sábado, 22 de setembro de 2018

Fazer atoleiros na Síria é um passo rumo à "mudança de regime" em Washington DC

Os “capacetes brancos”, agentes dos serviços secretos britânicos, começaram a filmar em Idlib encenações de ataques químicos a fim de tentar justificar novo bombardeamento dos EUA à Síria
Alastair Crooke [*]

O governo dos EUA deixou de hesitarescreveu David Ignatius em 30 de Agosto: agora insiste em que tem "interesses duradouros" na Síria, para além de matar terroristas do Estado Islâmico – e "que não planeia retirar suas forças de Operações Especiais do nordeste sírio em qualquer momento próximo". "Neste momento", disse a Ignatius um funcionário do governo, "nossa tarefa é ajudar a criar atoleiros [para a Rússia e o regime sírio], até conseguirmos o que queremos".

Os EUA, ao que parece, mudaram de política em meados de Agosto (afastando-se dos entendimentos de Julho em Helsínquia, alcançados entre os presidentes Trump e Putin), em favor de uma busca de algo que recupere a sua influência máxima nas etapas finais da guerra síria. Isto representa, aparentemente, uma última tentativa desesperada de impor a vontade dos EUA no cenário da guerra síria – através da manutenção em jogo em Idlib da "carta" jihadista, como alavanca sobre qualquer transição política; e analogamente, mantendo o "porrete do PKK" curdo no nordeste da Síria, como influência sobre a Turquia e para conter o Irão.

Estamos, na verdade, a assistir a uma viragem de 180º : o novo enviado de Pompeo na Síria, James Jeffry, deixou isso bem claro: "Agora", disse ele, "os Estados Unidos não tolerarão um ataque – Ponto". (Referindo-se à ofensiva iminente no enclave jihadista, na província de Idlib.)

"Qualquer ofensiva é para nós objectável como uma escalada imprudente", disse ele. "Acrescenta-se a isso, se você usar armas químicas, ou criar fluxos de refugiados ou atacar civis inocentes… as consequências… são que mudaremos nossas posições"… Perguntado sobre se a eventual retaliação dos EUA a qualquer ofensiva em Idlib, com ou sem armas químicas, incluiria ataques aéreos, Jeffrey disse, "pedimos repetidamente permissão para operar" e "esse seria um caminho" [para responder].

O objectivo é expulsar o Irão da Síria; infligir uma humilhante bofetada estratégica à República Islâmica a fim de agravar a 'dieta' económica imposta à sua economia; alavancar uma transição política, na qual o presidente Assad seja afastado e, acima de tudo, evitar admitir qualquer aparência de fraqueza estratégica dos EUA.

A liderança da Rússia já desconfiava que os EUA pretendiam descarrilar a última grande operação da coligação para concluir o conflito sírio. Isso agora está confirmado. Um alto responsável do Kremlin disse ao Al-Monitor , na condição de anonimato, que os responsáveis americanos pretendem actuar como sabotadores, em grande estilo: "Eles estão raivosos por termos obtido supremacia ao tratar desta crise e agora querem colocar seus bastões em todas as rodas que tentamos mover".

Isto vai ainda mais além: com a linguagem Jeffrey de "não ataques, ponto"; com a linguagem do Departamento de Estado a insinuar novas sanções económicas, como a alavancagem; e as ameaças contra o Irão, trata-se de provocações e efectivamente de ultimatos contra a Rússia e o Irão.

Esta é uma grave "viragem" nos acontecimentos. Não sabemos porque Trump virou as costas tão enfáticamente aos "entendimentos" de Helsínquia – excepto pelas extraordinárias pressões políticas e psicológicas a que está submetido: O funeral "apoteótico" de McCain como a essência das "virtudes americanas" , o artigo sedicioso do New York Times atribuído a um membro sénior da equipe da Resistência na Casa Branca, que reivindicou especificamente êxito em sabotar a política de Trump de détente com a Rússia; o livro de Woodward a ridicularizar o presidente; e agora Obama a juntar-se a este coro na sexta-feira com uma insinuação óbvia de que o Trumpismo de alguma forma está a alimentar o nazismo.

Faltam agora 60 dias para as eleições intercalares. E, como escreve Tom Luongo, "o medo da derrota pelo Estado Profundo é palpável… E agora o que está claro para mim, é que o Estado Profundo é feito a chicotear a esquerda progressista para que se torne frenética contra Donald Trump. Eles agora estão abertamente a entregar-lhes forcados e a agrupá-los para uma tomada hostil do Gabinete Oval".

Este é o ponto. "Não mais hesitação" (como disse Ignatius). A chamada Resistência está a fazer todo o possível – à outrance – tanto para desacreditar Trump politicamente antes das eleições intercalares como para desacreditar e demonizar a Rússia (com o Reino Unido – como de costume – a fazer o seu papel de apoio acusando dois russos no caso Skripal).

A Europa movimentou-se politicamente em consequência das guerras comerciais de Trump, do seu desdém pela NATO e do seu desprezo pela elite globalista "liberal" da UE. A auto-denominada "Resistência" está pronta para "arriscar tudo" – não só internamente contra Trump, mas contra a Rússia, também, para assegurar – e o seu enorme mercado consumidor que não pode escapar para a esfera russo-chinesa. Assim, a Rússia deve ser denegrida como o "inimigo" com o qual qualquer aliança é impensável.

Estará "esta gente" realmente pronta a provocar a Rússia e o Irão, até ao ponto da confrontação directa contra eles, militarmente? Parece que sim: James Jeffrey disse exactamente isso, ao Washington Post "Em alguns aspectos, estamos potencialmente a entrar numa nova fase, onde há forças dos diferentes países a enfrentarem-se umas às outras, ao invés de perseguir seus objectivos separados", disse ele, listando a Rússia, os Estados Unidos, o Irão, a Turquia e Israel. Por outras palavras, a "Resistência" fará todo o possível no processo até Novembro, tanto internamente contra Trump, quanto externamente, a tentar provocar, insultar a Rússia [para levá-la a] algum acto que permita à "Resistência" retratar a Rússia como "vinho novo numa velha garrafa da URSS"

James Jeffrey adverte a Rússia: "nenhuma ofensiva (em Idlib) – ponto" a fim de acabar com o último abcesso de jihadistas extremados. Mas a ofensiva já começou. O que aconteceu então na cimeira de sexta-feira em Teerão, entre Erdogan, Putin e Ruhani? Comentaristas estão a dizer que nenhum acordo foi alcançado sobre a ofensiva de Idlib – que os EUA tiveram êxito: sua posição dura contra o ataque aos jihadistas levou a ofensiva para um matagal. Mas, de facto, o acordo chave já havia sido alcançado antes da cimeira, e não na mesma – a Turquia colocou a HTS (também conhecida como an-Nusra ou al Qaeda) na sua lista de terroristas. Esta foi o resultado chave – o mais significativo.

Erdogan é um político, um político consumado. Ele tem sido patrono destes insurgentes. Ele se considera como um líder sunita, um otomano, o "guia" para a Irmandade Muçulmana global. Ele foi vitalmente instrumental na insurgência síria – a causa dela, por assim dizer. Mas agora a presença contínua da jihad em Idlib é insustentável (mesmo para a Turquia). No entanto, como pode ele – politicamente – repudiar esses insurgentes, que a Turquia tão cuidadosamente alimentou? Quais poderiam ser as consequências em termos de segurança (bombardeios em Istambul?) de se aliar publicamente à sua destruição? Qual seria o dano à sua cultivada imagem como defensor do sunismo?

Era necessária uma plataforma na qual as necessidades de um político de atender as suas várias clientelas eleitorais fossem vistas publicamente – e na televisão – para serem conhecidas. E foi isso o que aconteceu. Erdogan ergueu-se para eles. Argumentou a sua posição – como representante de um estado poderoso junto a outros estados poderosos – sublinhando o seu interesse (político). Sim, ele "ergueu-se para uma ovação". Por que outro motivo Putin e Rouhani teriam permitido um tal desempenho aparentemente medíocre dos líderes principais aparentemente a discutirem entre si – e perante as câmaras – a menos que se entendesse que Erdogan precisava "fazer o seu show"?

A Turquia já classificou a an-Nusra como [organização] terrorista. A ofensiva continuará (e baixas civis inevitavelmente ocorrerão, pois os jihadistas estão fundidos na população civil de Idlib – como na verdade aconteceuquando os EUA, o Reino Unido e a França bombardearam Raqqa para derrotar o ISIS em 2017 com "mais cartuchos de artilharia lançados em Raqqa do que em qualquer outro lugar desde o fim da guerra do Vietname").

E os americanos provavelmente farão o seu próprio "show off" para o público – possivelmente com Tomahawks – a fim de mostrar a Rússia e a Síria como "monstros desumanos". 

12/Setembro/2018

Ver também: 
  Syrian War Report – September 12, 2018: Militants Filming Staged Chemical Attack in Idlib

[*] Ex-diplomata britânico, fundador e director do Conflicts Forum com sede em Beirute.

O original encontra-se em www.strategic-culture.org/... 

Este artigo encontra-se em https://resistir.info/ 

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