Eusébio Corsino Araújo | Opiniaun | Business Timor
Mari Alkatiri, nasceu em Díli em
1949, filho de uma família que se faz em Timor XIX. Estudou
em Angola e na altura da ocupação chegou a desempenhar uma profissão de
agrimensor mas entre os nacionalistas já era uma figura muito ouvida nesse
tempo. Foi então, um dos fundadores da Clandestinidade do Movimento para a
Libertação de Timor-Leste, em Janeiro de 1970, e uma Associação
Social-Democrata de Timor-Leste, que seria um cidadão da criação da Fretilin em
1974.
Depois de ter concluido o Liceu
em Dili continuou os seus estudos de Topografia e Agrimensura em Luanda,
Angola, sendo graduado em 1972, e durante a ocupação, cumprindo as ordens do
CCF, partiu para Moçambique, onde se licenciou em Direito pela Universidade
Eduardo Mondlane sendo o responsável pela delegação externa da Resistência
Timorense e entre os anos 1992 a1998, exerceu a função de Assessor
Jurídico Senior numa Sociedade de Consultores Jurídicos em Maputo e Assessor de
Direito Internacional e Direito Constitucional no Parlamento de Moçambique onde
viveu até Outubro de 1999, altura em que regressou a Timor para assumir funções
no I Governo de transição como Ministro dos Assuntos Económicos, assumindo
depois a chefia do II Governo Transitório a seguir às eleições livres de Agosto
de 2001 para a Assembleia Constituinte e o cargo de Primeiro-Ministro após a
independência do país, a 20 de Maio de 2002.
Esse quase quarto de século fora
de Timor é hoje usado como argumento político para desvalorizar a figura de
Alkatiri, ridicularizando uma das três frentes históricas da luta pela
independência de Timor-Leste, a facção armada, a política interna e a
diplomática, acusando-o de “criar coelhos e galinhas nesse tempo, como se a ser
verdade e a ser fruto da necessidade de subsistência familiar de Mari, isso
tivesse qualquer relevância politica a não ser a capacidade de adaptação e de
trabalho de Alkatiri. Entre isso e a vontade de criar abóboras de outros nada
acrescenta ao debate politico nem à História de Timor-Leste que o tempo
perpetuará.
Muçulmano moderado e tolerante
num país onde a Igreja Católica manteve viva uma ideia de identidade diferente
da do ocupante, Mari Bim Amude Alkatiri foi o primeiro primeiro-ministro do
Timor-Leste até 2006, altura em que se demitiu para tentar acalmar o clima de
violência que se vivia nas ruas e evitar segundo as suas palavras “governar
sobre cadáveres”.
Mari Alkatiri no seu primeiro
governo revelou ser um político lúcido, nacionalista, mas não populista tendo
centrado a sua política na defesa dos interesses de Timor, assumindo que eles
não coincidiam necessariamente com os da Austrália. A História não poderá negar
e os números actuais do Fundo Petrolífero de Timor-Leste são a melhor prova de
que nas negociações sobre a partilha dos recursos do petróleo Alkatiri lutou
por uma maior autonomia de Timor-Leste e uma mais equitativa partilha dos
benefícios.
O Fundo Petrolífero de
Timor-Leste, criado propositadamente para gerir os lucros do petróleo, foi
inspirado no modelo da Noruega para evitar que o súbito fluxo de dinheiro
proveniente da exploração do petróleo acabasse por servir de incentivo à
corrupção das instituições ainda frágeis do jovem país e esse mérito pode
Alkatiri reclamar.
Mari Alkatiri, que salvou Timor
da gula do petróleo, nunca teve, contudo, direito a imagens românticas. Não
correspondia ao estereotipo sexy do combatente nas montanhas que a imprensa
internacional queria receber destas paragens nem ao charme ocidentalizado e
romântico do Nobel da Paz e diplomata Ramos-Horta, o que é uma boa lição sobre
os enganos que o jornalismo das causas consensuais pode alimentar. A 14 de
Fevereiro de 2006, foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique
de Portugal, uma das mais altas distinções das ordens honorificas portuguesas,
o que diz bem do reconhecimento internacional de Mari Alkatiri, além do o
prémio 'Lifting uptheworldwith a Oneness'–agraciado durante a sessão 58 da
Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas em Nova Iorque a
Outubro de 2003- onde se incluem outros recipientes como Nelson Mandela, o Papa
João Paulo II ou Madre Teresa, o que fala por si próprio.
Mas a verdade é que há no
trabalho político de Alkatiri um corpo rigoroso de ética estadista, desses
entregues ao serviço público e à defesa dos interesses do seu país e do seu
povo acima de tudo. Dezasseis anos depois da recuperação da sua independência,
que a Fretilin ousara declarar em 1975, se hoje Timor-Leste consegue, apesar de
todas as vicissitudes, existir como Estado, ao trabalho de Alkatiri se deve.
Mari Alkatiri enquanto
secretário-geral da Fretilin e líder da oposição após 2007, manteve uma postura
construtiva e colaborante o que lhe valeu até duras críticas sobretudo após o
cargo de presidente da Autoridade da Região Administrativa Especial de Oecusse,
o enclave leste-timorense na metade ocidental da ilha a ser transformada em Zona Especial de
Economia Social de Mercado, conceito que tanto abraça e defende.
O projecto ZEESM pretende fazer
de Oé-cusse, considerado o berço da nação timorense, um pólo de desenvolvimento
nacional, regional e sub-regional, com a criação de um aeroporto, estradas e
pontes, hotel, hospital, etc. Iniciado em 2015, Mari transformou no espaço de 4
anos o figurino do Oé-Cusse, passando de região inóspita e isolada, a motor de
desenvolvimento e referência nacional, com Alkatiri, mais uma vez, a trabalhar
para o desenvolvimento de Timor-Leste independentemente das críticas e da má
imprensa que sempre teve.
Com as penúltimas eleições, Mari
assumiu de novo o cargo de Primeiro Ministro e com essa renovada esperança e
capital de capacidade demonstrada de gestão encarou o desafio com uma equipa
ministerial alargada, envolvendo parceiros políticos e membros reconhecidos da
sociedade civil. Então com Ramos-Horta do seu lado, com a Igreja acreditada num
homem novo que, entretanto, com a idade e experiência se soube renovar, Mari
consegue inclusive ganhar a confiança das instituições civis, militares e de
segurança. É agora, apesar das criticas, mais aberto à mudança, mais confiante
e mais dialogador sem perder a noção da responsabilidade e da necessidade de
combater a pobreza e promover o desenvolvimento sustentado do seu povo.
Porém, as cadeiras do Parlamento
não o favoreceram e o fantasma do passado não deixa de o perseguir pelo que não
conseguiu evitar que o impasse politico se instalasse no seu novo governo. Nos
dias difíceis de combate político que se seguiram após as eleições, em muitos casos
num cenário de surdos e de indiferença para com o Estado e o povo Mari, agora
como primeiro-ministro do VII Governo,soube encontrar o equilíbrio na gestão
casuística dos momentos até ao momento em que por força das circunstâncias o
Presidente Lu Olo se vê perante a necessidade de convocar novas eleições.
Eleições essas, cuja campanha correu num ambiente de calunia, difamação e
ameaças pessoais à figura de Mari Alkatiri e que montada numa estratégia de
conquista de poder por parte da coligação entre Xanana e Taur Matan Ruak acabou
por ser vencedora. A ignorância em que estes sempre quiseram manter o povo deu
frutos e chegam novamente ao poder no VIII Governo.
Aqui chegados, ainda assim, Mari
Alkatiri não é poupado e diariamente os órgãos de propaganda desta máquina
maquiavélica de poder lança ataques pessoais e de carácter à sua pessoa. Não é
a Fretilin que é visada, não é a figura do seu Secretário Geral que agora na
oposição mantém uma postura de sentido de Estado e de equilíbrio, prova até
pela recente aprovação em Parlamento do Orçamento de Estado na generalidade mas
sim o homem e personalidade histórica de Mari.
Num dia é acusado de corrupção,
no dia seguinte de má gestão, no outro de não ser católico e a perseguição
pessoal política espalha-se pelas redes sociais e até órgãos de informação que
sem critério, ética ou princípios replicam essas calúnias como se de factos
provados se tratassem. Por estes dias é apontado como o responsável pelo
desaparecimento de 20 milhões como se fosse Mari um prestigiado ilusionista por
aqueles que durante a última década, esses sim, fizeram literalmente
desaparecer 7 biliões do fundo de infraestruturas sem que um km de estrada sem
buracos se veja no território. Os 20 milhões se desapareceram talvez estejam
mais nos bolsos daqueles que têm apartamentos na Expo em Lisboa ou que se
divertem em festas privadas no Bali que na conta pessoal de Mari.
Mari, nunca foi e porventura
nunca terá querido ser, um líder populista e passou sempre uma imagem de
exigência, rigor e isenção que não agrada certamente, a uma cultura de
corrupção e nepotismo, alimentada pela aculturação indonésia de outros tempos,
mas daí a ser parte daquilo a que os seus detratores o querem colar vai uma
enorme distância. A política em Timor-Leste ainda não se libertou da guerrilha
das montanhas nem do jugo de poder de alguns líderes populistas e apenas
preocupados com a salvaguarda dos seus interesses pessoais.
A memória do povo é curta e
ninguém parece mais interessado em saber quem e porquê perpetuou o atentado a
José Ramos-Horta, ou da lista de 16 companhias que venceram em 2008 contratos
de fornecimento de arroz, em negócios que totalizaram 56 milhões de dólares, ou
quem ordenou o ataque contra os militares da GNR em Julho de 2009, ou de quem
partiu a ordem para calar de vez Mauk Moruk ou das verdadeiras razões da
expulsão dos juízes portugueses, entre muitos outros factos que têm feito parte
do dia a dia de Timor-Leste sem que a verdadeira história seja contada. Não, o
importante é destruir politicamente Mari Alkatiri e talvez o consigam, mas,
seja qual for o desfecho deste braço de ferro entre adversários que outrora
foram irmãos e que hoje para o futuro da nação deveriam ser camaradas, o que é
facto indiscutível é que pesem todos os reveses que Alkatiri tenha sofrido no
seu percurso politico já ganhou o seu lugar na História de Timor-Leste.
Hakerek nain hosi: Eusebio
Corsino Araujo (Mau Laka CASCOL) | Business Timor – loron 03 Setembru 2018
email: corsinorebelo@gamil.com
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