo”, mas não haverá muito a fazer quando um dos canais de informação
líder de audiências televisivas tem como diretor adjunto de informação José
Gomes Ferreira, um dos gurus do “tudismo” luso por proferir as mais ignóbeis
afirmações.
Não
haverá quem tenha mais conhecimento para falar sobre o assunto? Certamente que
sim. O que tenderá é a demarcar-se de uma narrativa de respostas fáceis: a
culpa é do governo, dos incendiários, da Proteção Civil, dos bombeiros...
Pela
parte que me toca, consigo identificar com toda a certeza um culpado: o
ordenamento do território. Falta-nos desenho, planeamento e inteligência o que
sobra em mercantilização da terra. Mas esta será uma ideia demasiado abstrata e
que contraria a narrativa de respostas fáceis dos “tudistas”.
Também
o território não urbano sofreu um processo agressivo de mercantilização. A sua
função principal deixou de ser a de produzir de acordo com as necessidades do
país para passar a ser a de criar receita ao seu proprietário. Não me entenda
mal o leitor, entendo e defendo que mais gente deva poder viver e retirar
rendimentos do solo não urbano, gerando consequentemente mais trabalho. O
problema é que as políticas do Estado deviam servir para equilibrar rendimentos
por forma a garantir uma paisagem de diversidade de culturas, para que a
escolha dos proprietários não recaia sobre o que dá uma receita mais rápida com
menos encargos. Não podemos pedir a quem vive da terra que plante algo que só
lhe dará uma renda daqui a 50 anos - provavelmente fora do seu período de vida
- sem lhe garantir um rendimento que lhe permita viver.
Desde
os governos de Cavaco Silva que o país faz exatamente o oposto, apoiando as
plantações de eucalipto. À receita rápida pela velocidade de crescimento
juntou-se a subvenção. Naquele primarismo boçal que tão bem caracteriza aquela
geração de governantes, fica sempre a dúvida se estariam mesmo convencidos de
estar a descobrir o “petróleo verde” (como Mira Amaral lhe chamou) que os
demais europeus não tinham vislumbrado.
Entendamo-nos,
esta não é uma declaração contra esta ou aquela cultura, mas contra a
monocultura e contra um Estado que abdica de planear a produção do país em
função do seu território para permitir que o mercado use e abuse da sua
terra.
*Escreve
à segunda-feira
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